Climatologia camponesa: memórias e vivências diante das mudanças climáticas | Ana Claudia Rauber


Ana Claudia Rauber[1]

 

 

Conhecer o “tempo” é planejar nossa roça

A vida de quem vive no e do campo, ou seja, nossa vida camponesa depende diretamente do “tempo”, do tempo atmosférico, do clima. As nossas atividades, nosso trabalho é planejado e executado conforme as condições climáticas, o tamanho dos dias, as estações do ano. A cada instante estamos nos perguntando: será que vai chover? Será que vai faltar chuva? Será que vai dar tempo bom? Será que vai esfriar a ponto de gear?

 

A necessidade de entender o clima fez com que as comunidades tradicionais, aqui me refiro aos camponeses, da qual faço parte, que ao longo do tempo resistiram e conseguiram manter seu modo de viver e de existir, foi através da observação da natureza que realizaram interpretações para ter uma maior segurança em realizar as atividades agrícolas. A esses saberes denomino de climatologia camponesa.

 

Esses conhecimentos foram construídos milenarmente, portanto, uma construção histórica, coletiva, intercultural e intergeracional. São conhecimentos repassados dos pais para os filhos, também através do convívio entre os diferentes povos, em nosso caso, vivemos num pedacinho de chão da América Latina, Pátria Grande denominada de Abya Yala pelos povos originários (Estermann, 2006), Brasil, Paraná, Território da Cidadania Cantuquiriguaçu, Cantagalo.

 

Território este, onde viviam os povos indígenas guarani, kaingang e xetá nas extensas Matas de Araucárias (Ipardes, 2007). Tanto os povos quanto as florestas foram fortemente impactados pelos ciclos econômicos do século XIX, com a extração da erva-mate e madeira, principalmente o pinheiro-do-paraná. E depois com a modernização da agricultura nos meados do século XX. Ao longo deste processo de reocupação das terras, foram se criando resistências por parte dos indígenas, das comunidades negras e quilombolas, comunidades faxinalenses e os camponeses que tiveram acesso à terra através de vários assentamentos de reforma agrária existentes no Território Cantuquiriguaçu, além dos camponeses pequenos proprietários (Sonda; Bergold, 2013).

 

Portanto, reconhecemos em nossa prática cotidiana camponesa muitos conhecimentos, costumes, hábitos dos diversos povos que aqui vivem, e que nos permitem conhecer e interpretar os fenômenos e elementos que ocorrem na natureza.

 

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1] Camponesa, Licenciada em Ciências Biológicas e Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). E-mail: anacrauber@gmail.com

Climatologia camponesa: memórias e vivências diante das mudanças climáticas

 

RESUMO: A vida camponesa depende diretamente das condições climáticas. Através da observação da natureza são realizadas interpretações que permitem prever eventos climáticos e planejar as atividades agrícolas. Diante dos avanços tecnológicos e do acesso à previsões do tempo, percebe-se que parte dos conhecimentos populares acabaram se perdendo, além das comunidades tradicionais serem fortemente impactadas pelo avanço do modelo de agricultura industrial. A partir do resgate da memória e da vivência camponesa foram registradas formas de interpretar o clima, prevendo chuva, estiagem ou frio, por meio da observação do comportamento dos animais, da fisiologia das plantas, dos astros e da atmosfera. No entanto, sofremos os efeitos das mudanças climáticas, causadas por atividades humanas poluentes, inclusive pelo próprio agronegócio, que provoca devastação e queimada dos biomas, que libera gás carbônico contribuindo para o aumento dos gases efeito estufa. Em decorrência disso, já estamos sentindo perdas na produção de alimentos provocadas pelos desequilíbrios ambientais das monoculturas e também pelas alterações climáticas. Diante de tantas crises e de uma ameaça real à humanidade, afirmamos é possível um modo de bem viver, e a resposta está nos modos de vida dos povos e comunidades tradicionais, e em seus conhecimentos ancestrais de convívio harmônico com a natureza.

 

PALAVRAS-CHAVE: Camponeses. Observação. Natureza.

 


Peasant climatology: memories and experiences in the face of climate change

 

ABSTRACT: Peasant life depends directly on climatic conditions. Through the observation of nature, interpretations are carried out that allow events to predict climate and plan how agricultural activies. In view of technological advances and access to weather forecasts, it is clear that part of popular knowledge ended up being lost, in addition to traditional communities being strongly impacted by the advance of the industrial agriculture model. From the rescue of memory and peasant experience, ways of interpreting the climate were recorded, predicting rain, drought or cold, by observing the behavior of animals, the physiology of plants, the stars and the atmosphere. However, we suffer the effects of climate change, caused polluting human activities, including agribusiness, which causes devastation and burning of biomes, which releases carbon dioxide contributing to the increase in greenhouse gases. As a result, we are already feeling the losses in food production caused by the environmental imbalances of monocultures and by climate change. In face of so many crises and a real treat to humanity, we affirm that a way of living is possible, and the answer lies in the ways of life of traditional peoples and communities, and in their ancestral knowledge of harmonious coexistence with nature.

 

KEYWORDS: Peasants. Observation. Nature.

 


RAUBER, Ana Claudia. Climatologia camponesa: memórias e vivências diante das mudanças climáticas. ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8, n. 20,  abril.2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/climatologia-camponesa/