A “rexistência” das editoras cartoneras: criando outras formas de habitar o mundo | Carolina Noury
Carolina Noury[1]
A ação (de alguns) humanos tem causado diversos impactos e transformações na superfície terrestre que geraram uma crise ambiental global. Destruição, extinção, poluição, escassez, aniquilação são alguns termos que podemos utilizar para descrever as consequências do papel central da atividade humana na geologia e na ecologia que marcam o Novo Regime Climático. Tamanha interferência do anthropos na natureza fez com que uma nova época geológica fosse inaugurada, o Antropoceno, sendo sugerido até mesmo o surgimento de uma nova era, Antropozoica (Crutzen, Stoermer, 2015).
Donna Haraway (2016) utiliza o termo Capitaloceno, proposto inicialmente por Andreas Malm e Jason Moore, para definir essa época em que a ação humana é moldada pelo sistema econômico vigente, o capitalismo global. Esse sistema caracterizado pela extração, exploração e acumulação tem como objetivo final do processo produtivo, o lucro. Nesse império produtor de ruínas, Anna Tsing (2015) observa a presença de um ambiente possível para viver. Os cogumelos Matsutake, uma iguaria japonesa, brotam nessas ruínas, nas margens indomáveis do sistema onde surge a possibilidade da vida. Observar os coletores de cogumelo é perceber as costuras do capitalismo global, o mesmo pode acontecer ao observar a atividade cartonera.
As editoras cartoneras possuem um modo de organização e produção não capitalista. Formadas por uma multiplicidade de atores não existe uma hierarquia entre eles, todos os integrantes do coletivo conhecem todos os processos de fabricação de livros, desde a impressão, confecção das capas até participação em palestras e oficinas de livro (Braga, 2014). O protagonismo é dos catadores de material reciclado, responsáveis pela retirada desse material (papelão) do lixo e sua transformação em livro.
Em 2001 a Argentina passava por uma grave crise econômica e política gerando um alto índice de desemprego no país que chegou a declarar moratória e uma grande insatisfação popular diante das medidas tomadas pelo governo, entre elas o “corralito” que buscava evitar a retirada de depósitos em contas correntePosts e poupança estabelecendo um limite de retirada semanal. A insatisfação popular mobilizou uma série de protestos e manifestações a favor do impeachment, o espaço urbano foi transformado em espaço de manifestações e assembleias. As revoltas sociais e o conflito violento com a polícia culminaram por decretar estado de sítio suspendendo todas as garantias constitucionais dos cidadãos. A intensa manifestação popular acabou causando a renúncia do presidente eleito Fernando de la Rúa. Segundo Vilhena (2016) essa crise representa o esgotamento da política econômica vigente, o de acumulação capitalista neoliberal.
(Leia o artigo completo em PDF).
Recebido em: 20/03/2021
Aceito em: 15/04/2021
[1] Doutora, pesquisadora do Laboratório de Design e Antropologia (LaDA) da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Esdi/Uerj). E-mail: carolinanoury@gmail.com
A rexistência das editoras cartoneras: criando outras formas de habitar o mundo
RESUMO: O impacto das atividades de alguns humanos na Terra causa(ra)m uma desordem ecológica e uma crise ambiental ameaçando a aniquilação da vida de espécies humanas e outras que humanas. Essa época de catástrofes marca o início de uma nova época geológica, o Antropoceno. Mais do que nunca, diante desse momento de devastação é preciso criar outros meios de pensar e agir, lembrando a máxima de Isabelle Stengers e Vinciane Despret, “think we must! We must think”. Nesse ensaio me proponho a pensar-com os núcleos cartoneros, sobretudo através do coletivo Dulcinéia Catadora, a partir de suas práticas e formas de organização, outros modos de (r)existir. Uma prática simpoiética caracterizada pelo fazer-com, uma produção coletiva que reúne uma multiplicidade de atores valorizando a criação de laços e afetos gerando formas responsivas de com-viver. As teias cartoneras rompem com a lógica colonialista capitalista nos mostrando a possibilidade de outras formas de habitar o mundo. Assim, o livro com capa de papelão pintada à mão apresenta uma estética da coletividade e cria uma teia de conexões em que o fazer coletivo ajuda a pensar os desafios sociais contemporâneos e outros modos de habitar o mundo.
PALAVRAS-CHAVE: Editoras cartoneras. Prática de rexistência. Dulcinéia Catadora.
The rexistence of cardboard publishers: creating other ways of inhabiting the world
ABSTRACT: The impact of the activities of some humans on Earth causes an ecological disorder and an environmental crisis threatening the annihilation of the life of human and other than human species. This era of catastrophes marks the beginning of a new geological era, the Anthropocene. More than ever, in the face of this moment of devastation, it is necessary to create other ways of thinking and acting, remembering the maxim of Isabelle Stengers and Vinciane Despret, “think we must! We must think”. In this essay, I propose to think with the cardboard centers, especially through the collective Dulcinéia Catadora, from their practices and forms of organization, other ways of (r)existing. A symppoetic practice characterized by doing-with, a collective production that brings together a multiplicity of actors valuing the creation of bonds and affections, generating responsive ways of living. The cartoner webbed break with the capitalist colonialist logic showing us the possibility of other ways of inhabiting the world. Thus, the book with a hand-painted cardboard cover presents an aesthetic of the collective and creates a webbed of connections in which collective action helps to think about contemporary social challenges and other ways of inhabiting the world.
KEYWORDS: Cardboard publishers. Rexistence practice. Dulcinéia Catadora.
NAURY, Carolina. A rexistência das editoras cartoneras: criando outras formas de habitar o mundo. ClimaCom – Coexistências e Cocriações [Online], Campinas, ano 8, n. 20, abril. 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-rexistencia-das-editoras-cartoneras