Zona de Contágio: uma ciência da coexistência para o tempo das catástrofes | Alana Moraes e Henrique Z. M. Parra


Alana Moraes [1]

Henrique Z. M. Parra [2]

 

Uma ciência da coexistência para o tempo das catástrofes

No fim de 2008, Isabelle Stengers lança um pequeno livro manifesto cujo título prenunciava os tremores da década por vir: “No tempo das catástrofes” (2015). Naquele momento, o mundo atravessava mais uma crise financeira e a catástrofe predatória do capitalismo financeirizado revelava ao mundo como as dinâmicas financeiras atuam como um “predador liberado de qualquer obrigação” (Stengers, 2015, p.8). Em meio à turbulência planetária, o aumento escandaloso da desigualdade, e as abundantes evidências das alterações climáticas, Stengers não deixou de prenunciar que, mesmo diante da “crise” e suas “verdades inconvenientes”, as forças que organizam o extrativismo permanente não poupariam esforços para neutralizar o acontecimento e retomar os esforços de mobilização para a reconstrução e do crescimento. Também Naomi Klein vem falando sobre a ideia de um “capitalismo do desastre” para compreender as ofensivas que reconfiguram radicalmente nosso mundo depois de eventos críticos. Contando com um tecido democrático corroído, as crises abrem um momento elástico para que as forças dominantes apresentem “o desejo declarado por uma pureza intangível, por um espaço vazio onde construir uma sociedade-modelo constantemente reelaborada” (Klein, 2008: 30).

Pouco mais de uma década depois da crise de 2008, a pandemia provocada pelo vírus Sars-CoV-2 lançaria o planeta e seus viventes em mais uma suspensão geo-histórica. Desta vez, as evidências mais intangíveis da mudança climática, como a taxa crescente de CO2 ou a acidificação dos oceanos puderam ser substituídas pela experiência coletiva tangível e avassaladora da falta de ar. O problema da relação do humano com o mundo vivo deixa de ser um assunto de “ambientalistas catastrofistas” para se instalar agora nos baixos níveis de oxigenação do sangue e no pesadelo da asfixia, aliás, já experimentado há muito tempo por outras espécies e uma parcela significativa de humanos. Por outro lado, a reivindicação humana ambiental-paternalista impressa muitas vezes na ideia de “proteger a natureza” é finalmente deslocada pela constatação de que o que está em jogo mesmo é a sobrevivência do humano como espécie.

No entanto, uma vez mais, as forças operadoras da extração atuam para fazer do acontecimento um evento acidental, um pequeno desvio no curso irrefreável do capitalismo.

(Leia o artigo completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1] Alana Moraes é antropóloga e doutora pela UFRJ. E-mail: alana.ufrj@gmail.com. Pesquisadora do Pimentalab, da Rede Lavits e do coletivo Tramadora.

[2] Henrique Z. M. Parra é professor associado do Departamento de Ciências Sociais da Unifesp. E-mail: henrique@pimentatalab.net. Pesquisador do Pimentalab, da Rede Lavits e do coletivo Tramadora. O projeto “Zona de Contágio” [https://www.tramadora.net/zonadecontagio] contou com a preciosa colaboração das pesquisadoras Bru Pereira e Jéssica Paifer e com o apoio da Rede Lavits e Fundação Ford. Agradecemos a todos os pesquisadores que se aventuraram nessa empreitada da Zona de Contágio.

Zona de Contágio: uma ciência da coexistência para o tempo das catástrofes

 

RESUMO:  O artigo apresenta algumas questões que constituíram o percurso do Laboratório Zona de Contágio, uma experiência coletiva de pesquisa situada na pandemia do Covid-19 no Brasil, entre março e dezembro de 2020. O texto percorre discussões conceituais sobre o próprio fazer científico do laboratório e lança algumas hipóteses para pensar uma ciência da coexistência em tempos de catástrofes. A Zona de Contágio surge da urgência de refletir, da perspectiva de corpos em regime de confinamento doméstico, como poderíamos rastrear a paisagem produzida pelo acontecimento pandêmico: um evento que conecta de forma interescalar e imediata nossos corpos aos circuitos planetários de patógenos, mas também às formas desiguais e neocoloniais de distribuição do risco. Refletimos sobre a coexistência como fazer ontoepistemológico, experimentações de outros modos de conhecer.

PALAVRAS-CHAVE: Comum. Pandemia. Experimentação. Catástrofe. Coexistência. Laboratório.

 

Contagion Zone: a science of coexistence for the time of catastrophes

 

ABSTRACT: The article presents some questions that constituted the course of the Contagion Zone Laboratory, a collective and situated research experience in the Brazilian Covid-19 Pandemia, between March and December 2020. The text goes through conceptual discussions about the laboratory’s own scientific work and launches some hypotheses to think about a science of coexistence in times of catastrophes.The Contagion Zone arises from the urgency to reflect, from the body’s perspective in a domestic confinement regime, how we could track the landscape produced by the pandemic event: an event that connects our bodies in an inter-scale and immediate way to the planetary circuits of pathogens, but also to the unequal and neocolonial forms of risk distribution. We reflected on the coexistence as an ontoepistemological experimentation of others modes of knowing.

KEYWORDS: Common. Pandemia. Experimentation. Catastrophe. Coexistence. Laboratory.

 

 


MORAES, Alana Moraes; PARRA, e Henrique Z. M. Zona de Contágio: uma ciência da coexistência para o tempo das catástrofes. ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8,  n. 20,  Abril de 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/zona-de-contagio/