Reflexões sobre o fazer antropológico: por uma elaboração entre os arquivos do desastre ambiental de Mariana em e através de suas ruínas | Cassandra Moira Costa Moura


 

Cassandra Moira Costa Moura [1]

 

O evento crítico

Em 05 de novembro de 2015, a barragem de Fundão se rompe por volta das 16h, de acordo com Vervloet (Ibama, 2015 apud 2016, p.109) o rompimento liberou 60 milhões de m³2 de rejeitos de minério de ferro. A maré de rejeitos de minério de ferro ocasionada pela ruptura de Fundão causou o galgamento3 da barragem de Santarém, segundo a Samarco os rejeitos passaram por cima da barragem de Santarém (usada na estocagem de água e sedimentos), erodindo parcialmente o maciço da barragem e causando danos estruturais, houve também danos as estruturas do dique de Selinha e dos diques Sela/Tulipa, estruturas que compõe as paredes laterais da barragem de Germano.

 

Com esse galgamento Nascimento e Silva (2016, p.53) nos informa que os rejeitos de minério de ferro ganharam maior volume e velocidade, inundando os distritos de Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues (ambos distritos de Mariana), e também atingindo o rio Gualaxo do Norte4, tributário do rio do Carmo, que por sua vez desemboca no rio Doce. A maré de lama foi tanta que percorreu cerca de 800 km até atingir a foz do rio Doce, já no Espírito Santo, e ainda assim se espalhando por 10 km no Oceano Atlântico.

 

O volume de rejeitos liberado pelo rompimento da barragem fez surgir um fluxo de lama que rapidamente atingiu as artérias fluviais na bacia do rio Doce, causando fortes impactos ambientais em termos geomorfológicos, ecológicos e sociais. A cerca de 3 km do dique, a localidade de Bento Rodrigues foi atingida pela lama 15 minutos após o rompimento, tendo grande parte de sua estrutura urbana destruída. Levada pelo Córrego de Santarém até o rio Gualaxo do Norte, parte significativa dos rejeitos chegou ao rio do Carmo e atingiu, posteriormente, o rio Doce, acompanhada por uma onda de cheia que promoveu inundações em diversos trechos. No dia 21 de novembro, a água com os rejeitos alcançou o Oceano Atlântico e se espalhou por uma extensão superior a 10 km do litoral do Espírito Santo. Os rejeitos depositados vão sendo remobilizados paulatinamente pelos processos pluviais e fluviais, mantendo os sedimentos oriundos do rompimento da barragem nas águas do rio Doce por um período de tempo ainda inestimável. (Felippe et al, 2015, p.126-127)

 

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1] Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E-mail: cassandra.moira@outlook.com

[2] A quantidade de rejeitos liberados apresenta algumas variações dependendo da fonte utilizada, estou usando os números fornecidos pelo Ministério Público de Minas Gerais, vide: MPMG. Rompimento da barragem de Fundão, resultados e desafios cinco anos após o desastre. MPMG. Disponível em: <https://bit.ly/2YewgUQ>. Acesso em: 13 de novembro, 2020.

[3] A ruptura por galgamento ocorre quando o nível d’água no reservatório se eleva além da cota da crista da barragem. No caso das barragens de terra, o galgamento produz um arraste de materiais e a posterior ruptura. No caso das barragens de concreto, um galgamento não produz necessariamente uma ruptura, porém, as sobrecargas a que a barragem pode ser submetida podem conduzi-la à ruptura. (ANA – Agência Nacional de Águas, 2012, p.15).

[4]  Vervloet estima (Ibama, 2015 apud 2016, p.109) que de um total de 34 milhões m³, 18 milhões de m³ foram levados diretamente para o rio Gualuxo do Norte, e desse total 16 milhões m³ ficaram depositados em sua calha e de seus tributários.

 

Reflexões sobre o fazer antropológico: por  uma elaboração entre os arquivos do desastre ambiental de Mariana em e através de suas ruínas

 

RESUMO: O breve ensaio apresentado é desenvolvido sob dois pontos de inflexão para o desenvolvimento de minha pesquisa, estes são: (1) o desastre de Mariana enquanto um evento crítico tal como concebido por Veena Das (1995), pensando em como este flexiona diversas rupturas dentro das comunidades afetadas, evidenciando assim os vínculos e as tensões sociais entre o interior e o exterior destas, trazendo não apenas questões extemporâneos ao centro deste evento, mas também reativações de marcas antigas, ou seja, o presente passa a ser constantemente mediado pelo passado, como um “conhecimento venenoso” (Das, 2011) onde o luto não tem fim; (2) De que forma posso elaborar parte da narrativa desse desastre ambiental, enquanto uma pesquisadora outsider within (Collins, 2016), sem que o exercício de tradução obstrua o entendimento das perdas sofridas, de práticas que obedecem a outras onto-epistemologias? Como me posicionar enquanto acadêmica sem retroalimentar as práticas coloniais que estão em jogo na égide da produção do conhecimento acadêmico? E por fim, gostaria de trazer para a conclusão um questionamento, como costurar essa narrativa sobre o Outro, tendo em vista o exercício bélico que eles são obrigados a enfrentar, esse movimento de destruição de mundos, de transformação de gentes em pedras (Yusoff, 2018), e mesmo ainda assim trazer a luz a dignidade ontológica dessas gentes? Como contar uma história com um passado irrecuperável, uma escrita impossível? Como respeitar o luto sem reencenar o horror? (Hartman, 2020).

PALAVRAS-CHAVE: Desastre ambiental. Mineração. Fabulação crítica.

 


Reflections on doing anthropology: an elaboration between the archives of the Mariana environmental disaster within and through its ruins

 

ABSTRACT: The brief essay presented is developed under two inflection points for the development of my research, they are: (1) the Mariana disaster as a critical event as conceived by Veena Das (1995), thinking about how it flexes several ruptures in the affected communities, revealing the connections and social tensions between the inside and outside of these communities, bringing not only extemporaneous issues to the center of this event, but also reactivations of old scars, that is, the present becomes constantly mediated by the past, as a “poisonous knowledge” (Das, 2011) where mourning has no end; (2) In what way can I elaborate part of the narrative of this environmental disaster, as an outsider researcher within (Collins, 2016), without the translation exercise obstructing an understanding of losses suffered, as well as practices that obey other onto-epistemologies? How can I position myself as an academic without retro-feeding the colonial practices that are at play in the production of academic knowledge? And finally, I would like to bring to the conclusion an inquiry, how to stitch this narrative about the Other, in view of the warlike exercise they are forced to deal, this movement of destruction of worlds, of transformation of people into stones (Yusoff, 2018), and yet still bring to the surface the ontological dignity of these peoples? How to tell a story with an unrecoverable past, an impossible writing? How to respect mourning without re-enacting horror? (Hartman, 2020) .

KEYWORDS: Environmental disaster. Mining. Critical fabulation.


MOURA, Cassandra Moira Costa. Reflexões sobre fazer antropológico: por uma elaboração entre os arquivos do desastre ambiental de Mariana em e através de suas ruínes. ClimaCom – Coexistências e cocriações [online], Campinas, ano 8, n. 20. abril 2021. Available from: . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/reflexoes-sobre-o-fazer-antropologico/