Por Ana Godoy
Muitas vezes, para entender e dimensionar os desafios enfrentados pelos pesquisadores, é preciso estar atento não apenas à literatura produzida sobre determinado tema, mas a multiplicidade de ações de pesquisa, instituições, técnicas, tecnologias e pesquisadores que ele envolve, e que a literatura torna visível na forma de dados, argumentos e recomendações.
Quanto se trata de ecossistemas e biodiversidade e de sua relação com as mudanças climáticas, é preciso ter em mente que aquilo sobre o que os pesquisadores se debruçam não é um objeto inerte. Ao contrário, é justamente sua vitalidade variável que exige deles e das instituições que se associem, isto é, que articulem diferentes recursos e modos de perceber e pensar as espécies no meio. Nesse sentido, a amplitude dos biomas e a complexidade das relações envolvidas em cada espécie considerada encontra correspondência numa igualmente ampla rede de pesquisadores, formações, equipamentos e abordagens. Juntos, eles compõem o conjunto de recursos, questões e procedimentos implicados na qualidade maior ou menor dos dados obtidos e do conhecimento produzido, permitindo aos pesquisadores esboçar um cenário capaz de subsidiar planos de ação voltados para a conservação.
Um exemplo valioso da complexidade deste tipo de pesquisa é o capítulo 4 do livro Cenários para Amazônia. Lançado em 2014, o livro é resultado do projeto de mesmo nome iniciado em 2009 e que contou com o apoio de inúmeras instituições (INPA, INPE, Museu Emilio Goeldi, MTI e Finep), reunindo dezenas de pesquisadores e técnicos, alguns já há muito reconhecidos em seus campos de pesquisa, outros, iniciando suas trajetórias. Intitulado “Instabilidade climática e diversificação de espécies na Amazônia”, o capítulo apresenta o resultado do trabalho de 20 pesquisadores provenientes de diferentes instituições e em diferentes etapas de seu processo de formação cujo interesse comum é um ramo da zoologia: a ornitologia.
Assim, tendo aves como principais informantes, a pesquisa, conduzida por Alexandre Aleixo, coordenador de ações do Museu Paraense Emílio Goeldi no âmbito do projeto Cenários e também coordenador da sub-rede Ecossistemas e Biodiversidade da Rede Clima (INPE), juntamente com alguns orientandos e ex-orientandos seus e um vasto grupo de pesquisadores, selecionou 20 espécies/linhagens sobre as quais há estudos genéticos. Tais estudos permitem reconstruir a história evolutiva de cada uma das espécies na região amazônica e a estimativa do nicho ecológico potencial no presente e no ultimo máximo glacial (compreendido entre 19.000 – 20.000 anos até o presente).
Ao acompanhar os mapas resultantes dos modelos elaborados, é possível estimar onde, potencialmente, estas espécies/linhagens viviam – ou seja, onde havia florestas úmidas de terra-firme –, se se diversificaram muito ou pouco (ramificação produzida na linhagem ao longo da sua história evolutiva), se a diversificação é recente ou não, e como as variáveis temperatura e umidade impactaram e impactam esse processo. Estas informações nos dizem qual o grau de estabilidade climática das diferentes regiões da Amazônia em épocas diversas (janelas de tempo) e, portanto, quais foram e são mais vulneráveis às mudanças climáticas, oferecendo condições pouco favoráveis para a diversificação de espécies e a não extinção.
Com base nesses estudos, os pesquisadores mostram a correlação entre diversificação biótica e estabilidade climática na Amazônia. Atualmente, de acordo com a pesquisa, a região mais vulnerável corresponde ao “arco-do-desmatamento”, uma vez que “nela convergem os vetores da vulnerabilidade natural às mudanças climáticas e aquele de intenso uso da terra”.
As informações “fornecidas” pelas aves passam a compor um banco de dados, oferecendo subsídios para ações de pesquisa, monitoramento e de desenvolvimento regional consistentes.
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