O desastre e a percepção da percepção social do risco: Mariana, pororoca de lama!


Sérgio Portella[1]

 

 

Ontem choveu no futuro

Águas molharam meus pejos.

Meus apetrechos de dormir.

Meu vasilhame de comer.

Vago no alto da enchente à imagem de uma rolha.

Minha canoa é leve como um selo.

Estas águas não têm lado de lá.

Daqui só enxergo a fronteira do céu.

(um urubu fez precisão em mim?)

Estou anivelado com a copa das árvores.

Pacus comem frutas de carandá aos cachos.

Manoel de Barros, O livro das ignorãças

 

Fato e interesse 00 – ou a origem

No dia 6 de dezembro de 2015, pudemos nos surpreender com a edição do Jornal O Globo com a sua manchete de primeira página: “Avalanche de Lama destrói distrito de Mariana” (Foto 1). A nossa atenção à edição de segunda-feira não tinha nada a ver com o hábito de ler os jornais mas de checar a informação que havíamos recebido na sexta-feira da editoria do jornal de que a entrevista do professor Hector Alimonda (falecido em maio de 2017) seria publicada na coluna “Diga uma coisa que não sei”, página 2 da edição desse dia (Foto 2). Sim, lá estava: “O desastre natural é sempre social”.

O que Alimonda sustentava? “A natureza tem eventos catastróficos, mas o desastre natural é sempre social. As autoridades tentam fazer das tragédias algo inevitável, e, assim, elas se repetem. O impacto do desastre evidencia a desorganização social”. Ele indicava que “há uma corrente de estudo sobre desastres, que está se desenvolvendo em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde já existe uma produção acadêmica interessante. Mas tem de haver uma construção social da prevenção. Recorre-se sempre, no desespero, aos militares. O problema passa por aí: as tragédias são vistas como questão de defesa civil. Está errado. Defesa é reação a um ataque. O caso é de prevenção”. Essa também era a razão da realização do seminário sobre os quase cinco anos do desastre de 2011 nas Regiões Serranas do Rio de Janeiro, um desastre que não acabou. Mas, o que tínhamos na página 3, exatamente ao lado? A matéria complementar da manchete da primeira página do jornal: “Tsunami de lama: Rompimento de barragem soterra distrito de Mariana, em Minas, e mortos podem passar de 40” (Foto 2). O contraditório entre a página 2 e 3 era de uma clara evidência. Pelo menos para nós!

Foto 1

Foto 1: Capa do Jornal O Globo de 6 de novembro de 2015

Foto 2

Foto 2: páginas 2 e 3 do Jornal O Globo de 6 de novembro de 2016

Sabíamos que era uma coincidência de temas mantida pela editoria do jornal, mesmo assim eram três páginas nobres, seguidas, com o assunto desastres em pauta. Mas o contraditório era que a construção de suas narrativas partia de posições muito diferentes. Enquanto, na página 2, com a entrevista do professor integrante dos estudos do Programa modernidade/colonialidade[2] buscava-se desnaturalizar os desastres, na página 3, em seu próprio título já estava evidente o esforço em transformar um desastre sociotecnológico em natural[3]. Tsunami, ameaça natural. Mas pensamos: não é que se quisesse transformar o evento de Mariana em desastre natural, mas é que é “natural” que descrevam o fato assim. No entanto, dizer que alguém ou algo faz uma coisa de maneira natural é sinônimo de que o faz por hábito, inconscientemente, de maneira não- reflexiva. Esse movimento de descrição como algo tipo “natural” se repetiria algumas vezes no transcorrer do dia, como quando, no programa da tarde da Globonews – Giro Nacional -, o então âncora do programa, Sydney Rezende (demitido na semana posterior porque resolveu ser consciente das posições das empresas Globo sobre o governo brasileiro) entrevistava um especialista em direito ambiental, riscos e seguros. Após uma extemporânea reportagem sobre microterremotos da região (surpreendentemente – ou não… -, no Brasil, acontecem diariamente centenas desse tipo de sismos), o âncora perguntou se, comprovada a ameaça dos pequenos tremores, eles reduziriam a responsabilidade jurídica e econômica da Samarco. Ali estava mais um esforço em transformar o evento em desastre natural, ou de aproximar o desastre tecnológico da condição de efeito da natureza. Durante a semana, veríamos o processo de espelhamento da primeira matéria se repetir por todo o país. E dias depois, em 13 de novembro de 2015, a própria Presidência da República – cheia de boas intenções – segue essa tendência das mídias em naturalizar o desastre da Samarco ao propor o decreto 8572 para liberação do saque do FGTS[4] para os atingidos. No decreto abortado (as críticas foram intensas e variadas) podia ler-se em seu parágrafo único que “para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei 8.036 de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais”. Em 23 de novembro, a Agência Nacional de Notícias ainda utilizava a expressão “tsunami de lama” para resumir um conjunto de matérias publicadas na semana e indicava que finalmente os rejeitos haviam chegado ao mar, no Estado do Espírito Santo. Durante o encontro O desastre da Samarco: Balanço de seis meses de impactos e ações, em 5 de maio, em Mariana (MG), a declaração do pró-reitor da faculdade local fazia a correlação final entre natural e divino: “Foi um milagre de Deus por não ter acontecido à noite”.

Essas aproximações continuam e muitos são os exemplos, por isso responder à pergunta do por quê desnaturalizar o desastre é tão importante. Allan Lavell, militante da causa há mais de vinte anos desde sua primeira publicação sobre o tema[5] com uma suave ironia nos daria um tapinha amigo nas costas, pois a primeira resposta é quase uma tautologia: temos que desnaturalizar porque sempre se quer que o desastre seja natural! Natural? Porque é tão importante ser natural?!

Este artigo trata do ato de comunicar desastres na sociedade brasileira tendo como principal referência as primeiras matérias sobre o acontecido em 5 de novembro de 2015, em Mariana (Minas Gerais). Tenta propor um modelo explicativo dos atos de comunicar em geral e dos atos de comunicar em desastres, considerando a intermediação dos mídias. Dentro da correlação conhecimento-gestão-comunidades, que direciona os fluxos relacionais sociais na economia ocidental globalizada, pretende compreender como a comunicação via mídias, em uma sociedade constituída por um número impressionante de públicos, conforma essa correlação e dela também faz parte ao definir qual é o fato. No caso dos desastres, o ambiente de comunicação se faz dentro do que o autor chamou de naturalização dos desastres, sejam socioambientais ou sociotecnológicos.

Fato e interesse 01

Durante o encontro UNISDR Science and Technology Conference, em Genebra, de 27 a 29 de janeiro de 2016, após pesquisa-visita ao local, descrevemos o fato 00, assim (foto 3):

Foto 3

Foto 3

A ruptura da barragem de Fundão, em Mariana, afeto não só o ambiente e as comunidades próximas, mas também atingiu tudo e todos que se localizavam ao longo de 500 km de distância até o litoral do Estado do Espírito Santo. Ou seja, os impactos foram brutais no ecossistema Rio Doce e nas áreas costeiras protegidas próximas da foz do Rio Doce. Mesmo que pensemos em uma atividade intensa e muito responsável para recuperar a dinâmica socioconômica de todas as comunidades locais, e também de restauração ambiental, estamos a falar de recursos da ordem de mais de um bilhão de reais, aplicados ao longo de trinta ou mais anos. Devemos não só analisar detalhadamente o que aconteceu e por que aconteceu (nomeadamente no que respeita à atividade de mineração), mas também agir no sentido de evitar outros acidentes semelhantes em uma das mais de 700 barragens de resíduos de mineração no país. O desastre desencadeado pelo rompimento da barragem de Fundão causou um impacto dramático dos pontos de vista humano, socioeconômico e ambiental. Pode-se observar os grandes fracassos da empresa Samarco e das autoridades públicas brasileiras, tanto em prevenção e preparação, como em ações de resposta. O acidente expõe graves deficiências em planejamento e em práticas de operação de mineração, com uma ênfase especial nas leis de licenciamento ambiental, de normas de segurança, procedimentos de supervisão e fiscalização, procedimentos de redução de risco e ausência de participação pública em todas estas etapas. Uma grande quantidade de recursos será aplicada na reconstrução social e na restauração ambiental. Infelizmente, os problemas relacionados com o desvio de fundos para a reconstrução de desastres são frequentes, por exemplo, em Ilhota, Santa Catarina (2008), ou na região serrana do Rio de Janeiro (2011), dentre outros. Portanto, é necessário que os recursos disponibilizados sejam transparentes e controlados socialmente, com mecanismos de avaliação claros e regulares. A nossa pesquisa-visita também revelou a relação íntima entre desastres e modelo de desenvolvimento (LAVELL, 2000) baseado principalmente em uma superexploração dos recursos naturais com grandes lucros para empresas/holdings detentoras de monopólios, muitas vezes, misturados a ganhos ilícitos, ou no mínimo, imorais, por políticos que favorecem os interesses das companhias (FREITAS et al, 2016a).

Mais precisamente podemos dizer que o desastre da Samarco nada tem de imprevisível e por isso, nunca poderá galgar a posição de natural, em nenhum sentido do inesperado. Num ciclo de preço das commodities de minérios, dois anos após o boom do melhor preço, é comum haver acidentes de trabalho e desastres em mineradoras. Na racionalização pós-boom aparecem os cortes de despesas e normalmente, medidas de contenção administrativas e operativas, como a fusão de barragens ou seu alteamento. Exatamente o que a última licença ambiental do empreendimento da Samarco permitia: juntar as barragens de São Germano e Fundão (Parecer favorável n. 25 7-2013 da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento de renovação da licença de operação da Barragem de Fundão, de 08/09/2008), um processo que estava em curso antes do rompimento. No caso da Samarco, apesar da alta lucratividade (em média 2.5 bilhões doláres/ano), o resultado nos últimos cinco anos havia sido completamente transferido para os controladores e acionistas (Vale do Rio Doce e BHP), não ficando na empresa recursos para investimento. Tal situação exigiu pleno endividamento da Samarco para fazer girar seu fluxo de financiamento. Era, portanto, olhando retroativamente, expectável que o desastre acontecesse, como vem regularmente acontecendo no Estado de Minas Gerais, desde a década de 90 (PoEmas, 2015).

Procedimento 01: a espiral do desastre natural

Seja a ameaça considerada natural ou tecnológica, desnaturalizar um desastre

significa, assim, considerar os desastres como sendo imbricações de matérias de fato e matérias de interesse, ou, mais precisamente, como processos que não admitem separação – a não ser com propósito analítico – entre umas e outras, e definir modos de ação e de intervenção que reconheçam essa inseparabilidade (PORTELLA; OLIVEIRA; VALENCIO; NUNES, 2016).

O fundamental é que os ditos fatos, científicos ou jornalísticos, espécies raras de interesse, não devem assim ser distinguidos em análises situadas.

Em contraposição a essa ação, temos o ato de naturalização dos desastres, que busca justamente estabilizar fatos. Fosse a realidade a barragem de Fundão que vaza, estabilizar fatos seria a crença no estancamento desse vazamento, naturalizando-o. Esse “natural” seria indiferente à ação humana, amoral, atemporal, e caracterizado por um automatismo comandado por leis alegadamente imutáveis – físicas, naturais ou tão imutáveis como se fossem de origem divina. Fica bem claro que natural e divino são aqui sinonímias. Naturalizar, objetivar, coisificar, reificar, dar contornos, limitar, embarreirar: é assim que se constroem fatos e suas naturezas!

Nesse sentido, Natenzon (2003) apresenta importantes características que devem ser consideradas nas discussões sobre desastres; e elas podem – infelizmente – ser encontradas na maior parte destes eventos. Como em um bom roteiro cinematográfico, nove são os pontos de conformidade no desenrolar de um desastre. O primeiro está relacionado à concepção do desastre enquanto resultado de uma causa natural – ou sobrenatural – sem nenhuma (ou pequena) intervenção humana. Tal concepção transforma os desastres em naturais – imprevisíveis – descolando-os dos nexos sócio- históricos que possibilitam a sua ocorrência.

O segundo ponto é a concentração da intervenção governamental na resposta aos desastres em detrimento da prevenção e, em especial da organização comunitária preventiva, que é relegada para segundo plano. Raros sãos os casos em que há planos de contingência, mas mais raros ainda são os planos dedicados à reconstrução de forma a conseguir que ela assuma uma dinâmica preventiva, como o Quadro/Marco de Sendai[6] defende. Isso justamente porque o desastre não é considerado uma resultante de um processo histórico, mas a consequência de uma ameaça naturalizada e imprevisível. A delimitação temporal e espacial faz parte do ato de naturalizar o desastre e, assim, contê-lo dentro de um nicho espacio-temporal que evite externalidades que atinjam perigosamente a gestão política do território em desastre.

O terceiro ponto está relacionado ao efeito sensacionalista da cobertura pela mídia durante o período de emergência, sem grandes reflexividades e com suas informações paradoxais. Essa forma de noticiar é fundamental para a delimitação espacio-temporal do desastre e a sua naturalização. A valorização do inesperado, do excepcional, do extemporâneo, da fatalidade da morte ou do dano! A natureza descontrolada, vingativa e autoritária como um deus do Olimpo ou do Velho Testamento! Aos humanos cabe a culpa! A mídia oferece uma notícia imediata onde o que interessa é o apelo afetivo, com transmissões exageradas do desespero alheio.

O quarto ponto destacado por Natenzon (2003) é que os atingidos são, assim, conformados como objetos assistenciais; pessoas incapazes de tomar suas próprias decisões, sendo levadas de um lado a outro, sempre tendo um perito que determina suas existências. O discurso oficial garante que o inesperado só pode ser suportado por aqueles que receberam treinamento para o excepcional: e o perito assume definitivamente a tomada de decisão. O desastre excepcional em sua naturalidade domina o ambiente social, sustentado por um grupo de peritos que em seus discursos se autorreforçam no que ficou conhecido como a dupla delegação: a gestão se apoia na legitimidade do conhecimento do perito técnico-científico, que se apoia na legitimidade da gestão, fechando um círculo de desqualificação do conhecimento diário e local dos cidadãos (CALLON et al., 2001).

A concepção dos atingidos como objetos assistenciais nos levam ao próximo ponto, que é a sedutora militarização da ajuda. São as instituições militares ou paramilitares que assumem a responsabilidade de socorrer durante a emergência, dentro da sua lógica de comando e controle, ocupando os espaços e as comunidades numa perspectiva de estado de exceção. No Brasil, a lei 12.806 de Prevenção e Defesa Civil reforça essa militarização da ajuda, ao facilitar que as defesas civis – órgãos eminentemente de prevenção – sejam preferencialmente assumidas pelos bombeiros militares do país, como melhor opção de gestão. E não se trata, obviamente, de pôr em causa a competência e dedicação dos bombeiros na resposta aos desastres, mas antes de discutir o modelo e lógica subjacentes a tais opções de gestão. A própria opção de colocar na chefia da Secretaria Nacional de Defesa Civil um militar de elevada patente se insere na mesma lógica.

O sexto ponto é que a maioria das soluções propostas pelos políticos frente aos desastres são obras de engenharia, como pontes, barragens, obras de contenção, etc. que, em geral, reforçam, expandem e potencializam formas já existentes de profunda intervenção no ambiente como, por exemplo, desvio ou entubamento de redes hídricas, impermeabilizações, fortificações na orla costeira, etc. E tudo como se tais formas de intervenção fossem as únicas opções de reconstrução e/ou de prevenção. Todas essas formas se organizam na lógica de enfrentamento de desastres naturalizados, com escassa compreensão de seus processos sociais. Essas soluções entram, então, no jogo político de interesses entre as empresas privadas interessadas na concessão das obras com os governos locais. E aí temos o desastre como negócio.

Em sétimo lugar está a situação de financiamento em cascata. Numa situação de calamidade declarada pelo executivo municipal, aproveita-se para se superar a baixa visibilidade pública, tendo em vista obter destaque no cenário midiático e usar a situação para requerer recursos ou benefícios que se é incapaz de capitalizar em rotineiras relações entre as administrações municipais e federais. Na transferência dos recursos, no entanto, os fundos financeiros acionados pelos municípios nunca são repassados integralmente às obras e aos atingidos, com perdas em cascata e sequenciais desvios de verbas nesse percurso. A extensa e geograficamente diversificada lista de equívocos, abusos ou atos ilícitos relacionados com estas dinâmicas de excepcionalidade em contextos de desastre é uma incontornável evidência do que se acaba de salientar, com os Jogos Olímpicos da Rio 2016 como o mais simbólico item da lista[7].

O oitavo ponto alerta para a resposta da própria sociedade civil, sempre imediatamente solidária, porém fragmentária e, na maior parte das vezes, espontânea e desordenada. Essa situação é quase inevitável diante da falta de transparência da gestão pública. Organizações humanitárias tradicionais assumem gradativamente a assistência, como Cruz Vermelha, Cáritas e Igrejas, desmobilizando as redes locais.

O nono ponto destaca a consolidação, nesse processo, das explicações monocausais, tendo como principal explicação a ameaça natural: a chuva forte, a inundação, os deslizamentos de massa, ou a seca, mesmo quando se trata de rompimento de barragens. Os processos que criam nexos sócio-históricos são dificilmente associados entre si e colocados no centro das explicações. E a ideologia do desastre natural se reinicia em um novo patamar do seu dominó causal.

Fato e interesse 02: a sequência Alexander

Ao organizarmos um curso on-line para a Rede de Mobilizadores[8] preparamos os primeiros módulos de estudo a partir de referências aos trabalhos do professor David Alexander (2001). Esses mesmos módulos conceituais básicos em Redução de Riscos e Desastres (RRD) foram, depois, utilizados em oficina realizada numa escola secundária no Rio de Janeiro, onde desenvolvemos a experiência de auto-organização dos alunos (com apoio de professores e funcionários da escola) para aplicação de simulados de evacuação escolar para emergências. Assim, em um dos encontros da oficina, declaramos: “Segundo o professor David Alexander, com relação aos recursos de um grupo ou comunidade, RRD pode ser sintetizada em três palavras: conhecimento, organização e comunicação” (Alexander, 2001, p.11). Singelamente, mas com uma sagacidade impressionante, um jovem participante perguntou: “Mas não é sempre assim?”

Fez-se silêncio. Ele tinha razão. Em nossas sociedades modernas, a série enunciada por Alexander é uma obviedade, um truísmo, uma uniformidade que, para além das circunstâncias particulares de tempo e lugar, aparece como característica geral de quem age. Conhecer-organizar-comunicar, haveria que concordar, era o fundamento da ação racional de cada pessoa nas muitas formas que essa prática pode tomar e em que se pode diferenciar. Aliás, tinha que ir mais longe e entender que o pensamento em RRD estava cheio de truísmos, como os que encontramos associados à ideia de

vulnerabilidade, ao afirmar que os menos favorecidos – os desiguais – sofrem maiores consequências em um desastre. Como diria o já referido aluno: “mas não é sempre assim?” E teríamos que concordar que o conceito de vulnerabilidade é um grande chapéu que esconde a fragilidade das opções políticas, dos planejamentos formais, das gestões ritualizadas. Um conceito que nem ao menos metodologicamente distingue vulneráveis desiguais de vulneráveis excluídos: que sobre os desiguais pesa uma sentença-limite, a escravidão, e que sobre os excluídos pesa outro tipo de sentença- limite, o extermínio, e que assim nem podemos compreender a afirmação sobre o assunto de que teríamos “direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; e o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (SANTOS, 2003, p. 56). E esses truísmos acabam por conclamar um tipo de ciência para agir, a positiva: aquela que, conhecido o fato, determinado o objeto sob a gestão de um sujeito, torna possível o bom planejamento da ação, que pode ser otimizada pela boa comunicação e educação, independentemente do território e das pessoas que aí vivem.

Exemplo disso é o da referência às boas lições em RRD. Nelas, falamos basicamente da sequência Alexander, que é uma ínfima fração do que fez a suposta descrição da boa lição funcionar. Há sempre uma essência a ser perseguida, mas o real é apenas um ponto e as possibilidades para sua existência infinitas: “as leis do mundo têm um duplo conteúdo: um conteúdo real, que é um pequeno ponto; e um conteúdo não-real, as possibilidades, que são todo um infinito” (TARDE, 2007, p. 211). É a mesma proporção de matéria e energia visíveis e matéria e energia escuras… Parcos 4% contra 96%![9] Ignorar isso é não entender que qualquer essência é muito menos que o real, e o real infinitamente menos do que as possibilidades que permitem a sua existência: há um excesso de potência sobre o ato (TARDE, 2007, p. 212). Além disso, a sequência Alexander é uma proposta de generalização do que já é geral! Conhecer-organizar-comunicar é um ato diário de cada ser ocidentalizado. Mas quando a série é guindada à posição de orientação institucional, perde força e se transforma em uma obviedade que não merece ser repetida nem em cursos secundários (o que é um azar para os secundaristas – e nosso). A sequência como orientação institucional ignora a complexidade de que “a realidade é o que existe só uma vez e dura só um instante. Em consequência, devemos dizer que, passado esse instante, toda realidade torna-se impossível. (…) O real é um dispêndio do possível” (TARDE, 2007, p. 212).

A sequência Alexander é um sonho da ciência produtora de assimetria de saber (que logo será uma obviedade também), e encontrá-la na base do Quadro/Marco de Sendai pode ser preocupante para nós, habitantes de países do Sul global. A sequência Alexander quer construir um dispositivo que seja basicamente customizado para a realização da própria sequência. Ora, podemos dizer que é impossível e é possível! Impossível do ponto de vista da própria ciência social positiva, que quer que essa ação micro (o ato individual de Alexander ao escrever seu artigo cientifico: ele conhece, depois organiza e por fim comunica!) seja macro. Pois, quanto maior, mais fraco e produzindo mais entropia (Latour sobre Tarde in: TARDE, 2013). O mundo circundado por um infinito abismo como no imaginário dos primeiros navegantes que não tinham certeza da esfericidade da Terra ainda está lá, sempre esteve lá! Mas, por outro lado é possível, do ponto de vista da ciência tardiana, porque sabe que a ação é sempre micro. Isto é, só existe o micro, o macro é uma ilusão de ótica de quem vê à distância e quem vê à distancia são os cientistas em reuniões olímpicas na ONU (PORTELLA, 2016)! E o esforço de ver à distância funciona para os poderes constituídos até certo ponto, pois a partir do momento que as brumas sejam tão fortes e os procedimentos das Nações Unidas não sejam mais suficientes, serão solicitadas a presença dos superexércitos desenvolvidos para atuar na lacuna de segurança científica.

Procedimentos 02: a criação dos fatos

Bem, então, não existem fatos? Não é que não existam fatos, científicos ou até mesmo os inquestionáveis fatos jornalísticos, mas eles são formados a posteriori, pretensamente separados do fluxo de realidade de onde foram pinçados em seus reflexos. Tanto um tipo de fato quanto o outro são resultados de procedimentos (captura de reflexos), científicos ou jornalísticos, e não por terem uma existência autônoma desses procedimentos, como coisas. Os fatos são gerados pela aplicação rigorosa dos procedimentos: a boa ou má ciência e o bom ou mau jornalismo (LATOUR, 2014). Mas esses procedimentos não são aplicados apenas por um sujeito, são feitos por muitos, em torno de um núcleo de repetição (TARDE, 2011).

Mas antes, uma consideração adicional é necessária para precisarmos aquilo de que estamos falando: dizer que os reflexos foram captados no fluxo não é correto, pois o dinamismo desse ato é ainda poderosamente mais complexo. Não existe um lugar especial, epistemológico, ideal, fora do fluxo, de onde se capta os reflexos. O acelerador de partículas, o laboratório, o gabinete, a sala de redação, ou as telas dos computadores que frequentam todos esses locais também estão dentro do fluxo em rotação, translação e dissolução permanente no fluxo total. E é de dentro do próprio fluxo que a captação é feita, e é dentro do próprio fluxo que ela é retransmitida, comunicada. Não existe nada fora do fluxo, nem mesmo esta consideração que aqui e agora fazemos. No entanto, tanto a ciência como o jornalismo têm que ignorar isso para poder enunciar os objetos que constroem: não há como ser de outra forma! O ato de comunicar o fato é sempre um momento delicado em qualquer contexto comunicativo, tanto em ciência como em jornalismo, apesar de ser neste último que esse ato aparece, de maneira mais óbvia, como a sua principal função. Talvez por isso a famosa frase de Roberto Marinho (quando dono do Sistema Globo de Televisão e Jornalismo) para Armando Nogueira (editor-chefe do jornalismo na época): “A Globo é o que é muito mais pelo que não publicou do que pelo que publicou” (AMORIM, 2015). Não comunicar é mais seguro, em termos de estratégia de poder, do que comunicar: se você pode não comunicar, não o faça. Ou, então, comunique seletivamente. O problema atual é que hoje, em função da extensividade virtual da internet, isso ficou cada vez mais difícil. Sempre existe alguém captando os mesmos reflexos que você ou, pior, captando o que você não captou sobre o seu próprio interesse. Mas quem é “você”? Mais uma consideração precisa ser feita: “você” também não existe. O que existe é um conglomerado de associações, de relações, momentaneamente estáveis, que oferecem a ideia de identidade, de unidade, de ser! Ser indivíduo, ser instituição, ser sociedade: um efeito ótico, para quem olha, que deve ser explicado fisicamente: pela posição de quem olha, pela incidência da luz e pelas condições do fluxo de matéria.

Mas voltemos às afirmações de que os fatos são gerados, a posteriori, pela aplicação rigorosa dos procedimentos, e que esses procedimentos não são aplicados apenas por um, são aplicados por muitos, em torno de um núcleo de repetição. Qual o núcleo de repetição? Os próprios procedimentos (!) que, aqui, chamamos sequência Alexander: conhecimento-organização-comunicação. A sequência Alexander é muito mais geral do que se pensa pois, segundo Gabriel Tarde (1991), estamos na época dos públicos. Dessa forma, conhecer-organizar-comunicar é uma nanopeça operativa, holográfica se quiserem, que se encaixa com outra nanopeça operativa holográfica. E, então, temos o fluxo atual.

No mundo Tarde (2011), essa sequência é ainda mais simples e pode ser descrita como repetição-oposição-diferença, que em sua plenitude de fluxo segue infinita, multidirecional e sucessivamente em suas multidiferenciações. Para Gabriel Tarde, antecessor de Émile Durkheim, e que polemizou com ele até a sua própria morte, nós vivemos assim na época do público. Público para Tarde é definido como um espaço de coesão mental entre indivíduos fisicamente separados, virtualizados, por diferença com a multidão, que seria um espaço de coesão perante interesses materiais, étnicos e de nacionalidade entre indivíduos próximos, em copresença. Ao comparar público e multidão, Tarde faz uma análise de um e outra enquanto modos de existência de coletividades sociais, onde os líderes de opinião, nos públicos, são os editorialistas e jornalistas e, na multidão, os líderes carismáticos e inspiradores.

Em L`opinion et la conversation (1899), Tarde analisa a interrelação dos indivíduos numa série que designa como: notícias-conversação-opinião-ação, mostrando como evoluímos de uma sociedade de multidão para uma sociedade de público em sua generalidade. Tarde está interessado em estudar a formação do público, principalmente pela imprensa. Mas a consolidação do termo público só se dará muito tempo depois, através das formas de pesquisa que vieram a ser designadas, nos Estados Unidos, de Mass Communication Research e Public Opinion Research (1927, EUA). “Público” passou então a significar, basicamente, um certo ambiente de discussão crítica, e também um somatório de opiniões individuais padronizadas mas também diferenciadas, que através de pesquisa e sondagens podiam ser identificadas e medidas (ANTUNES, 2016). Essa descrição certamente agradaria a Tarde, por sua proximidade com o pensamento infinitesimal.

Assim, enquanto o público seria crítico e contaria com o discurso racional entre seus componentes, a multidão estaria imersa em sua experiência emocional compartilhada. Por isso, sua atividade exclusivista somente se mantém enquanto os seus líderes também a fazem e comandam. No público, a sua ação cresce indefinidamente, independente da origem, pois se há um padrão ele sempre está se diferenciando em um esforço que se quer exponencial. O conceito nasce, segundo Tarde, no século XVI com o desenvolvimento da tipografia. Antes disso, não há como falar de público. Em latim, a palavra nem ao menos existe. Mas, nos séculos XVII e XVIII, os públicos se generalizam para além dos salões, cafés e clubes, superando as multidões que se manifestavam apenas em grandes acontecimentos (coroações, festas e revoltas). A Revolução Francesa de 1789 contribui para o desenvolvimento do jornalismo, crítico do novo regime, e os editorialistas passaram então a ser acompanhados atentamente pelos seus públicos (TARDE, 1991).

Com três grandes inovações – tipografia, telégrafo e as estradas de ferro -, a expansão do público e da imprensa disparou nos séculos XIX e XX, ampliando em muito o universo de públicos, editorialistas e jornalistas. A internet está protagonizando uma nova expansão. Jornalistas e editorialistas, por estarem mais próximos do controle dos meios de comunicação social, têm maior potencial de afirmação de suas opiniões do que os cidadãos comuns. Por isso, Tarde acredita que os líderes de opinião, e especialmente os jornalistas, têm grande influência sobre os públicos. Em sua época, com poucos veículos, após a escolha de um jornal por seus leitores e a experiência dos editorialistas em entender quais os gostos deles, existia uma acomodação mútua, que permitia aos jornalistas manipular o seu público. Públicos estáveis fazem jornalistas honestos e convictos, criando a imprensa de referência. E os públicos flutuantes pedem jornalistas rápidos e bombásticos, pois se interessam pela emoção. No entanto, hoje, não só editorialistas e jornalistas utilizam novas mídias digitais, como, progressivamente, há uma miniaturização do ato de manipular as mídias, em todas as direções: há uma explosão não só de públicos mas também de editorialistas. A mudança é importante, em especial para o Brasil, onde o controle da mídia está nas mãos de poucos, sendo o principal exemplo o Sistema Globo de TV e Jornalismo. Mas mesmo que a versão da Globo se imponha à maioria, é possível via portais de internet se ter acesso a diferentes versões e visões dos ditos fatos.

Assim, em um primeiro momento, a internet fez a Globo ansiar o controle total pela sua multiplicação bigbrotheriana, mas o que temos hoje são muitas globos-tvs, muitos globos-jornais, muitas rádios-CBNs, portais de notícias G1, todos imersos em uma sopa de comunicação que envolve jornalistas, assessores de imprensa, publicitários, marqueteiros, blogueiros e colunistas. O Sistema Globo, nas palavras de Paulo Henrique Amorim, vai morrer gordo, seu coração não será capaz de alimentar financeiramente cada mônada de seu enorme corpo que executa com maestria a sequência Alexander (AMORIM, 2015). Nesses termos, hoje, a Globo mais importante que existe não é a jornalística, mas a artística, com seu principal exemplar na Globo das novelas e das séries. O sistema implodirá e as globos se dividirão para não morrerem completamente, mas não conseguirão se manter sob a mesma regência. Assim, quando ouvimos que a Globo chegou, é preciso entender qual Globo chegou: a sua não-unidade é cada vez mais visível. Essa fragmentação será inevitável: “O Globo hoje é dos colunistas. E eles ainda têm retrato! O Globo tem muita opinião e não tem opinião. Cada repórter escreve o seu jornal. São vários Globos. De muitos donos. O jornal entregou a opinião aos empregados! Esse é o anti-Roberto Marinho” (AMORIM, 2015). Nessa mudança efetivada pela internet, ao invés de aumentarmos o foco, devemos miniaturizá-lo e, quando minaturizarmos o suficiente, encontraremos os indivíduos praticando a sequência Alexander, obviamente, do mesmo local micro de que Alexander a sacou para nos fazer crer ser possível controlar algo visivelmente gigante como um plano, uma instituição, um ministério, um país, através da mesma sequência Alexander.

Em termos tardianos, a sociedade parece ser constituída pelos indivíduos e pelas interações dos indivíduos, mas estes não são objetos ou sujeitos fundamentais nessas interações. Eles são atravessados pelas interações. Sabemos que ali existe um indivíduo por causa de uma breve hesitação do fluxo, que depois segue em frente com seu minúsculo desvio: “os indivíduos são zonas de passagem e sedimentação do fluxo que neles se reproduzem” (TARDE, 2007). Assim, chegamos à série fundamental tardiana: imitação-conflito-invenção. Ou de outra forma, repetição-oposição-adaptação. Na perspectiva de Tarde, a sociedade resulta imitação. E aqui encontramos a grande diferença entre Tarde e Durkheim. Os fatos sociais não são coisas exteriores coercitivas e independentes das manifestações dos indivíduos, mas laços sociais formados entre eles. A sociedade é concebida como um conjunto de relações em que cada indivíduo exerce a série tardiana invenção-oposição-imitação. Como a invenção (inovação, adaptação) busca a sua replicação, a sua imitação, a comunicação torna-se um ato essencial e parte do indivíduo e incide sobre outro indivíduo e, secundariamente, os indivíduos realizam a interação social: “Apenas assim podemos explicar os acordos parciais, o bater dos corações em uníssono e as comunhões de alma, as quais uma vez ganhas sobre e depois, perpetuadas pela tradição e imitação dos nossos antecessores, exercem no indivíduo uma pressão” (TARDE, 2007, p. 25). Da perspectiva do infinitamente pequeno que adota Tarde, todos os fenômenos são nebulosas que podem se resolver em ações que emanam de uma multidão de agentes, de mônadas, “pequenos deuses invisíveis e inumeráveis” (TARDE, 2011, p. 108).

Procedimento 03: quais os procedimentos que estamos aqui discutindo?

Então, mais uma vez, temos que recolocar a questão. Existe a contribuição da ciência e da mídia na construção da realidade, mas outras contribuições existem, para além destas. E a ciência é ela própria um agregado de elementos e processos heterogêneos assim como a mídia, de alguma forma alinhados, mas todos imitativos na execução da sequência Alexander ou mais infinitesimalmente, através da série Tarde. Conhecer-organizar-comunicar são nossos operadores nano que captam reflexos, e dependendo do seu alinhamento se atraem formando agregados de reflexos. Séries captadoras de reflexos que a afinidade dos reflexos os faz agregar. E esse poder de espelhamento faz ciência positiva quando resulta em construção de modelos de identidade e padrões! Ou resultam em fato jornalístico quando conseguem marcar no fluxo uma singularidade, ou melhor, captar os seus reflexos georreferenciados com a construção do lead (quem, o quê, onde, quando, porquê e como).

Assim como cada disciplina científica constrói os fatos[10] com os quais trabalha, a notícia é a unidade básica de informação do jornalismo. Existe um procedimento de produção dos fatos jornalísticos, que constituem a menor unidade de significação. O jornalismo tem uma maneira própria de perceber-produzir “seus fatos”. É na captação dos reflexos do fluxo que os fatos são processualmente construídos em várias fases, com seus respectivos procedimentos (GENRO, 1987).

Um momento mítico é aquele em que o jornalista, de posse dos reflexos captados, por si mesmo ou por outros, aplica o primeiro procedimento: a construção do famoso lead. Dizemos mítico porque ele pode sugerir a origem do fato, mas muitos outros procedimentos já foram praticados antes deste, e não existe esse momento primordial. Como diriam Deleuze e Guattari (1996), na vida nunca se entra no início, é sempre no meio. A vida não como árvore (raiz-caule-copa) mas viscejando como um rizoma (moita sem distinção entre raízes e ramos) – ou como uma floresta amazônica, diríamos.

Os estudos de Schlesinger e Tumber (1993 apud GONZÁLEZ, 2004) destacam, por exemplo, como, em reportagens sobre crimes, a definição da notícia é resultado de complexas negociações estabelecidas entre a mídia e as instituições do sistema de justiça criminal. A triagem jornalística é assim um procedimento anterior ao ponto mágico do lead, onde se tem sínteses, combinações, reformulações estilísticas que transformam os discursos envolvidos a partir de outros fatores que não o fato em si[11], mas uma mescla de processos cognitivos e ideológicos dos jornalistas, interesses corporativos, rotinas institucionais, formatos e esquemas para artigos.

Assim, as chances dos reflexos de um evento serem selecionados como algo noticiável dependem, entre outros fatores, da coincidência entre o momento em que o evento acontece e a periodicidade do veículo de mídia; deve ser avaliada a conexão entre os valores e interesses da comunidade e o impacto sobre suas expectativas; e a imprevisibilidade do acontecimento completa o elenco dos critérios de seleção do que pode ser convertido em notícia. Nações importantes, pessoas conhecidas ou famosas, ou estranhos psicóticos dos grupos sociais são captáveis. Desvio e negatividade também são relevantes para a triagem jornalística, pois está enraizada a ideia de que má notícia é boa notícia. São consideradas informação, por excelência, notícias relativas a massacres, acidentes, guerras, conflitos, violações da lei e tudo o que pode ser lido como uma anormalidade dentro do sistema social, que merece a atuação da autoridade (VAN DIJK, 1990 apud GONZÁLEZ, 2004).

Dessa forma, na normalidade de captação de reflexos da rotina jornalística há uma concentração de atenção no que dizem e fazem instituições e grupos que detêm o poder. Isso significa, por exemplo, que versões de um evento, como uma manifestação, um crime ou uma greve, quando oferecidas pela polícia, são consideradas de maior relevância do que as que provêm de um manifestante, um suspeito ou um ativista. Os sem-poder tendem a ter pouco destaque em textos jornalísticos, sendo suas versões por vezes ignoradas ou editáveis. Para se tornarem protagonistas dos fatos, acabam tendo que executar ações violentas ou praticar algum ato que seja considerado como um problema ou uma violação da ordem. Essa é uma lição que foi aprendida com maestria pelos grupos radicais em territórios de países centrais. Além disso, a mídia também estabelece o que deve ser silenciado e invisibilizado ao público, quais as questões que devem ser ignoradas. Só parece real o que a mídia legitima. Por fim, não devemos deixar de destacar que a triagem jornalística não é um procedimento pré-lead. A triagem continua acontecendo em todo o processo da produção do fato até o momento da publicação, o famoso “comunicar” da sequência Alexander.

E chegamos então ao momento mágico do lead! O momento em que parcos 4% de realidade – isto é – parcos reflexos do que ocorre no mundo são estetizados até ganharem corpo de notícia através do procedimento quase pueril do lead. O lead é uma invenção de 1861 que apareceu no The New York Times, e que foi imitada pelo mundo afora como toda boa invenção, embora tenha demorado muito a chegar no Brasil, em 1950. O procedimento lead professa que se vai do mais importante para o menos importante, o que lhe valeu ser descrito como pirâmide invertida (GENRO, 1987). O lead, o GPS jornalístico, o mais importante do fato, tão importante que aparece como o próprio fato, vem encabeçando o início de qualquer reportagem, seja escrita ou midiática. Segundo a regra, o lead deve buscar respostas para as seguintes perguntas: “quem”, “o quê”, “onde”, “quando”, “por quê” e “como”.

Quando o GPS notícia fica ativo, chegamos ao último ato mítico da produção da notícia, que é a conversa dos reflexos com outros reflexos, de jornais com outros jornais, de editorialistas com outros editorialistas. Como a triagem, que não termina, a conversa entre jornalistas e editorialistas também vai acontecendo em todo o processo de produção da notícia. Os pares reforçam a materialidade do fato. Os jornalistas e editorialistas conversam entre si para consolidar uma mínima versão do fluxo. Essa versão será o fato, e em torno dele todos irão girar, para consolidar a versão “foi isso que aconteceu”, de fato! Dominar esse momento, é o único objetivo da correlação poder-comunicação.

Procedimento 04: o padrão globo

Um bom agregado de reflexos composto de reflexos, normalmente, com conteúdo também científico, produz a realidade como um quase-objeto (LATOUR, 1994) que, como o universo quântico, possui muito pouco de matéria visível, parcos 4%. Nas TVs, principalmente nos canais especializados em noticias, como a Globonews (TV por assinatura de notícias do Sistema Globo), essa reflexividade é feita no ar, diante de todos, numa espécie de reality show jornalístico, onde o espectador pode espiar a construção do fato! Os editorialistas comentam como se estivessem acima da realidade, sugerindo serem capazes de, fora do fluxo, ver todas as maquinações e todas as combinações para manipulá-la, por políticos, por instituições, por cidadãos, localizados em um lugar olímpico, a redação. No caso do Brasil, global! Aliás é interessante a cenografia dos jornais de televisão da Globo, sempre mostrando ao fundo a famosa redação como se estivessem em uma nave acima da atmosfera. Foi o que vimos durante os primeiros dias de novembro na construção do fato do rompimento da barragem de Fundão descrito no item Fato e Interesse 00.

Mais que concorrentes, grandes veículos de donos de diferentes mídias, atualmente, são solidários, pois a principal linha de fuga já não está mais nas mãos dos jornalistas investigativos. O perigo da perda do momento mágico da publicação em que se controla a versão do fato está nos inúmeros e diversos pequenos editorialistas e microjornalistas da internet. Potencialmente, cada navegador da internet em qualquer rede social ou sistema de postagem digital é jornalista-editorialista. Mais lentamente, porém na mesma direção, também caminha o sistema científico. É o preço a ser pago pela generalização consciente da sequência Alexander. O marketing já entendeu e aceitou isso. Ele não precisa mais de indivíduos completos, precisa apenas do “enter” do ato da compra. O Sistema Globo brasileiro também entendeu isso mas não o aceitou, pois tenta manter os 80% da publicidade, e, é por isso, que ainda utiliza uma tática antiga imperialista. Nas palavras de Paulo Henrique Amorim:

No mercado do Rio de Janeiro, por exemplo, as Organizações Globo detêm o controle de dois jornais, uma empresa de revistas, uma editora de livros, emissora de rádio, rede de televisão aberta, televisão por assinatura e portais na internet. É o recorde mundial da propriedade cruzada (AMORIM, 2015).

Não é exatamente uma novidade, como Guattari (1990) já indicava:

Capitalismo mundial integrado (CMI) tende, cada vez mais, a descentrar seus focos de poder das estruturas de produção de bens e de serviços para as estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade, por intermédio, especialmente, do controle que exerce sobre a mídia, a publicidade, as sondagens (GUATTARI, 1990, p. 30).

No entanto, a forma que o Sistema Globo tenta fazer este controle totalitário é que está fadada ao fracasso, pois “quanto maior, mais instável o sistema” (Latour sobre Tarde, in TARDE, 2013). O sonho Global máximo era controlar a captação dos reflexos da série Alexander e como se fosse o único operador da bolsa de valores manipularia as cotações em infinitas negociações de zé-com-zé, de globo-com-globo: o Jornal Globo publica, a rádio CBN comenta o publicado, a Globonews refaz o comentado, testa a versão e republica, o portal G1 replica e recondiciona, o Jornal Nacional na Globo consolida e o Fantástico no domingo e o Jornal Extra na semana generaliza – essa operação utilizada, até a exaustão, na campanha contra a presidente Dilma e que funcionou tão bem – com repliques entre pares Folha de São Paulo e Estadão – está no limite do modelo. Esse é o drama de qualquer sistema de comunicação propriamente dito, hoje, seja ele midiático ou institucional.

Um fenômeno indicado por Araújo (2015), especificamente na área de saúde, mas que pode ser generalizado para qualquer sequência:

Um tripé, que tem numa ponta um setor público, atravessado pela midiatização e pelo discurso empresarial da gestão; no outro a mídia, que precisa das notícias da saúde, suas fontes estão lá, mas também fazem operações discursivas ao encaixar aquelas notícias, mesmo que releases na íntegra, num outro contexto textual e discursivo; no terceiro ângulo, os leitores ou a audiência midiática, com tantas possíveis formas de apropriação, sobre as quais nada sabemos (ARAÚJO, 2015, p.18).

A tendência dos grandes sistemas controladores de informação é esfarelar por causa das microações da internet (AMORIM, 2015). Para se manter, o Sistema Globo também se multiplicou em direção ao micro montando uma rede de colunistas blogueiros imersos nas redes sociais. Mas, como no mundo nano, em um momento crítico, a leis newtonianas não funcionam mais e o regime de operação passa ser regido por leis quânticas[12]. É interessante ver os esforços do próprio Sistema Globo para controlar essa fronteira nanojornalística ao produzir linhas alternativas de absorção para as versões que esses blogueiros oferecem e não aceitas pelo sistema de filtragem Globonews. Exemplo da Globo mais externa, já quase bordejando o sistema e saltando excitadamente para fora é a Globo Canal Futura. Se ativistas do passado recente acompanhassem atualmente a grade de temas e programas do Canal Futura e no final disséssemos que ele pertence ao Sistema Globo estes não acreditariam: é um dos lugares fundamentais para comunicação de lutas locais e comunitárias invisíveis ao Sistema Globo dominante, como foi no caso do desastre da Região Serrana! E, a porta de entrada normalmente são os blogueiros G1.

O blogueiro, que é contratado pelo Portal G1, justamente para triar o que passa pelos filtros demasiado abertos do Sistema Globo, está no limite desse sistema e ora funciona newtoniamente globo, ora funciona nano contra-globo. A câmara de compensação de fatos e versões acontece no ambiente da Globonews. Lá se encontram todos: blogueiros, especialistas científicos, editorialistas, jornalistas que expõem seus aspirantes a fatos e ali, como disse, pode se ver a batalha das versões que levará à consolidação de uma versão especial, o fato. Ele será consolidado em um conjunto de programas sequenciais dominados somente por colunistas e editorialistas da Globo.

Mas, a ação daquele blogueiro G1 que está imerso na sopa da internet, no conjunto, é muito mais em prol do esfarelamento do sistema do que o contrário pois, concordando com Tarde, diria Guattari:

esses vetores de subjetivação não passam necessariamente pelo indivíduo, o qual, na realidade, se encontra em posição de ‘terminal’ com respeito aos processos que implicam grupos humanos, conjuntos socioeconômicos, máquinas informacionais etc. Assim, a interioridade se instaura no cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos uns em relação aos outros e, se for o caso, francamente discordantes (GUATTARI, 1990, p. 17).

Isto é, o blogueiro G1 está em rede e ele sabe disso e não ignora e a respeita, ao contrário do Sistema Globo dominante.

Tal tendência, no Brasil, de esfarelamento, e por causa do esforço Globo-elite-governos, pode demorar um pouco para se evidenciar em uma mudança de perda de controle do Sistema Globo. Mas estamos ladeira abaixo, pois a publicidade continua migrando[13]>. A capacidade de resistir vem do procedimento do padrão Globo que se impôs a partir da estética imagística da publicidade, patrocinada pela ditadura e seguida ditatorialmente pelo seu famoso diretor Boni. Padrões que para nós, brasileiros, soam como um código genético (apesar de não o ser). Diz Paulo Henrique Amorim, descrevendo o procedimento da TV Globo que penetrou toda a sociedade brasileira:

No Brasil, televisão é ritmo e hábito. Em televisão, um minuto tem trinta segundos. A voz é a personalidade do repórter. Não se fala sobre o que vai ao ar: mostra-se. O maior inimigo da televisão é a improvisação. Sempre que você ouvir falar em televisão [aberta] para a classe A, saia correndo. Os programas têm que ficar um degrau acima do nível do espectador, e puxar ele para cima. Nenhum repórter com menos de 40 anos deveria entrar no Jornal Nacional — se aparecer, quando chegar em casa vai pensar que é Deus. Apresentador, homem, deveria ter cabelos brancos, de preferência. Não grite! Nem fale só com o cara ao lado da bancada — o espectador vai se sentir um penetra (AMORIM, 2015).

Esse procedimento tem a função de naturalizar o que é dito, isto é, fazer crer (BOURDIEU, 1998) que o dito é o fato!

No Brasil da Globo, isso era indiscutível até agora e a atualidade de As Três Ecologias de Guattari é inegável:

Novas práticas sociais, novas práticas estéticas, novas práticas de si na relação com o outro, com o estrangeiro, com o estranho: todo um programa que parecerá bem distante das urgências do momento! E, no entanto, é exatamente na articulação: da subjetividade em estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores de nossa época. (…) Os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes (GUATTARI, 1990, p.55).

A batalha de versões sobre o desastre da Samarco, por exemplo, está em pleno andamento e a criatividade dos infinitesimais tem se multiplicado.

Fatos e interesses 04: quando não havia uma única sirene…

No dia 11 de janeiro de 2011, fortes chuvas na região serrana do estado do Rio de Janeiro, ocasionando deslizamento de terras e enchentes, obrigaram sete municípios a declarar estado de calamidade pública, solicitando, inclusive, apoio internacional.

Os sete municípios atingidos foram: Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal. Estima-se cerca de mil óbitos, 36.237 desabrigados ou desalojados, 43 estabelecimentos assistenciais de saúde afetados e mais de 77 escolas das redes municipais e estaduais comprometidas (CEPED, 2013). Os números são expressivos, sendo o evento considerado de grande magnitude, não só pela área extensiva afetada, mas por todo o desdobramento político e social gerado no país. O processo do desastre, nos últimos cinco anos, tem demonstrando uma relação estrita e inversa entre o nível de desenvolvimento econômico e social local e a vulnerabilidade socioambiental das comunidades (FREITAS et al, 2012).

A catástrofe serrana demandou novos vínculos e formas de intervenção peculiares, apontando para a falta de planejamento e para o despreparo nacional existente para lidar com os desastres. O desastre serrano expôs um espaço social, onde as intensas transformações sociais deixaram transparecer as negligências e imperícias do poder público. A desorganização e consequente demora nos atendimentos às vítimas, os ruídos gerados entre os setores, os desvios das doações e verbas foram só o início de um longo desastre social. A falta de observação aos mapas de riscos já existentes, falta de fiscalização em áreas de preservação ambiental que sofreram deslizamentos, planos de contingência e plano diretor municipais defasados (PORTELLA e NUNES, 2014).

E ele tinha o imponente título de desastre natural, o maior. Os procedimentos 01 para desastres naturais, descritos por Natenzon, foram aplicados regiamente, e a população, apesar de seus inúmeros esforços, foi, e continua sendo, ignorada. Estávamos na pré-história do sistema brasileiro de prevenção, sem leis, sem planos, sem defesas civis, sem sistemas de alerta. Sirenes preventivas só existiam no âmbito de Angra 1, como exigência internacional para desastres nucleares. Hoje, porém, não podemos dizer que saímos disso muito bem. Avançamos muito lentamente para as necessidades crescentes do país. E todo desastre ainda se quer natural, para poder disparar os procedimentos 01: a única lista que as instituições brasileiras sabem cumprir. E, por essa razão, o rompimento de Fundão com seu fenomenal desastre sociotecnologicoambiental começa a ganhar ares de natural por conta da proximidade mental que estabelecemos entre ambiente e natureza. Dois anos depois, vê-se a marcha da naturalização ganhando espaço.

Fatos e interesses 05: um minuto de sirene…

O desastre em Nova Friburgo inclui ainda um acontecimento que é muito pouco divulgado e que é contado como uma anedota, sendo geralmente apresentado como exemplo da fragilidade e estupidez da população. No dia 16 de janeiro de 2011, quando o desastre está a pleno vapor, com todo o país a observar via mídia e redes sociais as cidades, na procura ainda de sobreviventes, tentando localizar corpos, organizando centenas de abrigos, com tudo o que o Brasil tinha de melhor e pior em termos de resposta à disposição do desastre, sem leis agéis, sem planos, sem esperança, o Bope (equipe de segurança que ficou famosa não só por causa do filme Tropa de Elite), e que havia acabado de “pacificar” no Natal o Morro do Alemão no Rio de Janeiro, chegou a Nova Friburgo ocupando o centro da cidade e o imaginário de cada friburguense. Lá, pelo meio desse dia 16, uma notícia começou a correr boca-a-boca nesse mesmo centro: “A represa rompeu”! Onde? Quando? Como? Por quê? Não havia nenhum lead para estabelecer o fato[14]. Ninguém perguntava quem? Pois parecia óbvio que a natureza continuava agindo e tinha vindo terminar o que iniciara no domingo anterior do dia 11. E a rigidez do comando e controle do Bope reagiu. Sob a legitimidade que o grupamento militar ganhou ao fincar a bandeira verde e amarela no topo do morro do Alemão sob o registro factual da midia, pacificando o território como se fosse terra estrangeira, os comandos se posicionaram em algumas vias centrais de Nova Friburgo, fechando o trânsito e ordenando que as pessoas deixassem seus carros e subissem para locais altos, prédios, morros, o que fosse. Quem iria discutir? Era o Bope!

As narrativas desse momento na cidade são várias, com pessoas se encontrando no topo dos prédios fazendo correntes de oração de despedida da vida, outras decidindo heroicamente seguir para casa porque queriam morrer com seus familiares, outras contando que, desesperadas, não sabiam para onde ir. Uma hora depois, um carro de som passou pela cidade avisando que tudo não passava de um boato. Essa represa não existia! Foi o único simulado praticado pela população de Nova Friburgo após cinco anos, mas que pareceu funcionar muito bem. Quase uma boa prática em RRD que pode ser avaliada pela sequência Alexander: o conhecimento (do desastre de 11 de janeiro), a organização (do Bope pacificador) e a comunicação (da população, boca-a-boca). Um conhecido engenheiro morador resistiu a sair de casa e ficou só, até tudo passar. Ele argumentou: se uma represa localizada não sei onde, abaixo do nivel do rio, consegue subir corrente acima, significa que a lei da gravidade foi rompida, e então toda a Terra estará em processo de destruição, não adianta fugir para lugar algum. Ele tinha razão. O único fenômeno que se sabe no Brasil de contrafluxo em Rio é a pororoca na foz do rio Amazonas no Pará em determinadas épocas, onde surgiram os surfistas de água doce.

Sabe-se que os sistemas de alerta por sirenes só começaram a ser implantados pós- cidades-serranas-2011. Mesmo assim, Mariana não possuia nenhum tipo de alerta quando houve o rompimento da barragem de Fundão.

Maria do Carmo, representante dos atingidos e integrante do MAB (Movimento de Atingidos por Barragens), em depoimento público durante o encontro O desastre da Samarco: Balanço de seis meses de impactos e ações (Mariana, MG, 5 de maio de 2016), conta a sua luta para ser reconhecida como atingida. Como a lama passou somente na soleira de sua porta, em Paracatu, a comissão da Samarco que reconhecia (ou não) quem era atingido avaliou, num primeiro momento, que ela não merecia as indenizações. Maria do Carmo soube por ligação de celular da irmã do que havia acontecido em Bento Gonçalves e pediu para o marido buscar a filha na escola. Pediu também que ele avisasse às pessoas. Ele retornou com a filha para casa mas disse que fez papel de idiota, pois ninguém acreditou nele. Paracatu foi destruida uma hora depois de Bento Gonçalves.

Hoje, como em Nova Friburgo, ninguém discutiria em Mariana um novo aviso de rompimento de barragem. Para lembrar do dia 5 de novembro, todo mês, o movimento #umminutodesirene faz ato na praça da cidade com um toque estridente de sirene para não se esquecer do rompimento da barragem e suas consequências.

Procedimento 05: a armadilha da realidade

Assim, a mídia dominante reflete esse agregado de opiniões, desejos e crenças que chamamos de sociedade brasileira, mas o reflexo captado de maneira idealizada, editada, pelos próprios meios, é relançado de modo alterado para competir com as versões anteriores. É preciso considerar a curvatura do espelho, se é côncavo à esquerda, se é convexo à direita, para se entender qual é a sua equação complexa de interesses. O espelho da mídia não espelha a realidade, mas a conforma e principalmente, a delimita. O espelho da ciência também. Ora, naturalizar um desastre tecnológico parece ser algo “natural” nessa sociedade midiatizada.

Assim, desnaturalizar os desastres é uma luta importante para o sistema de prevenção da população brasileira, que encontra muitos obstáculos pela frente. Há de se perceber que a responsabilidade desse sistema não pode estar entregue apenas ao

Ministério da Integração Nacional e sua Secretaria Nacional de Defesa Civil. Muitos ministérios devem convergir nessa responsabilidade, que exige uma organização capilarizada, que somente o Sistema Únido de Saúde (SUS) a possui. Mesmo que espelhe o SUS, ou se agregue a ele, manter na agenda a questão dos sistemas de RRD não é fácil, pois quando um assunto de desastre se estabiliza na mídia, ele está próximo de sair da pauta e submerge com todas as suas necessidades, principalmente quando o mantemos sob a égide do “natural”, fazendo parecer que a melhor prevenção é seguir o regime de chuvas no país, percebendo cientificamente as suas variações.

A chamada “objetividade jornalística” não esconde apenas interesses, ela esconde a paixão pelo seu procedimento, cuja função é reproduzir e confirmar as relações do capitalismo mundial integrado, assim como o define Guattari (1990). Essa objetividade implica uma compreensão do mundo como um agregado de “fatos” prontos e acabados, cuja existência, portanto, seria anterior a qualquer forma de percepção, e autônoma em relação a qualquer ideologia ou concepção de mundo. Algo, que a ciência positiva, hoje, já não consegue – nem quer – defender. As grandes mídias sempre se constituíram como dispositivos para realizar esses procedimentos de naturalização; para fabricar adesões, ao produzir uma história a partir de reflexos e fragmentos, em função de interesses e do próprio procedimento. A naturalização jornalística conta uma história caracterizada por uma unidade que se processa sem vazios. Os problemas sofrem um processo de naturalização que nos faz perder a consciência da construção de um percurso que, se não é imposto, é pelo menos sugerido (REBELO, 2006, p. 20) em seu formato newtoniano de ação-e-reação. O jornalismo se constitui em um mecanismo fundamental para a sedimentação deste processo de naturalização. O outro procedimento é o que poderemos continuar a designar de ciência positiva, mas que atualmente precisa mais do que nunca do jornalismo para se fazer crer positivo.

Pelo lead, pela fotografia ou pela filmagem pode-se afirmar: veja! Aí está ele! O fato! Mas fotografar ou filmar nunca foi nem nunca será registrar um fato! O fato seria, segundo Tarde, o que aconteceu mas também o que não aconteceu: a partir de um conjunto infinito de possíveis, o real é um monstro de Frankenstein de fragmentos de fatos, de abortos de possíveis. A percepção social do risco como coisa, como fato, seria uma utopia científica positiva! No máximo, o que poderíamos ter é o que chamamos de manchas perceptivas (FREITAS et al, 2016b), ou quase-objetos, como diria Latour[15].

Os fatos, assim como o real, são parêntesis, que mencionamos só por uma questão pragmática e logística, mas após se compreender as séries, eles desaparecem no mar dos interesses, dos possíveis e das interações. Quando enfrentamos relatórios da Samarco ou de outros cientistas com os nossos relatórios e estudos, entramos em uma guerra de versões, de manchas perceptivas e de reflexões, reflexos. Mariana não está ali e não podemos acreditar que estamos lutando pelo fato, essa espécie rara de interesse. É preciso humildade epistemológica, senão estaremos lutando pela primazia da produção de saberes assimétricos, e aí, como diz Douglas Krenak, liderança indígena da região de Mariana, ele não tem como contribuir. Falar de desenvolvimento sustentável com mineração para o líder Krenak é inconcebível e nós o sabemos legitimo. Mas sentimos uma melancolia indizível, pois parece uma guerra perdida, como a que a nação Krenak enfrentou quando D. João VI decretou guerra santa contra eles para que os portugueses pudessem dominar a lavra do ouro[16].

É preciso desinformar a realidade, tirá-la da forma especular em que ela é capturada… Desenovelar as redes – cardar, diz Latour (2002). Precisamos estar muito atentos, pois o ato expressivo linguístico naturaliza a realidade em sujeito, verbo e objeto. Assim, tudo na sequência conhecimento-gestão-comunicação será expresso por um FATO, e esse é nosso sistema de localização mas também nosso sistema de desinformação! Fatos científicos (que não existem pois só temos os rastros do urso, os reflexos do fluxo) e fatos jornalísticos (que fingem querer produzir os culpados que serão regulados e punidos pelas autoridades)! E aqui, se estivermos atentos, podemos verificar que a sequência Alexander pode tomar uma forma mais específica: fatos científicos-real-fatos jornalísticos: essa é nossa armadilha de realidade![17] Um agregado de muitas sequências Alexander formam também espelhos emparelhados de fatos científicos e de fatos jornalísticos que rapidamente capturam a realidade, ou produzem a realidade (nunca saberemos exatamente). A realidade e o poder resultante de sua captura surge entre esses dois espelhos por micronano segundos, que logo depois se transforma em impossibilidade, como já havia dito muito antes Tarde.

No entanto, o possivel não pode ser reduzido ao real, porque o real mesmo está esquecido nos possiveis: o excesso da potência sobre o ato!

Dito isso, entendemos que desnaturalizar os desastres é trabalhar na desinformação. Com a rápida monopolização corporativa da mídia, menos informações nos canais dominantes se transmitem sobre os abusos que estão sendo infligidos sobre outros seres humanos, aumenta-se a censura, ocultam-se relatórios sem que nunca saibamos, com fraude e desinformação programadas. Quando um desastre acontece, temos então como os espelhos da nova sequência Alexander. O desastre em si, aquilo que é Mariana, não é aquilo com que a mídia trabalha, porque a mídia faz parte do reflexo do desastre, que é tudo aquilo que é o desastre mas que também não é, como seu reflexo no espelho: toda mídia, toda população, toda academia, que participaram do desastre mas que se confundem com este. Tudo que esse lado trabalha é com desinformação. A informação que tenta tocar o que o desastre é em si, mas não consegue, acaba por fraudar aquilo, por distanciar, por naturalizar o sofrimento de Mariana a Regência, em seus extensos 500 km, numa cacimba de mágoa[18].

Conclusão: enlaçando as microsséries Alexander

Em todas as escalas individuais e coletivas, naquilo que concerne tanto à vida cotidiana quanto à reinvenção da democracia – no registro do urbanismo, da criação artística, do esporte etc. – trata-se, a cada vez, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva, ao invés de ir no sentido de uma usinagem pela mídia, sinônimo de desolação e desespero. Perspectiva que não exclui totalmente a definição de objetivos unificadores tais como a luta contra a fome no mundo, o fim do desflorestamento ou da proliferação cega das indústrias nucleares. Só que não mais tratar-se-ia de palavras de ordem estereotipadas, reducionistas, expropriadoras de outras problemáticas mais singulares resultando na promoção de líderes carismáticos (GUATTARI, 1990, p. 15).

Nesse sentido, a imitação marca a passagem ou a propagação de um fluxo ou onda de crença e desejo; a oposição, por sua vez, marca a intervenção de um fluxo ou onda sob o modo de um choque binário; enquanto, a invenção marca a conjugação ou a conexão de múltiplos fluxos de crença e desejos (DELEUZE E GUATTARI, 1996, p. 267-8).

Nós não temos somente os grandes espelhos hiperrefletores da grande mídia, que aparentam ser um único espelho, mas que bem de perto é possível ver que são agregados de pequenos cacos de espelhos como qualquer parte do fluxo de realidade. Nesses seis meses de desastre da Samarco é possível ver muitas inovações. Filmes com novas tecnologias em 360 graus que permitem ver do ponto da filmagem todos os ângulos da situação captada, os famosos cubos de máquinas gopro. Campanhas solidárias de fundos na Internet para se montar pequenas fábricas de tijolos para se construir casas com a própria lama tratada de seus venenos. Shows de artistas famosos que arrecadam fundos para pesquisas independentes promovidos em editais sob coordenação do Greenpeace. Propostas de metodologias de ação psicossocial sob gestão e desenvolvimento das comunidades. Rede de pesquisadores, movimentos e mobilização comunitária contra-hegemônicas. Sebastião Salgado. Caravanas Territoriais da Bacia do Rio Doce, viagens de aprendizados, intercâmbios e construção de laços de solidariedade e luta política[19]. Tudo isso transformou o rompimento da barragem da Samarco no que abre perspectivas mais positivas para o povo da região, um desastre sociotecnologicoambiental. Este desastre nunca correrá o risco de ser natural.

Mas a nossa dívida teórico-conceitual de conhecimentos simétricos continua! Nas chuvas de São Paulo do início do ano de 2016, 20 pessoas morreram, o mesmo número do desastre da região de Mariana. Infelizmente, ali, é quase inútil usarmos a mesma classificação: sociotecnologicoambiental. A ciência assimétrica iria rir de nós. Afinal, de contas o desastre foi natural, como o classificou o Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (CEMADEN) de nossa C&T. Com esse nome seria impossível não ser. Mas isso, por enquanto, pois os desastres naturais, diria o professor Hector Alimonda, sempre são sociais.

Naturalizar os desastres é um ato que condiciona toda a atividade de RRD. Esse ato de naturalização é tão comum em nossa sociedade, que diante dos desastres de origem tecnológica humana, que aparentemente não poderiam ser escondidos debaixo dessa capa da natureza descontrolada, mesmo assim tenta-se classificá-lo sob a égide do natural, como no caso do rompimento da barragem da mineradora Samarco na localidade de Mariana (MG-Brasil), em 5 de dezembro de 2015, associando-a a microterremotos na região ou a medidas provisórias legislantes de realidade.

Quando a ameaça é natural e dispara um desastre, a delimitação do quando e onde faz parte do ato de naturalizar o desastre e, assim, contê-lo dentro de um nicho espaço-temporal que evite externalidades e atinja perigosamente a gestão política do território em desastre. Quando o disparador do desastre é a ameaça tecnológica, encontramos o inverso. A externalidade é bem-vinda, pois é ela que pode naturalizar o evento! Mas, nos dois casos, a grande mídia trabalha pela naturalização. É preciso estar atento e traçar um raio imitativo que una todas as versões que nunca serão fatos, mas que na sua união nunca permitirão que versões totalizantes sejam chamadas de fatos, cientificos ou jornalisticos.

O que é pororoca, no Brasil? Algo possível. Para nós, imaginar uma onda subindo contra a gravidade… É completamente razoável! Mariana, uma pororoca de lama, que expôs não só a Samarco, mas todas as empresas de mineração (e petróleo) do país. Nessa atividade, não há sustentabilidade possível. Precisamos transformar Mariana de tsunami em pororoca! Só queremos pororocas! Pororoca: gerúndio de um verbo Tupi que significa ação em andamento, ainda não finalizada, pois sempre em modificação, diferencial, infinitesimal. Os surfistas de água doce enlaçados ainda são poucos, mas as promessas são boas e todos cantam e dançam com a nação Krenak. Chega de decretar guerra santa!

Na finalização deste artigo, ainda fomos presenteados com outro movimento de naturalização. O governador Dornelles, do Estado do Rio de Janeiro, decretou como calamidade pública a situação financeira do governo do Estado, em função da realização do Jogos Olímpicos Rio 2016. Assim, poderia ter acesso ao fundo contigenciado do governo federal para lidar com desastres – naturais, claro!

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Recebido em: 13/07/2017

Aceito em: 01/08/2017


[1]Doutorando do Programa de Doutoramento “Território, Riscos e Políticas Públicas”, oferecido pela Universidade de Coimbra, Universidade de Lisboa e Universidade de Aveiro (Portugal). É assessor da presidência da Fundação Oswaldo Cruz, especialista em projetos para desenvolvimento de políticas públicas. Integrante do Grupo de Pesquisa do Centro de Estudos e Pesquisas de Desastres em Saúde (Cepedes/Fiocruz) e membro do grupo implementador da Rede Nacional de Pesquisadores em Desastres. Email: spportella@gmail.com

[2]O Programa Modernidade/Colonialidade (M/C) é um programa de estudos de vários pesquisadores, em sua maioria latino-americanos, que busca demonstrar como o mundo ocidental repousa em uma série de operações que derivam da caracterização da colonialidade como um complemento necessário, oposto e sistematicamente oculto, da modernidade ocidental. A operação do Programa M/C clarifica e promove um ponto de ruptura que processa o chamado “giro decolonial” que permite aflorar uma diversidade epistêmica com uma pluralidade de novos lugares de enunciação, passados e presentes, em uma relação crítica ou de resistência à modernidade colonial. Esses novos lugares de enunciação seriam as epistemologias de fronteira (Mignolo, 2006).

[3]Tipologia de desastres. Seguimos aqui apenas duas distinções entre desastres: socioambiental e sociotecnológico, dependendo de as ameaças a eles associadas serem de origem ambiental ou tecnológica.

[4]O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) até hoje é a grande fonte de recursos da política habitacional e de saneamento do país. Este fundo continuou forte o bastante, mesmo depois da extinção do BNH em 1986. Ele é constituído de contribuições mensais percentuais obrigatórias de 8% (oito por cento) do salário bruto pago ao trabalhador, que o trabalhador pode ter acesso em caso de demissão, ou em caso especiais previstos em lei (ROLNIK, 2015).

[5]“Los desastres no son naturales”: Encontro com Allan Lavell. Entre 15 e 17 de setembro de 2015, em Buenos Aires, foi realizado o Seminário Internacional “Ciencias Sociales y Riesgo de Desastres en América Latina: Un Encuentro Inconcluso”. O seminário tinha como objetivo, 22 anos após da publicação do livro “Los desastres no son naturales”, organizado por Andrew Maskrey, no marco de LA RED – Red de Estudios Sociales en Prevención de Desastres en América Latina – discutir novos processos de tendência global, como mudanças climáticas e novos conceitos (como resiliência, adaptação, participação) que reformulam os debates em torno da definição dos desastres não serem naturais, mas processos sociais. Desse encontro participou um dos autores que contribuíram para aquele primeiro livro, o prof. Allan Lavell, importante articulador do Marco de Sendai, e que nos ofereceu uma entrevista sobre o tema. https://youtu.be/ApqvAE4vBbE (Link acessado em 06/06/16).

[6]Marco de Sendai. Em 18 de março de 2015, na cidade de Sendai, Japão, foi assinado pelos países integrantes da ONU, o novo marco para Redução de Desastres para o período 2015 a 2030. O Marco de Sendai, como ficou conhecido, possui uma avaliação dos resultados do Marco de Hyogo (documento anterior) que cobriu o período de 2005 a 2015 e, as novas propostas, metas e orientações em RRD. Durante a Conferência Mundial, que gerou o documento, os países também reiteraram seu compromisso com a redução do risco de desastres e com o aumento da resiliência a desastres, um tema a ser abordado com renovado senso de urgência no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e, conforme acordado, adequadamente integrado em políticas, planos, programas e orçamentos de todos os níveis. As sete metas globais do Marco de Sendai: 1. Reduzir a mortalidade global por desastres até 2030; 2. Reduzir substancialmente o número de pessoas afetadas em todo o mundo até 2030;  3. Reduzir as perdas econômicas diretas por desastres em relação ao produto interno bruto (PIB) global até 2030; 4. Reduzir os danos causados por desastres em infraestrutura básica e a interrupção de serviços básicos, como unidades de saúde e educação’5. Aumentar o número de países com estratégias nacionais e locais de redução do risco de desastres até 2020; 6. Intensificar a cooperação internacional com os países em desenvolvimento; 7. Aumentar a disponibilidade e o acesso a sistemas de alerta precoce para vários perigos e as informações e avaliações sobre o risco de desastres para o povo (UNISDR. The World Conference, 2015. https://www.unisdr.org/we/coordinate/wcdrr).

[7]Estado de exceção olímpico: O Governo do Estado do Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública em 17 de junho de 2016. A razão para tal, argumentou o governador em exercício, era a possibilidade de total colpaso da segurança pública, saúde, educação, mobilidade urbana e gestão ambiental, em função das necessidades que os Jogos Olímpicos impõem a uma cidade e região quando eles se realizam. Sabe-se que o ato de decretar calamidade pública envolve basicamente desastres e possibilita a solicitação de utilização de fundos contingenciados para esse fim. O governo do Estado do Rio acabou por ter acesso a mais de dois bilhões de reais. O mundo todo noticiou esse processo, uma ação prevista na famosa série de TV americana House of Cards: https://www.nytimes.com/2016/07/03/opinion/sunday/brazils-olympic-catastrophe.html?mcubz=3 (Notícia do The NY Times acessada em 18/06/2016).

[8]A Rede Mobilizadores. Uma rede de incentivo à prática social. A Rede Mobilizadores reúne pessoas com experiências e saberes diversos, movidas por ideais de justiça e equidade social, tendo um site como espaço de encontro, de capacitação e de informações qualificadas. A Rede promove a troca de experiências para aprimorar práticas, replicar iniciativas bem sucedidas e mobilizar as pessoas para que atuem de forma organizada em prol dos direitos humanos e de cidadania. O conteúdo do site tem como foco três eixos principais: Participação, Direitos e Cidadania; Erradicação da Miséria; Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidades. A Rede Mobilizadores foi criada em 2003 e integra o COEP – Rede Nacional de Mobilização Social, fundado em 1993, sob a inspiração do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. http://www.mobilizadores.org.br (Link acessado em 06/06/2016).

[9]Do que o universo é feito? Nesse site da Nasa, é possível entender o que os físicos hoje chamam de matéria e energia visíveis e matéria e energia escura. Segundo eles, matéria visível é apenas 4,6% do total. Para que a “conta” do universo funcione é preciso equilibrá-la com matéria escura e energia escura. Duas entidades que nunca foram medidas “diretamente em nenhum laboratório do planeta” (texto deles). Mas que sem a sua existência nada seria possível ou real. A proporção é 4,6% de átomos; 24% de matéria escura e 71,4% de energia escura. http://map.gsfc.nasa.gov/universe/uni_matter.html (Link acessado em 06/06/2016).

[10]A Esperança de Pandora. “O sistema circulatório encarregado de manter vivos fatos científicos pode ser descrito como cinco tipos de atividades, cinco circuitos: dos instrumentos, dos colegas, dos aliados, do público e dos “vínculos”. O primeiro circuito dos instrumentos, a mobilização do mundo, trata de expedições, levantamentos e dos locais nos quais todos esses objetos do mundo assim mobilizados estão reunidos e contidos. O segundo circuito dos colegas, a autonomização, trata da história das profissões e disciplinas e das próprias instituições científicas (organizações, recursos, estatutos, regulamentos para manter juntos os colegas). O terceiro circuito das alianças trata da necessária mobilização de grupos grandes, ricos e competentes, capazes de garantir o aperfeiçoamento do trabalho científico. O quarto circuito é o da representação pública, ou, o da socialização maciça de novos objetos no coletivo sem abalar o sistema normal de crenças, seja um átomo, radares ou grupos sociais. Por fim, o quinto circuito deste vasto sistema circulatório é o próprio conteúdo científico, o coração palpitante propriamente. Todo esse sistema está vivo, sendo que nenhuma de suas partes é dispensável; todos os circuitos funcionando ao mesmo tempo constituem um evento único, vivo, encadeados mas totais” (PORTELLA, 2015).

[11]O Batedor e o Urso: A situação do pesquisador profissional, coletor de reflexos, é a seguinte: somos batedores que nos agachamos momentaneamente na floresta, pegamos um pouco de fezes secas de urso, e ao testarmos sua consistência entre os dedos, dizemos, está a um dia de nós; depois de tocarmos com a língua o excremento, concluímos que comeu amoras. Mesmo assim podemos nunca encontrar o urso. Aliás é o mais comum – mas, devido à saturação de ciência e tecnologia que caracteriza o mundo em que vivemos (Callon, 2001), isso não importa mais. Um amigo, importante pesquisador de uma petrolífera, durante anos e anos na empresa nunca tinha conseguido apontar a possibilidade de um poço de óleo. Isso o perturbava, ao que eu respondia que ele estava exagerando, pois isso tinha pouca importância. Mas, ele queria encontrar o urso. E acabou encontrando. Apesar do dever cumprido, não me pareceu que dar de cara com o urso fosse algo libertador. Afinal o procedimento, na maioria das vezes, é mais importante que a originalidade do fato científico. Algo de semelhante se verifica com os fatos jornalísticos. Nele, o urso tem um apelido: furo… furo de reportagem!

[12]A fronteira nano. “As nanopartículas quando comprimidas apenas por alguns átomos,já obedecem as leis da física quântica, onde novas propriedades mecânicas, magnéticas, elétricas, ópticas, termodinâmicas e de auto-organização podem emergir no nanocosmo. Alguns materiais nessas escalas ganham uma super-resistência não observada em condições macro, outros tornam-se superparamagnéticos. Metais, por exemplo, podem perder sua capacidade mais intrínseca, a condutividade; também a cerâmica pode se tornar transparente; ou o carbono pode obter uma capacidade condutiva 10.000 vezes melhor do que o cobre”. (GUSTON, 2010: 139-140)

[13]Para onde a publicidade está indo? A Globo, segundo Paulo Henrique Amorim, “tenta se proteger dos principais concorrentes atuais: Google, Apple, Facebook, Netflix e HBO over the top” (AMORIM, 2015).

[14]A repórter desesperada. Seguem dois links (acessados em 06/06/2016) que contam a história da participação de uma jornalista durante o alarme falso de rompimento de barragem na cidade de Nova Friburgo, em 16 de janeiro de 2011, poucos dias depois do desastre socioambiental.

Link 1: https://www.youtube.com/watch?v=dhxm_K1JXRY

Link 2: https://www.youtube.com/watch?v=S-65SagK42M

[15]Manchas perceptivas e quase-objetos. 1. Manchas perceptivas: “Ligadas às histórias de vida, as percepções podem alterar-se com o tempo e ser afetadas por múltiplos fatores. Não se trata, pois, de simplesmente saber se uma pessoa valoriza (e quanto, como nas perspectivas psicométricas) um certo risco, mas antes quais são e como se organizam diversas dimensões perceptivas a propósito desse risco e/ou desastre, como elas evoluem e porquê, etc. Por isso, preferimos falar de manchas perceptivas. As manchas perceptivas individuais refletem, em parte, as complexas dinâmicas do acoplamento estrutural idiossincrático de cada ser humano (com o meio físico e social), uma parte do qual se faz em linguagem (discursos constantemente produzidos, partilhados e/ou negociados). Por outro lado, elas contribuem para a emergência de manchas perceptivas sociais, com alguma consensualidade, mas, também, conflitualidade entre si e com as manchas individuais. Em qualquer caso, as manchas perceptivas individuais e sociais são constantemente negociadas entre si e no confronto com as versões científicas e com a realidade” (FREITAS M. et all. O desastre da Samarco/Vale/BHP: análise crítica de alguns discursos, racionalidade se percepções. Ciência e Cultura, vol. 68, n.3, pp. 51-56. 2016) 2. Quase-objeto. https://pt.wikipedia.org/wiki/Bruno_Latour (link acessado em 06/06/2016).

[16]Guerra santa: “Os Borum, como se autodenominam os Krenak, vivem hoje em sua reserva, próxima ao município de Resplendor, às margens do Rio Doce. Ficaram conhecidos na história do Brasil como ‘botocudos’ ou Aimorés, desafiaram todas as iniciativas de pacificação, levando D. João VI a decretar contra eles, uma guerra de extermínio no sec. XIX. Mas a força e a tradição desse povo venceu todas as tentativas de fazê-los desaparecer e eles estão hoje cuidando de seu território, recuperando as matas e córregos devastados, cantando e dançando para seus ancestrais”. (Texto encontrado no site da Funai – funai.gov.br -, e que não considera a situação da nação Krenak depois do rompimento da barragem de Fundão. Acesso em 15/05/2016).

[17]Armadilhas quânticas: Para se entender a ideia de armadilhas que capturam o real, precisamos de uma pequena digressão. O principio de incerteza quântico tornou impossível para os físicos atuais ignorarem que não há como delimitar objetos e sujeitos. De alguma maneira eles passaram a se misturar. Algo descrito por Tarde, muito antes, com a sua distinção entre possíveis infinitos e real singular. Para contornar o principio da incerteza, os laureados em física do Prêmio Nobel 2012 desenvolveram uma técnica para tentar demonstrar, de alguma forma, a existência de partículas subatômicas, apesar da interferência do observador. Eles chamaram esses mecanismos de armadilhas quânticas. Serge Haroche e seu grupo de pesquisa empregaram um método diferente para revelar os mistérios do mundo quântico, de forma a superar, pelo menos, momentaneamente, o principio da incerteza de Heisenberg. Em um laboratório em Paris, fótons de microondas saltaram para trás e para a frente dentro de uma pequena cavidade entre dois espelhos, com cerca de três centímetros de distância um do outro. Os espelhos são feitos de material supercondutor e foram arrefecidos até uma temperatura um pouco acima do zero absoluto. Esses espelhos supercondutores são os mais brilhantes e refletores do mundo. São tão reflexivos que um único fóton pode saltar para trás e para a frente no interior da cavidade por quase um décimo de segundo antes que ele seja perdido ou absorvido. Este tempo de vida extraordinariamente longo significa que o fóton terá percorrido 40,000 Km, o equivalente a cerca de uma viagem ao redor da Terra. Com um método semelhante, Haroche e seu grupo foram capazes de contar os fótons dentro da cavidade, como uma criança conta bolas de gude em uma tigela. Isto pode parecer fácil, mas requer destreza e habilidade extraordinária, pois os fótons, ao contrário de bolas de gude, são destruídos imediatamente pelo contato com o mundo exterior. Com base em seus métodos de contagem de fótons, Haroche e colaboradores elaboraram métodos para acompanhar a evolução de um estado quântico individual, passo-a-passo, em tempo real. http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/2012/popularphysicsprize2012.Pdf (Link acessado em 06/06/2016).

[18]Cacimba de Mágoa: “O sertão vai virar mar/ É o mar virando lama/ Gosto amargo do Rio Doce/De Regência a Mariana”. Assim começa a música ‘Cacimba de mágoa`, parceria do rapper Gabriel, o Pensador e da banda de forró Falamansa. Imagens: Instituto últimos refúgios – Lágrimas do Rio Doce. https://youtu.be/xMu0T6_1d_I (Link acessado 06/06/2016).

[19]Inovações de resistência e desvios infinitesimais: Links acessados em 06/06/2016 que descrevem iniciativas produzidas fora do circuito dominante empresa-governo-academia:

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do-rio-doce/

O desastre e a percepção da percepção social do risco: Mariana, pororoca de lama!

 

 

RESUMO: Este artigo trata do ato de comunicar desastres na sociedade brasileira tendo como principal referência o acontecido em 5 de novembro de 2015, em Mariana (Minas Gerais).Tenta propor um modelo explicativo dos atos de comunicar em geral e dos atos de comunicar em desastres, considerando a intermediação dos mídias. Dentro da correlação conhecimento-gestão-cidadãos, que direciona os fluxos relacionais sociais na economia ocidental globalizada, pretende compreender como a comunicação via mídias, em uma sociedade constituída por um número considerável de públicos, conforma essa correlação e dela também faz parte ao definir o que conta como fato. No caso dos desastres, o ambiente de comunicação se faz dentro do que chamamos naturalização dos desastres, sejam socioambientais ou sociotecnológicos. É aqui identificada a questão central que percorre este artigo: por que se procura naturalizar os desastres? E porque é importante, nos planos do conhecimento e da intervenção, desnaturalizar os desastres, caracterizando a sua dimensão social como uma das dimensões constitutivas das condições e ameaças que os possibilitam.

PALAVRAS-CHAVE: Desastre. Comunicação. Naturalização.


Disaster and the perception of social perception of risk: Mariana, mud pororoca!

 

 

ABSTRACT: This article refers to the act of reporting disasters in the Brazilian society, mainly based on the first stories regarding the events of 5 November, 2015, in Mariana (Minas Gerais). It presents an explanation on reporting general events and disasters and the effects of the influence of the press. Within a correlation between the knowledge of the disaster, risk management and, lastly, the affected community, which guides the flow of social relationships in the globalized western economy, it seeks to understand how media communication, in a society with an impressive number of audiences, conforms to this correlation, but also is part of it, by determining what exactly is considered a fact. Regarding disasters, the communication environment is created within what the author calls the naturalization of disasters, being either of social and environmental/technological nature.

KEYWORDS: Disaster. Communication. Naturalization.

 


 

PORTELLA, Sergio. O desastre e a percepção da percepção social do risco: Mariana, pororoca de lama! ClimaCom [online], Campinas,  ano. 4, n. 9,   Ago.  2017 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=7288