Vida | Tiago Amaral Sales
Título | Vida
O que pode um corpo em contato com outros corpos? Quantos atravessamentos são possíveis no encontro entre um humano e um terreno qualquer, algumas plantas daninhas em um dia banal? É com estas provocações que emerge “Vida”, em um devir-com os seres vegetais, consistindo em uma narrativa composta por seis fotografias e uma breve escrita mobilizada a partir dos afetos engendrados na porosidade que percorreu o corpo do autor no começo do outono de 2022. O caminhar permeado pelo encontro pelas plantas compõem a produção de um território em que se reconhece a vida que emerge e urge em sua existência sutil e visceral, possibilitando o próprio reconhecimento enquanto ser vivente.
| FICHA TÉCNICA |
AUTOR | Tiago Amaral Sales
CURRÍCULO | Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (INBIO/UFU). Mestre e Doutor em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED/UFU). Integrante do UIVO – Matilha de estudos em criação, arte e vida (UFU) e do GPECS – Gênero, corpo, sexualidade e educação (UFU).
CONTATO | tiagoamaralsales@gmail.com
TELEFONE | (34) 991415396
Vida
“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, mas sei que o universo jamais começou. […] Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?”
Clarice Lispector – A hora da estrela
Hoje acordei bem cedo. O corpo rangia, como nos demais dias. Parecia que faltava vontade, como nos demais dias. Forçar a se levantar, sair da cama, comer algo, como todo dia. Pouco a pouco, o desejo de viver mais um dia começava a me movimentar. Geralmente é assim: demora um pouco. Abrir o computador, ver os e-mails, começar os trabalhos. Ainda cedo, saí de casa e, próximo a ela, passei em frente a um terreno vago. Não direi que ele foi abandonado pelos humanos, pois não foi. Está cercado, fechado: é mais um espaço, dentre tantos outros, que movimenta a especulação imobiliária na minha cidade. Antes de ser fechado, uma pessoa em situação de rua lá morava, em um barraco construído com plásticos pretos e restos. Aquele terreno, nada abandonado, era um espaço ainda dos restos. Quem sabe, quando for vendido por altos preços, em um dia qualquer do futuro imobiliário, deixe de ser o lugar dos restos. Enquanto isso, está cercado e intensamente povoado por plantas e animais não humanos. Hoje, ao passar na sua frente, me encantei com as múltiplas flores que se abriam. Tinham cores variadas: azul, branco, amarelo, rosa. Alguns frutos também lá cresciam. A vida urgia e me contaminava. Era tão lindo… O dia está lindo, naquele momento mais ainda: céu azul, vento fresco, clima agradável e, naquele terreno, flores… Muitas flores… Não acho que elas queiram me dizer nada, seria muita pretensão e egocentrismo. Acho que, na verdade, eu que queria lhes dizer algo, ou apenas cumprimentá-las, reconhecê-las e, também me reconhecer vivo com aquele encontro em um lugar qualquer. Não precisava de mais nada, era aquilo. Eu disse sim.
SALES, Tiago Amaral. Vida. ClimaCom – Ciência. Vida. Educação [online], Campinas, ano 10, n. 24, abr. 2023. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/vida/
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