Sonho | Ernesto Bonato | ClimaCom


Sonho | Ernesto Bonato

Título | Corpos e(m) movimento(s) na escola

‘Sonho’ reúne filmes, objetos e desenhos feitos por Ernesto Bonato entre 2021 e 2023. O filme que dá o nome a mostra, realizado em colaboração com o artista João Machado trata da experiência do tempo, da memória, da perda e do encontro de si e do outro através de imagens da água, do fogo, do céu e da noite, do corpo em movimento e estático. O filme vale-se da prática da performance, da meditação zen e do taijiwujigong, para propor uma experiência ativa e imersiva com o interagente, convidando-o a entrar em estado meditativo. A segunda série de vídeos (Sonho – Deambulo) foi sendo postada no Instagram do artista (@bonatoernesto) desde 4 de dezembro de 2022 até o presente e se constitui em um experimento originalmente criado para aquele meio, a partir de filmagens e fotografias feitas com o celular, de situações cotidianas encontradas pelo artista em seus percursos no tempo e no espaço. Na exposição, os vídeos foram vistos simultaneamente em 5 telas de 7 polegadas, como porta-retratos digitais, que evocam a memória e estados de presença e esquecimento, de sofrimento e redenção. O vídeo-objeto ‘Kintsugi’ associa um vídeo, uma música e um objeto em torno da ideia de falta e completude, de fissura e reparo, de doença e cura. A música foi composta pela violoncelista e compositora holandesa Chieko Donker Duyvis especialmente para essa obra. Os desenhos à carvão, feitos em 2021, também remetem ao ambiente do sonho como processo restaurador, regenerador e criador. ‘Silêncio: O velho agoniza. O novo ainda dorme’ é a frase escrita em um desenho à nanquim do início de 2021 e que abre a exposição. Seu caráter premonitório nos convida novamente a refletir sobre o tempo e sobre o vão existente entre o não ser e o vir a ser. A obra ‘Nigredo’, constituída de um travesseiro usado por anos pelo artista, imerso em uma bacia cheia de tinta nanquim, foi se transformando ao longo de um mês, sendo povoada por inúmeros micro-organismos, larvas e insetos que passaram a desenhar nas bordas da bacia um emaranhado de traços que lembram espinheiros, ou paisagens oníricas. Essa obra fala sobre a possibilidade de transmutação através do mergulho naquilo que é escuro e denso em nós. A obra ‘O sonho da pedra’, é constituída de três objetos que partem do antagonismo entre peso e leveza, opacidade e brilho, luz e escuridão, liso e áspero, mole e duro, curvo e reto e com isso, vida e morte, sono e vigília, consciente e subconsciente, corpo e energia vital. ‘Lume’ é a obra que corporifica símbolos que aparecem no filme ‘Sonho’ e de certa forma, o completa. Essência, lume precioso, purifica e purificado pela queima de tudo o que podia ser queimado. O conto ‘Sonho’, de Ernesto Bonato e o poema ‘Moradas de Ar’ de Ulysses Bôscolo, impressos em um cartaz junto com um detalhe de um desenho à carvão não presente na exposição é considerado pelo artista como uma das obras da mostra, conectando, de certa forma, todos os elementos ali presentes.

 


| FICHA TÉCNICA |

Ficha técnica das imagens

01 | Lume – Madeira e bronze. 33,3 x 29,5 cm. 2023

02 | Kintsugi – Vídeo/objeto (madeira, cerâmica, ouro, tela de vídeo e áudio-vídeo). 2023

03 | Kintsugi (detalhe) – Vídeo/objeto (madeira, cerâmica, metal, tela de vídeo e áudio-vídeo). 2023

03B | Kintsugi (detalhe) – Vídeo/objeto (madeira, cerâmica, metal, tela de vídeo e áudio-vídeo). 2023

04 | Cena da exposição ‘Sonho’ com as obras ‘O sonho da pedra – 1, 2 e 3’ e ‘Sonho (Perâmbulo) 1, 2, 3, 4 e 5 – Caixa de madeira, carvão, travesseiro, pedra, folha de ouro. 95 x 65 cm. 2023. Tela de vídeo e vídeo, 2023.

05 | O sonho da pedra 1 (detalhe) РCaixa de madeira, carṿo, travesseiro, pedra, folha de ouro. 95 x 65 cm. 2023.

06 | O sonho da pedra 2 (detalhe) РCaixa de madeira, carṿo, travesseiro, pedra, folha de ouro. 95 x 65 cm. 2023.

07 | O sonho da pedra 3 (detalhe) РCaixa de madeira, carṿo, travesseiro, pedra, folha de ouro. 95 x 65 cm. 2023.

08 | Nigredo – Bacia de alumínio, travesseiro, nanquim. 60 cm de diâmetro. 2023.

09 | Nigredo (detalhe) – Bacia de alumínio, travesseiro, nanquim. 60 cm de diâmetro. 2023.

10 | Nigredo (detalhe) – Bacia de alumínio, travesseiro, nanquim. 60 cm de diâmetro. 2023.

11 | Vista da exposição ‘Sonho Ernesto Bonato’ na Vila Mandaçaia Projetos, São Paulo, em setembro de 2023.

12 | Sonho – Desenhos à carvão s/papel, caixa de madeira e vidro. 210 x 100 cm. 2021.

13 | Sonho (detalhe) – Desenhos à carvão s/papel, caixa de madeira e vidro. 210 x 100 cm. 2021.

14 | Sonho (Perâmbulo) 4 – Tela de vídeo e vídeo. 12,4 x 17,8 cm. 2023.

15 | Sil̻ncio РTinta de desenho s/ papel, caixa de madeira e vidro. 60 x 80 cm. 2021

16 | Cena do filme ‘Sonho’ de Ernesto Bonato e João Machado. 2023.

17 | Cena do filme ‘Sonho’ de Ernesto Bonato e João Machado. 2023.

18 | Cena do filme ‘Sonho’ de Ernesto Bonato e João Machado. 20 minutos. 2023.

19 | Cena de um dos vídeos da obra Sonho (Deambulo) 1. 12:33 minutos. 2023.

20 | Reflexo do título da exposição ‘Sonho’ na parede interna da Mandaçaia Projetos. 2023.

 

Sonho

Um filme colaborativo de Ernesto Bonato e João Machado. 20 minutos. Brasil, 2023

Argumento, Roteiro, Performance, Trilha sonora, Montagem| Ernesto Bonato

Direção, Fotografia, Máscara| João Machado

Filmagem, Som e Cenário| João Machado e Ernesto Bonato

 

Kintsugi

Vídeo que faz parte do vídeo objeto ‘Kintsugi’. 4:18 minutos. Brasil. 2023

Roteiro, direção, montagem e efeitos| Ernesto Bonato

Câmera| Tatiana Plens

Música original| Chieko Dunker Duyvis

 

Sonho (Deambulo) 1

Filmagem e montagem| Ernesto Bonato 12:33 minutos. Brasil. 2023.

 


 

Artista independente

E-mail| bonato.ernesto@gmail.com

Telefone| (11) 98672 7008

Ano | 2023

 

 

 

 

 

Sonho

Kintsugi

Sonho (Deambulo) 1


Conto  ‘Sonho’

Ernesto Bonato

‘Daydream, why do you haunt me so / Deep in a rosy glow / The face of my love you show’.

(Billy Strayhorn, Duke Ellington, John La Touche)

‘Este (Chuang Tzu), há uns 24 séculos, sonhou que era uma borboleta e não sabia, ao acordar, se era um homem que tinha sonhado ser uma borboleta ou uma borboleta que agora sonhava ser um homem’.

(Jorge Luis Borges. Nova refutação do tempo)

‘A natureza aprisionou árvores inteiras na imaginação de uma semente’.

‘Teu sonho é a mata inteira. De teu espírito floresce cada coisa, brota tudo, existe onça, canta ave a alegria mais afinada.’ (Valter Hugo Mãe. As doenças do Brasil)

 

Dentro da mata, imersos na neblina, sentia que estavam unidos de uma forma como nunca haviam estado antes, mansamente, silenciosamente, numa alegria por fazerem parte, juntos, daquele todo vivo respirante, consciente, amoroso. Seu olhar, de tempos em tempos, procurava o dela, seguia-o para descobrir, surpreso, algo que ela mesmo percebia naquele instante, quieta. Ele voltou eufórico daqueles dias imersos na floresta. Algo havia mudado profundamente, algo havia sido curado ou começara a ser curado nele. Uma semana depois, ele abria os olhos, de manhãzinha, ainda deitado na cama, para encontrar os olhos dela, seu sorriso e um beijo de despedida. Ela disse que retornaria em poucos dias e saiu. Ele voltou a dormir tranquilo. Ela não retornou antes que se passasse um longo tempo. Quando ela voltou vinha sem o sorriso, sem o beijo. As pequenas fissuras quase imperceptíveis, eram agora uma fenda clara. Por ela, tudo o que se vertia se perdia. O que parecia antes bastar já não era mais suficiente. Tempos depois, conseguiram fazer da separação um símbolo. Em torno da lagoa verde, numa cidade estranha, descreveram, juntos, um círculo pela primeira e última vez e se deram o último abraço e tentaram o último beijo. Ao final, sentaram lado a lado num banco de jardim diante da lagoa, mas foram interrompidos por um grupo de fotógrafos amadores que pediram para fotografá-los, pois eles eram, nas palavras deles, ‘a imagem perfeita de um casal enamorado’. Eles se entreolharam com um sorriso triste. Depois choveu. Semanas depois, ao voltar de viagem, encontrou a casa despida daquilo que era dela, os armários vazios, a cama sem um dos travesseiros. Na casa vazia vivia uma ausência mórbida. Para ele, ficar ali era custoso. Passou a perambular pelas ruas, estradas, caminhos, quilômetros por dia, como num sonho – ‘daydream, I walk along on air’, cantarolava – e às vezes acontecia de presenciar algo que o tocava profundamente. Depois de algum tempo ele passou a filmar essas pequenas cenas e chamá-las de nomes como ‘Só’, ‘A indiferença da pedra’, ‘A visita do sol’, ‘Fenda’, ‘Berço cinza’, ‘Deriva’, ‘Coração’, ‘Ainda’, ‘Deságue’, ‘Uma linha tênue’, ‘Coroa’, ‘Fratura’, ‘Sinal’, ‘Sonho’… Aos poucos, o jardim de sua casa, que era tão bonito, secou e morreu. Tempos depois, ele ganhou de uma velha amiga um kit de kintsugi. Achou curioso o presente, sem compreender o seu significado. Passados mais alguns meses ganhou de um outro amigo ceramista uma xícara que havia rachado com o calor do forno. Também recebeu esse presente com gratidão, mas sem entender novamente o seu significado. Depois, em casa, começou a derramar água nessa xícara e ela nunca ficava cheia porque a água sempre escorria pelas rachaduras. Sem saber bem por quê, ele continuava diariamente a derramar água nessa xícara para ver a água escorrer pelas rachaduras. Um dia entendeu o significado do presente da amiga, que já antecipava o presente do outro amigo e tudo fez sentido. Resolveu restaurar a xícara utilizando a técnica do kintsugi. A partir de então, ao verter a água na xícara, a água não se perderia mais. Considerou que essa descoberta merecia uma música e pediu à filha da velha amiga, uma jovem violoncelista, para compor um improviso. No jardim ressecado, das poucas plantas que preservaram o seu verdor, restavam as bananeiras que ele havia plantado e desenhado à carvão anos antes. Outra amiga dele um dia explicou que as bananeiras são usadas nos círculos de águas cinzas para transformar os poluentes em nutrientes e água limpa e que ‘a bananeira nos ensina que é possível atravessar o sofrimento sem danificar os tecidos, abrindo trilhas e gerando flores nas aberturas do coração’. Ele viu que sua casa estava rodeada com aquelas bananeiras que ele mesmo havia plantado e sentiu que um novo jardim poderia crescer ali com o tempo. Como a bananeira, aos poucos, a imagem da mulher, do sagrado feminino, foi tornando-se mais querida para ele e, como uma planta, começou a se desenvolver numa espiral delicada e verde no seu ser. Passou a ver o que não via, a sentir o que não sentia e quando se deu conta estava dançando e a dança passou a fazer parte da sua alegria. Numa manhã de sol despertou suavemente, tão suavemente que ficou um tempo entre dormindo e acordado, entre sonhando e desperto e nesse vão de consciência viu um amor amarelo brotar em seu peito como uma flor de ipê. Como estava de olhos fechados, sentiu um sol amarelo banhar as suas pálpebras. Plantou esse amor em seu peito e o derramou em todas as direções.

BONATO, Ernesto. Sonho. ClimaCom – Desastres [online], Campinas, ano 10, nº. 25. nov. 2023. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/sonho/

 


 

SEÇÃO ARTE | DESASTRES | Ano 10, n. 25, 2023

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