A trilogia Xenogênese de Octavia Butler: evocações de uma ética do co-partilhar as diferenças | Henrique César da Silva
Henrique César da Silva[1]
BUTLER, Octavia E. Despertar. Xenogênese vol. 1. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Editora Morro Branco, 2018. 352 p.
BUTLER, Octavia E. Ritos de Passagem. Xenogênese vol. 2. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Editora Morro Branco, 2019. 368 p.
BUTLER, Octavia E. Imago (Lilith’s brood – book three). London: Headline, 2014. 230p.
Soube de Octavia Butler pelo podcast Benzina[2], em que a jornalista e poeta Stephanie Borges e o antropólogo Orlando Calheiros abordam sua trilogia Xenogênese e os livros Parábola do Semeador e Parábola dos Talentos. Optei por conhecer a escritora pela trilogia, composta por Despertar (2018 [1987]), Ritos de Passagem (2019 [1988]) e Imago (2014 [1989]), este sem tradução brasileira. A trilogia Xenogênese antecede a publicação dos outros dois e é precedida pelo aclamado Laços de Sangue (Kindred). Em 1976, teve início a trajetória literária desta escritora negra, norte-americana, de Pasadena, Califórnia, filha de uma empregada doméstica e de um engraxate, órfã de pai aos seis anos, e, que, segundo conta, quando criança decidiu ser escritora, a tia teria dito que ser escritor não é coisa de negros, ainda mais de ficção científica.
Para abordar a trilogia Xenogênese, posiciono-me de um lugar enquanto leitor, preenchido pelo que me evocaram e continuam evocando seus textos. E foram muitas microevocações; a cada capítulo, a cada página e também certas palavras. Algumas dessas microevocações, encontrei depois, foram tematizadas em leituras e análises acadêmicas de seus livros. Os comentários e análises sobre os trabalhos de Octavia Butler os conectam a temas como o manifesto ciborgue de Donna Haraway, ao pós-humanismo, ao afrofuturismo na literatura, a teorias literárias feministas, teorias pós coloniais, à teoria queer, aos corpos político-ativistas, à sociobiologia. Conexões que, a meu ver, indicam a importância e o pertencimento sem igual de suas histórias aos dias atuais. Tempo de individualismos exacerbados, tempo em que os sofrimentos, físicos e psíquicos, são sintomas e consequências de neoliberalismos que “empoderam” individualidades isoladas, instrumentos para uma microguerrilha cotidiana e sem fim, sustentada pela lógica do mais forte, do que grita ou cancela mais. Uma lógica que classifica e hierarquiza diferenças. A experiência de leitura desses livros se opõe à lógica da morte. Morte do outro diferente, morte da Terra enquanto lugar de vida. É essa experiência, propiciada pela narrativa dos livros de Xenogênese, que evocou e evoca inúmeras questões do nosso presente e passado complexos, ao me permitir imaginar, nos e pelos escritos de Butler, futuros possíveis.
(Leia a resenha completa em PDF).
Recebido em: 20/03/2021
Aceito em: 15/04/2021
[1] Professor Doutor no Centro de Ciências da Educação/UFSC e Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica/UFSC. E-mail: henrique.c.silva@ufsc.br
[2] Podcast Benzina (2020): os autores comentam notícias, arte e filosofia inspirados pelo anarquismo, feminismo e afrofuturismo.
SILVA, Henrique César da. A trilogia Xenogênese de Octavia Butler: evocações de uma ética do co-partilhar as diferenças.ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8, n. 20, abril.2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-trilogia-xenogenese/