Percepção e realidade


 

 

Márcio Barreto[1]

 

 

A percepção é uma experiência incompleta: assim a define o filósofo contemporâneo Renaud Barbaras, no sentido em que ela abre horizontes de novas experiências.

A rigor, a experiência da coisa no esboço reduz-se à possibilidade de prosseguir a experiência, de multiplicar as percepções com a garantia de que não haverá fim. […] A percepção teria, assim, um caráter transcendente, no sentido que excede as potencialidades que aparecem num primeiro plano que não esgotam a realidade daquilo que é percebido. Em suma, a coisa percebida não se apresenta ela mesma, conforme suas características próprias, naquilo que a manifesta: o esboço, ao mesmo tempo, desvenda e dissimula a coisa. Quanto à coisa, ela aparece como sua ausência, se apresenta como inapreensível (BARBARAS, 2011, p. 150).

Como fazem os instrumentos tecnológicos, os cinco sentidos captam informações da realidade que podem ser descritas, codificadas e registradas. Mas para se aproximar da absoluta apreensão da realidade, é preciso assumir as limitações desses sentidos e recorrer a outras formas de acesso ao real. A visão imediata indica que o Sol gira diariamente ao redor da Terra, mas o que os olhos captam associado àquilo que o telescópio revela modifica a percepção inicial e cada modificação traz possibilidades de novas modificações.

Quando Einstein postula que o espaço e o tempo formam um amálgama de quatro dimensões, a incompletude da percepção revela-se vertiginosa. O trecho abaixo foi extraído do prefácio do livro de divulgação científica de Arthur Eddington sobre a Teoria da Relatividade, a partir da qual a concepção de um espaço absoluto torna-se uma criação do pensamento que está em desacordo com a realidade.

Quando alguém nos pergunta se o universo a quatro dimensões não pode ser considerado simplesmente como uma ilustração do método matemático, devemos imediatamente pensar que nosso interlocutor tem provavelmente um sério motivo para nos colocar esta questão. Ele crê no universo euclidiano a três dimensões e ele espera que nós o autorizemos a não sacrificar sua crença. Neste caso, nossa resposta deve ser clara: o universo real a três dimensões caiu em desuso; deve ser substituído por um espaço-tempo quadridimensional com propriedades não euclidianas […]. O universo a quatro dimensões não é uma simples imagem; é o universo real do físico, ao qual ele chegou pelo método bem conhecido que a física tem sempre seguido em sua pesquisa sobre a realidade (EDDINGTON, 1921, p. 224).

Para Eddington, o que concebíamos como real até então era apenas uma invenção que, como seres lógicos, havíamos criado. A percepção direta do universo com um só olho tem uma aparência bidimensional; nossos dois olhos fornecem uma combinação dos aspectos que tomam o universo para um observador que pode ocupar todas as posições possíveis das regiões conhecidas do espaço. A fase seguinte é a combinação de todos os aspectos do universo para um observador que possa adotar todas as velocidades uniformes possíveis. “O resultado é a adição de uma dimensão suplementar ao universo que se torna, assim, um universo a quatro dimensões” (EDDINGTON, 1921, p. 224).

A mecânica de Newton apoia-se na geometria euclidiana, ou seja, em noções fundamentais – como ponto, plano e reta – que estão relacionadas aos objetos que percebemos no mundo exterior e com as quais constroem-se os axiomas ditos verdadeiros. “No entanto, a ideia expressa pela palavra verdade não convém às afirmações da geometria pura porque temos o hábito de designar esta palavra àquilo que corresponde aos objetos reais” (EINSTEIN, 1921, p. 02).

Quando a verdade geométrica tornou-se mais complexa e independente daquilo que concebemos como realidade sensível, a física alcançou novas possibilidades de tradução do real. A geometria de Riemann, na medida em que supera em complexidade a geometria euclidiana, impulsiona a física à superação dos conceitos newtonianos.

“Newton, verzeh’mir” (Newton, perdoe-me), escreveu Einstein em 1949 e assim prosseguiu: “…os conceitos que você elaborou doravante serão substituídos por outros que, mais distantes da experiência direta, nos permitirão chegar a uma compreensão mais profunda da realidade das coisas” (EINSTEIN, 1980, p. 76).

Apesar de explicar toda a mecânica do Universo, a teoria gravitacional de Newton não era suficiente para explicar uma pequena alteração na órbita de Mercúrio. Os cientistas anteriores a Einstein acreditavam que tal alteração devia-se à existência de algum planeta de dimensões pequenas ainda não descoberto. Após debater-se durante anos para formular matematicamente a Relatividade Geral, Einstein conseguiu explicar a anomalia da órbita de Mercúrio com a geometria do espaço-tempo quadridimensional, o qual se deforma pela presença dos corpos celestes.

Na Teoria da Relatividade Geral, não somente o espaço é modificado pelos corpos, mas o próprio espaço não existiria sem estes corpos. Podemos dizer que é a matéria que cria o espaço, ou seja, se o espaço fosse esvaziado de toda a matéria, ele próprio deixaria de existir. Quando nos referimos aqui a “espaço”, estamos nos referindo ao amálgama de espaço-tempo de quatro dimensões: as três dimensões do espaço ordinário acrescidas de uma dimensão temporal. Assim, não apenas o espaço desapareceria se o Universo fosse esvaziado de toda a matéria, mas também o tempo.

Einstein reconhece o distanciamento que os novos conceitos de tempo, espaço e gravidade tomam em relação à percepção direta que os sentidos fornecem, e mostra sua clara consciência de ter destruído o admirável edifício elaborado por seus predecessores, Galileu e Newton. A Relatividade escapa da simplicidade com que atribuíamos aos antigos conceitos um lastro na nossa experiência direta com os objetos reais. Como escreveu De Broglie,

Einstein nos obriga a abandonar a visão tradicional, desde Newton, da absoluta natureza do espaço e do tempo, estabelecendo entre estes dois elementos do esquema, nos quais nossas percepções estão ordenadas, uma inesperada relação totalmente contrária aos dados imediatos das nossas intuições (DE BROGLIE, 1949, p. 147).

De uma perspectiva lógico-matemática, o início do século XX é marcado pela desvinculação entre a noção de verdade e a realidade sensível. É neste contexto que Einstein percebe a potência da criação de uma verdade científica. É também neste contexto que se insere a geometria de Riemann, inacessível à experiência imediata dos nossos sentidos e fundamental na formalização da Teoria da Relatividade. Poincaré, na França, e H.G. Wells, na Inglaterra, difundiam, cada um a seu modo, a ideia de uma nova dimensão do espaço. O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, ao fazer a oposição entre causalidade e sincronicidade, argumentava:

Da mesma forma que a introdução do tempo como quarta dimensão na física moderna implica o postulado de um contínuo espaço-tempo irrepresentável, assim também a idéia de sincronicidade com seu caráter próprio de significado produz uma imagem do mundo de tal modo também irrepresentável (JUNG, 2000, p. 77-8).

Assistimos, assim, à passagem do mundo real que conhecíamos para a realidade descrita por uma geometria que desabona a experiência sensível daquele mundo. Durante a primeira década do século XX, com a geometria não euclidiana pouco conhecida e difundida, a noção de quarta dimensão se espalhou por centenas de jornais, revistas, artigos e romances. “Quando a Scientific American patrocinou um concurso de ensaios em 1909 para a melhor explicação popular da quarta dimensão, competidores acorreram de todas as partes do mundo” (TOMKINS, 2005, p. 69).

O público em geral parecia perceber que estavam ocorrendo enormes mudanças na compreensão do mundo físico e muitos artistas foram sensíveis ao desejo imanente de tentar captar o imperceptível. O cubismo de Picasso. Duchamp e Braque podem ser vistos na chave de uma arte conceitual, uma tentativa de pintar o que não se vê, mas que se sabe que está lá.

Representar um espaço-tempo a quatro dimensões evidentemente não é tarefa fácil. O universo de Einstein é curvo: podemos imaginar uma reta que fazemos curvar (como uma vareta envergada) ou um plano que adquire curvatura (como a vela de um barco que forma uma “barriga” pela ação do vento), mas como imaginar as três dimensões por nós conhecidas se “curvando”? Einstein impressionou o imaginário de sua época sugerindo a transcendência de uma visão ordinária do senso comum para um plano matemático imperceptível. Em 1939, na première de Limelight, Charles Chaplin e Einstein estavam lado a lado sendo aplaudidos por uma multidão: o primeiro, segundo suas próprias palavras, aclamado porque todos o compreendiam e o segundo porque ninguém o compreendia.

O editorial do New York Times de 28 de Janeiro de 1928, A Mystic Universe, deixa transparecer a perplexidade do senso comum diante das novas teorias:

A nova física está perigosamente no ponto de provar o que a maioria de nós não pode crer. […] A boa e velha física newtoniana, bem mais simples, já não era compreensível ao senso comum. Aparentemente, compreender a nova física era apenas para la crème de la crème dos matemáticos: não podemos captá-la com um pensamento contínuo (In: HOLTON, 1996, p. 179).

O fascínio por um universo existente para além da nossa percepção ordinária estendeu-se por todo o século XX, projetando paixões pela transcendência, não apenas da percepção, mas também de comportamentos e costumes. Neste sentido, talvez o período mais eloquente deste fascínio tenha sido o final da década de 1960, quando vários movimentos vanguardistas buscavam abrir as portas da percepção, como se dizia. As esperanças de captar da realidade aquilo que nos escapa e de que este alargamento no espectro perceptivo nos levaria a construir um mundo melhor foi a tônica da contracultura.

A conquista da Lua e as primeiras imagens da Terra, vista do espaço, pareciam reforçar a tendência de que novos pontos de vista mudariam nossa maneira de ver o mundo. Entre os místicos e esotéricos, brotavam expressões com inspiração na física relativística e relacionadas à ampliação da percepção, tais como: passagens inter-dimensionais, sexto sentido, entre outras.

O consumo de drogas alucinógenas foi impulsionado também pela ideia de que o cérebro humano seria subutilizado, ideia que, por sua vez, foi alavancada pelo mito de que o cérebro de Einstein seria uma exceção. Tais substâncias poderiam agir no sentido de facilitar a ampliação da percepção da realidade, mas essas expectativas foram frustradas. O fogo na guitarra de Jimi Hendrix em 1969, o festival de Woodstock e toda contracultura dos anos sessenta iam no sentido da transcendência dos limites da percepção.

O humano estava impelido a se modificar diante da concepção einsteiniana do universo quadridimensional. Hoje, o desejo de ampliação da percepção parece ter se reconfigurado. Ainda que as drogas desloquem a percepção de seus condicionamentos, ainda que as práticas esotéricas permitam acessos a níveis da realidade inusitados (como ocorre com os Dervixes no Sama, por exemplo), ainda que a arte torne visível o que, sem ela, não poderíamos ver, a ideia da obsolescência do humano como agente da consciência e da percepção do mundo real parece nos colocar diante de uma escolha que definirá o futuro do que chamamos de humano. A escolha, seja a de um corpo cibernético, a de uma mente digitalizada, ou qualquer outra, passará pela tecnologia, essa segunda natureza que emergiu com o desenvolvimento da inteligência humana.

A complexidade da questão não nos permite reduzir as escolhas que surgem a finitas opções, mas os rastros até aqui deixados pela evolução da técnica nos revela uma encruzilhada que exige uma decisão que antecede a própria decisão sobre qual caminho há de se seguir. É preciso perceber o que move o viajante, o sentido profundo de sua viagem. É preciso decidir se tecnicidade e sacralidade se distinguem ou se confundem. Como o futuro do humano passa pela tecnologia, a própria técnica deve ter seu sentido (re)orientado.

O homem moderno, ao mesmo tempo, da mesma maneira e pela mesma razão, degrada a tecnicidade e a sacralidade. Ele as degrada por utilizá-las numa situação de ansiedade, pois sente sua existência e seu prestígio ameaçados […] (SIMONDON, 2013, p. 80).

Em As duas fontes da moral e da religião (2000), Henri Bergson formulou com lucidez o desenvolvimento tecnocientífico orientado pelo descarte das virtudes das bases metafísicas da ciência, especialmente a partir da Revolução Industrial.

Se nossos órgãos são instrumentos naturais, nossos instrumentos são por isso mesmo órgãos artificiais. […] Porém, máquinas que […] convertem em movimento energias potenciais acumuladas durante milhões de anos, vieram dar ao nosso organismo uma extensão tão vasta e uma potência tão formidável, tão desproporcional à sua dimensão e força, que certamente nada disso havia sido previsto no plano estrutural de nossa espécie: foi um acaso único, a maior conquista material do homem no planeta. […] Ora, nesse corpo desmesuradamente aumentado, a alma continua o que era, demasiado pequena agora para enchê-lo, muito frágil para dirigi-lo. Daí o vácuo entre o corpo e a alma. Daí os terríveis problemas sociais, políticos, internacionais, que são outras tantas definições desse vazio e que, para enchê-lo, provocam hoje tantos esforços desordenados e ineficazes: para isso seriam necessárias novas reservas de energia potencial, mas agora de natureza moral (BERGSON, 1978, p. 256-7).

Pela via da inteligência, Einstein postula um universo quadridimensional inacessível à percepção. Mas a via da intuição, no sentido bergsoniano do termo, é capaz de expandir a percepção até a coincidência entre o que percebe e o que é percebido, dispensando os símbolos, passando do conhecimento analítico, descritivo, recortado, ao conhecimento dado pela percepção efêmera do todo a partir do interior do objeto. Nesse sentido, a inacessibilidade à quarta dimensão proposta na teoria de Einstein ganha novo significado. Nesse sentido, a incompletude da percepção à qual Barbaras se refere, e sua respectiva transcendência, ganham novo espectro de possibilidades.

Em Duração e Simultaneidade (1978), ainda que pese sobre esta obra toda crítica dos físicos que não captaram sua essência, Bergson propõe a complementaridade entre inteligência e intuição, entre as diferentes medidas do tempo previstas pela teoria de Einstein e as múltiplas contrações da duração.

Uma opção que se nos apresenta para a referida decisão a ser tomada é a da ressacralização da tecnociência, a da sua salvação de sua aliança com o único valor do capital globalizado: o de sua própria reprodução. Para tanto, seria preciso abrir os ouvidos ao que o líder yanomami Davi Kopenawa diz sobre a capacidade de sonhar e sobre a dança dos espíritos xapiripë e abrir os olhos a dimensões da realidade que são acessíveis ao espírito na transcendência da percepção.

O cinema, filho da ciência e pai de uma nova arte, incorpora a dimensão temporal na imagem, recriando a realidade na percepção do espectador. A arte e a indústria do cinema são evidentes, mas o cinema estende-se por uma obscuridade que transcende a percepção imediata e «confunde-se com a própria substância humana, ela mesmo evidente e obscura» (MORIN, 2014, p. 239).

Em sua própria obscuridade, em suas potencialidades de consciência da realidade através do que ultrapassa a incompletude do campo perceptivo, o cinema pode revelar múltiplas dimensões extraordinárias do espaço-tempo. O cinema, por sua dimensão onírica, faz emergir universos paralelos que nos dão a dimensão do homo spiritualis, do qual o homo sapiens é parte, como mostra Herzog em A caverna dos sonhos esquecidos, invocando sabedorias fora do recorte analítico da inteligência, como mostra, ao revés, Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Mário Peixoto, no mar cintilante de Limite.

Para a referida decisão, uma opção que se abre, portanto, é a da reintrodução da metafísica na física.

A outra é a da submissão da técnica à lógica do capital, à criação de falta, em flagrante contradição com o equilíbrio ecológico, com a igualdade social e com o bom senso. A submissão da percepção à via analítica da inteligência identificada com a noção de progresso nos leva à negação de qualquer dimensão do real que escape aos dados imediatos que a percepção nos oferece e nos limita à visão desencantada do mundo e ao atrofiamento de nossa capacidade de sonhar.

A decisão sobre qual via seguiremos está na iminência de ser tomada ou já está sendo tomada. Quem a tomará, quem a está tomando? Na obsolescência do humano, o imediatismo ansioso do capital alargará o fosso entre técnica e sacralidade? Ou novas reservas de energia potencial inundarão de sentido nossa capacidade de controlar a energia disponível no Universo? A gravidade no corpo humano será nossa maior ligação cósmica ou uma bola de ferro acorrentada aos nossos pés desde a Queda do Paraíso?

No Brasil, o processo de descrédito das instâncias democráticas parece fazer parte de uma estratégia de despolitização desta tomada de decisão que está em curso. Nunca discutimos tanto sobre política e nunca fomos tão dela alienados, pois o caráter da política que discutimos é de folhetim.

Como se uma dimensão da realidade nos tivesse sido subtraída, como se nossa percepção tivesse sido atrofiada ao invés de alçada além de seus limites, a libido nacional foi sequestrada e investida no cenário lamacento da espetaculosa tensão entre poderes, restaurando o estigma de país periférico abalado pelo protagonismo mundial que o Brasil exerceu no passado recente.

Estamos na Planolândia, de Edwin Abbott, um romance de 1884 em que os seres habitantes de um mundo bidimensional não têm a noção de volume tridimensional, romance que inspirou Einstein a escrever sua obra de popularização da Teoria da Relatividade [2]. Einstein faz uma analogia entre as estratégias que os habitantes de um mundo bidimensional, como o de Planolândia, poderiam utilizar para comprovar a existência de uma terceira dimensão imperceptível para eles e as estratégias que nós, habitantes de um mundo que percebemos como tridimensional, podemos utilizar para confirmar que habitamos um universo quadridimensional. Em termos de percepção do que acontece no Brasil, estamos como os habitantes de Planolândia: sem perceber a dimensão que nos faz fortes perante ao mundo, sem computar a força de nossa cultura feita de águas, bichos, plantas e pessoas tão diversas.

O país cantado por Jorge Benjor, a ginga, a sensualidade e o sonho numa noite de carnaval estão imperceptíveis; não no que têm de sapiência, nem no que se degenerara em desejo visceral, mas no que têm de fundo mágico, de pulsão vital, de pulsão espiritual e carnal a um só tempo; não no que têm de cerebral ou de intestinal, mas no que têm de pneumático e de cardíaco. Enquanto o chorume inibe a percepção da dimensão subtraída, vão se consolidando o desmonte dos direitos, o processo de transformação de florestas em monoculturas e da dança dos espíritos xapiripë em desfile de caminhonetes em festas de rodeio. Este é o processo de apropriação do sonho de uma noite de carnaval pelo sonho do consumo.

Estamira [3] já anunciava o ladrão de dimensões: o Trocadilo, o “esperto ao contrário”. Na derrota por 7 a 1, dentro de um estádio cujo público não refletia o rosto médio da nação, assistia-se pela TV, gol a gol, uma mostra do roubo de uma das dimensões da realidade, para o deleite do Trocadilo.

Os brancos desenham suas palavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento. Nós guardamos as palavras dos nossos antepassados dentro de nós há muito tempo e continuamos passando-as para os nossos filhos. As crianças, que não sabem nada dos espíritos, escutam os cantos dos xamãs e depois querem ver os espíritos por sua vez. É assim que, apesar de muito antigas, as palavras dos xapiripë sempre voltam a ser novas. São elas que aumentam nossos pensamentos. São elas que nos fazem ver e conhecer as coisas de longe, as coisas dos antigos. É o nosso estudo, o que nos ensina a sonhar. Deste modo, quem não bebe o sopro dos espíritos tem o pensamento curto e enfumaçado; quem não é olhado pelos xapiripë não sonha, só dorme como um machado no chão (KOPENAWA, 1998, p. 08).

Moro num país tropical.

Morou?

 

 

Bibliografia

ABBOTT, E. Planolândia, um romance de muitas dimensões. São Paulo: Conrad, 2002.

BARBARAS, R. Investigações fenomenológicas: em direção a uma fenomenologia da vida. Curitiba: Editora da UFPR, 2011.

BERGSON, H. As duas fontes da moral e da religião. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

____________. Durée et Simultanéité. (1998). Paris: Quadridge/P.U.F., 1978.

BROGLIE, L. A General Survey of the Scientific Work of Albert Einstein. in: CAPEK, M. Bergson and Modern Physics. Dordrecht, D. Reidel Publishing, 1971.

EDDINGTON, A. Espace, Temps et Gravitation. La théorie de la relativité généralisée dans ses grandes lignes. Paris, Librairie Scientifique J. Hermann, 1921.

EINSTEIN, A. La Théorie de la Relativité restreinte et généralisé (mise à la portée de tout le monde). Paris, Gauthier – Villars, 1921.

____________ Autoportrait. Paris, Inter-Éditions, 1980.

HOLTON, G. Science en Glorie, Science en Procès. Entre Einstein et aujourd’hui. Paris, Gallimard, 1996.

JUNG, C. G. Sincronicidade. Petrópolis, Editora Vozes, 1995.

MORIN, E. O Cinema ou O Homem Imaginário. São Paulo, É Realizações Editora, 2014

SIMONDON, G. Sur la technique. Paris: Presses Universitaires de France, 2013.

TOMKINS, C. Duchamp, uma biografia. São Paulo, Cosac Naify, 2005.

 

Recebido em: 08/07/2017

Aceito em: 01/08/2017


[1]Professor Doutor na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: marcio.barreto@fca.unicamp.br

[2]Über die spezielle allgemeine Relativitätstheorie, Germeinver standlish (A teoria da relatividade restrita e geral, uma versão popular).

[3]Estamira é um filme documentário brasileiro dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, lançado em 2005. A protagonista, Estamira, vive num lixão de onde retira seu sustento e a percepção dos hábitos de consumo dos habitantes da cidade. Seus distúrbios mentais lhe dão também uma percepção aguçada da sociedade contemporânea.

Percepção e realidade

 

 

RESUMO: A partir da concepção einsteiniana de espaço-tempo quadridimensional, o presente ensaio leva o leitor a uma reflexão sobre os limites da percepção humana sobre a realidade. Insinua também possibilidades de restauração ou de ampliação da percepção diante dos desafios contemporâneos.

PALAVRAS-CHAVE: Percepção. Teoria da Relatividade. Tecnociência.


Perception and reality

 

 

ABSTRACT: Beginning from Einsteinian conception of four-dimensional space-time, the present essay is a reflection about the limits of the human perception of reality. And also suggests possibilities of restoration or amplification of the perception in front of contemporary challenges.

KEYWORDS: Perception. Theory of relativity. Technoscience.


BARRETO, Márcio. Percepção e realidade. ClimaCom [online], Campinas, ano.4, n.9, Ago. 2017. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=7288