Um navio mundo ou um mundo de navios? | Marta J. Zapata Chavarria

Título | Um navio mundo ou um mundo de navios?

“Trazer dentro dados da memória que sirvam de códigos de instrução para a construção. Plantar um novo futuro” (Ju andina )

“A tempestade retardante derrubou escapes. Voa!” (Silvana Sarti )

Navegamos pelo mundo, ou é o mundo o que nos leva pelos seus afluentes?

O que acontece quando o nosso navio é trocado por outro, quando não conseguimos sair dele, quando é uma outra pessoa quem define o nosso rumo?

O Malcom Ferdinand na sua obra “Uma ecologia decolonial. Pensar a partir do mundo caribenho” (2022), traz uma série de indagações sobre os barcos onde navegam as nossas vidas, os barcos negreiros que arrebataram os nossos e as nossas ancestrais da África para o “novo mundo”. Apresenta num dos seus capítulos um navio mundo: a política do encontro, o qual movimentou o meu ser artístico e as experiências das mesas de trabalho da disciplina Arte, Ciência e Tecnologia, com a professora Susana Dias. E foi assim que com as ferramentas que tinha preparei dezoito barcos de papel (de revista científica1) e dezoito bandeirinhas com os nomes dos dezoito barcos que o Ferdinand traz na sua obra. Uma vez prontos os barcos, marquei palavras aleatórias que me chamavam pela sua conexão com a leitura e as reflexões que o livro tinha gerado em mim.

Dezoito barcos de papel e dezoito bandeirinhas navegaram na minha bolsa até a sala de aula do Labjor, ficaram encalhados numa mesa, do lado de um frasco com terra, uma terra que viajou de mão em mão, que ficou espalhada pela sala toda e que não voltou idêntica ao recipiente de onde saiu. Aquelas mãos marcadas pela terra tomaram cada um dos barcos e se mostraram ao mundo, barcos e mãos navegando pelo espaço, palavras e imagens em movimento, trocando de lugar, de ideias, havia barcos que passavam por todas as mãos e havia outros que ficavam em uma mão só, todos navegando sem nome, sem bandeira.

Chegou o momento do encontro falou uma voz, e cada mão foi dando bandeira/nome a cada barco, muitas palavras fortes, bandeiras que foram rápido para os barcos e outras que foram ficando sozinhas na mesa, Paraíso, Gaia, Noé, Sol da África, A tempestade, Negre, Baleine, Justice, Planter, Corpo santo e almas, Wanderer, Espérance, Escape, Rencontre, Cavendish, Wildfire acharam lugares de encontro sem maior dificuldade, enquanto Caçador, e  Conquistador, ficavam na mesa atè que alguma mão encontrou eles e os reencontrou com dois barcos.  Os encontros começaram a se manifestar, cada barco com um nome, navegando, por mais terrível que fora a sua descrição e as suas imagens, com dor, com alegria, com raiva, com compaixão, cada barco podia ser nomeado, se escutavam gritos desde o mais profundo: derruba esse barco, taca fogo em ele.  O coletivo2 manifestou-se

A força do jogo

o movimento coletivo

os modelos acadêmicos impostos pela Europa

afunda esse barco!

a dificuldade de respirar dentro do porão

mesmo os que estão no convés do porão, estão no porão

um professor de filosofia chorando ante a imagem de muitos dentes

sangue

corpo

derruba esse barco!

são poucas coisas que distanciam o bom do mal paraíso e conquistador de perto

uma proposta interespécie/intraespécie

a esperança de que um barco também é uma boca não se silenciar

dar um nome

comunicação sonora

saber construir partindo do que já temos

um escape

um encontro

um reencontro

África como uma reserva de energia vital.

 

Bibliografia

FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial – pensar a partir do mundo caribenho. Ubu. 2022.

KILOMBA, Grada. Memorias da Plantação, episódios de racismo cotidiano. Editora de livros Cobogó. 2021.

| FICHA TÉCNICA |

Concepção | Marta J. Zapata Chavarria

Coletivo da mesa de trabalho | Ana Clara Silveira do Carmo, Carolina Cantarino Rodrigues, Fernanda Mariath Amorim Wester, Fernanda Priscilla Capuvilla, Izabel Maria Barral Teixeira, Juliana Andina Batista, Mariana Vicente Zilli, Marta Judith Zapata Chavarria, Natália Aranha de Azevedo, Pedro Augusto Dias Lima Moreira Santos, Silvana Sarti Silva, Susana Dias, Vinícius Tironi Galhardo, Ursula Steffany Rodrigues Faustino, Wallace Franco da Silva Fauth

Disciplina | Arte, ciência e tecnologia, oferecida por Susana Dias no PPG Divulgação Científica e Cultural do Labjor-IEL-Unicamp

 

 

CHAVARRIA, Marta J. Zapata. Um navio mundo ou um mundo de navios?.ClimaCom – Desastres [online], Campinas, ano 10, nº. 25. nov. 2023. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/um-navio/

SEÇÃO ARTE | DESASTRES | Ano 10, n. 25, 2023

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