Abecedário de Criação Filosófica

O que cabe numa definição? Qual o limite entre o adequado e o impossível de uma palavra? Por quantos caminhos pode vagar um conjunto de letras antes de se definir numa classe gramatical ou em algum significado? São a questionamentos desse tipo que a leitura do livro Abecedário de Criação Filosófica, organizado por Walter Omar Kohan e Ingrid Muller Xavier, nos instiga. Publicado em 2009 pela Autêntica, o livro lança seus leitores a conexões impensadas com a proposta de pensar a filosofia, a escrita e o próprio pensamento como uma junção potente e aberta à criação. Para cada letra do alfabeto, uma palavra inicialmente bem alocada – territorializada em sua definição e significado – experimenta uma deriva a partir de pequenos ensaios de diferentes autores. A palavra, assim, vagueia por entre inúmeras direções, tantas quanto possíveis forem as conexões conjuntas criadas pelo autor e o leitor. A pergunta que se derrama, derradeira, durante a leitura, não poderia ser outra: afinal, quais palavras poderiam não caber num abecedário de filosofia que se propõe à criação? Quanta chuva, por exemplo, caberia, no espaço desse livro, numa nuvem de céu azul? Ou quanto sol caberia no olho de um furacão? Quanta vida poderia caber na palavra flor, ou quantas ausências suportaria a palavra dia? Quantas areias haveria num grão de mar, ou quantos climas suportariam novos modos de mover-se para o futuro? A própria letra C, que no Abecedário traz a palavra cabimento para ser filosofada, dá a dica para tais perguntas aparentemente sem resposta: os significados das palavras são como os fundos falsos das caixas – as metáforas fazem com que caiba aquilo que parecia não caber, e os pensamentos descabidos, aqueles que têm algo de excesso, podem vir a caber mais tarde. Mais ou menos como os grãos de areia, que na letra G nos convidam a estar nas margens do nosso próprio pensar, a pisar fora do rio consensual de ideias, do fluxo cotidiano dos sentidos e definições, a sentar na areia e deixar-se atravessar pela força da escrita e da filosofia, contaminando-as pelo pensamento com os muitos mundos possíveis. Um chamado à invenção: escrita-pensamento que se endereça ao ainda inexistente para com ele criar a ocasião de existir. Muitos outros para um mesmo de palavra, num quase perder-se em que ela delira: vira coisa, gente, pó, nada. E retorna menos palavra e mais matéria, aberta a qualquer cabimento.

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