Ruínas do Antropoceno e a escrita com as águas | Maria dos Remédios de Brito, Dhemersson Warly Santos Costa, Carlos Augusto Silva e Silva
Maria dos Remédios de Brito [1]
Dhemersson Warly Santos Costa [2]
Carlos Augusto Silva e Silva [3]
Inundar
O mundo contemporâneo se depara com uma série de desafios interconectados, que abrangem esferas sociais, climáticas, políticas, culturais e éticas. Diante desse cenário complexo, pensadores, cientistas e artistas têm se dedicado a analisar as condições do planeta, cunhando o termo “Antropoceno” [4] para descrever a época em que a ação humana, embora não de forma homogênea, transformou profundamente os sistemas geológicos e ecológicos da Terra (Costa, 2019).
O Sexto Relatório do IPCC (2022) adverte para a urgência de reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos próximos três anos, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5oC. Embora medidas como a adoção de energias renováveis, a preservação de florestas e o desenvolvimento de sistemas urbanos sustentáveis sejam apontadas como soluções viáveis, mas não suficientes, é fundamental que a ciência se alie à política, e ambas estejam atentas à Terra, para fomentar a justiça climática, reconhecendo que os impactos do colapso ambiental estão sendo distribuídos de forma desigual, afetando com maior intensidade os grupos mais vulneráveis, sobretudo na Amazônia.
A expressão “comendo o mundo pelas beiradas”, da música “Sonho” por Nação Zumbi, inspira a pensar sobre a voracidade com que as florestas amazônicas têm sido consumidas, ao passo que os sinais de alerta sobre as consequências se tornam cada vez mais nítidos. Como resposta a esse tempo de catástrofes (Stengers, 2015), intelectuais (Danowski; Viveiros de Castro, 2014; Tsing, 2015; Haraway, 2016; Brum, 2021) nos convidam a narrar histórias de mundos diversos, atentando para a multiplicidade de agentes – humanos e outro-que-humanos [5] – que coexistem nas “ruínas” legadas pelas sociedades capitalistas.
(Leia o ensaio completo em PDF)
[1] Professora da Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de Filosofia. Email: mrdbrito@hotmail.com
[2] Professor de Ciências Físicas e Biológicas SEMED/Altamira-Pará. Email: dhemerson-santos@hotmail.com
[3] Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia.carlosaugusto.s02@gmail.com
[4] O humano é considerado um agente geológico, visto que suas ações transformaram de tal modo os ecossistemas terrestres (como o clima, os ciclos biogeoquímicos, a biodiversidade e os recursos naturais), e essas alterações já podem ser observadas em registros geológicos (Costa, 2019).
[5] Como propõe Costa (2019), adotaremos o termo outros-que-humanos, em vez de não-humanos. Na visão da filósofa, a expressão “não humanos” parece estabelecer o conceito de “humano” como uma referência fixa, concebendo os outros seres unicamente a partir desse termo, como se fossem apenas sua negação (Costa, 2019, p.22).
Ruínas do Antropoceno e a escrita com as águas
RESUMO: Diante das ruínas do Antropoceno, é urgente instituir práticas capazes de engendrar um futuro distinto do colapso iminente, por meio de exercícios de atenção, de escuta, de apropriação sensorial, de viver junto, em um máximo de alteridade, entre humanos e outro-que-humanos, criando modos de interação menos hierárquicos e homogeneizantes, capazes de fomentar o pensamento para além do gesto de exploração. Como escrever com as águas da Amazônia diante da ruína do Antropoceno? Seria possível dizer que a água escreve? Ou, ainda, podemos escrever com as águas? Nesse sentido, se instaura gesto de atenção, de percepção pelo desejo de escrever a partir da presença das águas da Amazônia. Ao mesmo tempo, somos convocados a exercitar o corpo instrumentalizado a ser provocado por outras formas de ver o mundo. A escrita vem na forma de notas, pequenos registros em aberto, intercruzados por blocos de leituras, por entre autores, tais como: Anna Tsing, David Lapoujade, Gilles Deleuze e Félix Guattari, João de Jesus Paes Loureiro, Dalcídio Jurandir, Donna Haraway, Emanulle Coccia, entre outros autores que enfrentam a reflexão sobre a catástrofe, embora passem entre os fluxos do pensamento e da escrita mais do que referências. O ensaio nos conduz a pensar fortemente que não se pode só ficar espantado ou muito menos paralisado diante do cenário indesejado, mas que se construa logo outros modos de viver neste planeta, antes do fim do mundo.
PALAVRAS-CHAVE: Escrita com as Águas. Amazônia. Antropoceno.
Ruins of the Anthropocene and writing with water
ABSTRACT: In the face of the ruins of the Anthropocene, it is urgent to establish practices capable of creating a future distinct from the imminent collapse, through exercises of attention, listening, sensory appropriation, living together, in a maximum of alterity, between humans and other-than-humans, creating less hierarchical and homogenizing modes of interaction, capable of fostering thought beyond the gesture of exploitation. How can we write with the waters of the
Amazon in the face of the ruins of the Anthropocene? Would it be possible to say that water writes? Or, even, can we write with water? In this sense, a gesture of attention and perception is established through the desire to write from the presence of the waters of the Amazon. At the same time, we are called to exercise the instrumentalized body to be provoked by other ways of seeing the world. The writing comes in the form of notes, small open records, intersected by blocks of readings, by authors such as: Anna Tsing, David Lapoujade, Gilles Deleuze and Félix Guattari, João de Jesus Paes Loureiro, Dalcídio Jurandir, Donna Haraway, Emanulle Coccia, among other authors who face reflection on the catastrophe, although they pass between the flows of thought and writing more than references. The essay leads us to think strongly that we cannot just be astonished or much less paralyzed in the face of the undesirable scenario, but that we must immediately build other ways of living on this planet, before the end of the world.
KEYWORDS: Writing with the Waters. Amazon. Anthropocene.
BRITO, Maria dos Remédios de. COSTA, Dhemersson Warly Santos. SILVA, Carlos Augusto Silva e. Ruínas do antropoceno e a escrita com as águas [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ruinas-do-antropoceno-aguas/