The Golden Record [O Disco de Ouro]. Ou da impossibilidade de explicar “nosso” mundo aos alienígenas
Por Sebastian Wiedemann
Em 1977, duas naves, Voyager 1 e 2, saem da Terra com destino ao espaço interestelar. Ambas levam uma mensagem, num disco de ouro, que explicaria “nosso” mundo aos alienígenas. Parte da mensagem estaria dada por 116 imagens que, supostamente, sintetizariam nossa antropogênese.
Pouco podemos dizer do que acontecerá quando O Disco de Ouro chegar às mãos alienígenas. Mas podemos, sim, aqui destacar o que este gesto-artefato faz ou nos força a pensar. O Disco de Ouro expõe uma síntese dupla. De um lado, certa ideia de homem totalizante recoberta de uma aparente diversidade cosmopolita e aliada à noção de progresso, e, do outro, a imposição da imagem como regime de verdade.
Pode a imagem dar conta do humano? Como fazer dela uma superfície de passagem onde o humano seja abertura a encontros efetivos e não só uma clausura identitária que fixa e replica a dicotomia natureza-cultura? Apostar que a imagem é um processo aberto e construtivo e que, portanto, não está dada ou pode ser ilustração de algo, mas, sim, dispor-se à potência de encontro. Mas por que começar pelo encontro mais improvável ou mais distante no tempo-espaço, um encontro interestelar? Não poderíamos afirmar que alienígena é todo aquele que é radicalmente diferente de nós e que de fato problematiza a própria noção de “nós”, por nos abrir às forças do outro do outro? E ao mesmo tempo esse outro, esse alienígena, não colocaria a imagem num processo de variação constante, em que se ela é uma superfície expressiva do humano, seria então processo heterogêneo de possibilidades de “nós”? O certo é que a Terra está povoada de alienígenas e uma vontade efetiva de encontro com o outro, e não só de domínio, o que faria com que O Disco de Ouro fosse compartilhado ainda dentro desta mesma atmosfera, ainda dentro deste mesmo continente e país. Por que esperar por um contato interestelar? Quem sabe devamos escutar e ver juntos – aqui mesmo na Terra que já é também terra alienígena – O Disco de Ouro como gesto-artefato cosmopolítico antes que cosmopolita. Gesto-artefato desmontável, reinventável, recompossível, e com ele a imagem, para que no caso de os alienígenas interestelares responderem, estejamos à altura de um encontro e um “nós” que exceda nossa imaginação.
Em tempos de Gaia, pensar a imagem é antes de tudo problematizar o humano.
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