Desafios do Brasil para a conservação da floresta e mudanças no uso da Terra | Gláucia Pérez

Pesquisadores consideram que o desmatamento ainda é a principal fonte de emissão de gás efeito estufa dentro do setor de uso da terra, e para reverter esse quadro é necessário um fortalecimento das instituições para controle, fiscalização e conservação adequada das florestas públicas.

Por | Gláucia Pérez

Editora | Susana Oliveira Dias

 

Foi realizado no dia 11 de maio de 2021 o 1º Webinário de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) Brasileira da Fapesp – Mudanças Climáticas, com o tema “Metas nos setores estratégicos – florestas, agricultura e energia”. Quem abriu o evento foi Paulo Artaxo, pesquisador do INCT mudanças climáticas – fase 2 (INCT-MC2), do subcomponente Impactos nos ecossistemas brasileiros frente às mudanças do uso da terra e à biodiversidade: “os webinários, que serão uma série, são importantes para fazer o necessário link entre a ciência e políticas públicas na área de mudanças climáticas globais”, disse ele. Acrescentou, ainda, que os webinários são necessários para verificarmos onde estão as maiores vulnerabilidades do país em relação as metas da NDC, e quais os impactos que ocorrerão para o meio ambiente e a sociedade.

Mercedes Bustamante, que também é pesquisadora do mesmo subcomponente do INCT-MC2, e professora da UnB, foi mediadora do encontro e lembrou que o webinário é relevante para identificar quais são os compromissos do país e quais são os seus desafios na conservação das florestas, relacionadas às mudanças do uso da terra, agricultura e energia.

“As metas NDC’s brasileiras deveriam ter sido mais ‘ambiciosas’ para o controle do desmatamento e conservação da floresta, isso porque o índice de desmatamento atual é muito alto e preocupante”, disse a pesquisadora Ane Alencar do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que se destaca no setor de sensoriamento remoto do uso da terra e da conservação de florestas. O tema abordado pela pesquisadora  foi especificamente a mudança de uso da terra na região amazônica, setor de florestas. A pesquisadora explicou que a principal alteração de uso do solo é a de floresta para não floresta, ou seja, o desmatamento da vegetação nativa para usos da terra como agricultura e pecuária. Ela indicou, ainda, o aumento considerável do registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que significa “um início de grilagem forte”. O desmatamento é a principal fonte de emissão de gás de efeito estufa dentro do setor de uso da terra. Para reverter esse quadro é necessário um fortalecimento das instituições de controle, fiscalização e conservação adequada das florestas públicas. Ane explicou que igualmente importante é ter uma agenda positiva: consolidar áreas protegidas, ter incentivos econômicos para conservação dos ativos privados, apoiar a produção sustentável e promover assistência técnica para os assentamentos.

Quem também disse que a meta para a área não é “ambiciosa”, e que não aumentou na proporção que aumentaram os efeitos de gás estufa, foi o pesquisador da Embrapa, Eduardo Assad, membro do INCT-MC2, do subcomponente de segurança alimentar, cuja fala focalizou a agricultura. Ele informou que a meta para redução das emissões era de 43%, em relação aos dados de 2005 para 2030, e deveria ser de 55% para 2030; dados esses estimados após os recálculos realizados em 2010. De 2016 a 2019 houve um aumento no desmatamento e, consequentemente, maior emissão de CO2. De acordo com o pesquisador, e com informativos da Embrapa, quando se incorpora as árvores no sistema produtivo pode se imobilizar até 8 toneladas de carbono por hectare, diferente de quando se coloca o pasto, em que é possível chegar a fixação de 1,9 toneladas de CO2 equivalentes de carbono. Ou seja, a presença das árvores incrementa a produção, fixa o carbono, melhora o solo, e evita o desmatamento. Assad acrescentou, também, que é necessário tirar o CAR das áreas de preservação e das áreas públicas e considerá-lo apenas nas áreas produtivas. Outros pontos importantes levantados para a redução das emissões foram: integração das políticas ambientais e agrícolas, transferência de tecnologia adequada, regularização das terras, estudar e definir os modelos adequados de produção agropecuária. O pesquisador concluiu: “nada funcionará, nem metas poderão ser atingidas se o desmatamento continuar”.

Os temas referentes às florestas e energia, em uma perspectiva econômica e de políticas públicas sustentáveis, foram abordados pelo professor da FGV, Ângelo Gurgel. Em sua apresentação focalizou a importância do monitoramento para saber se as metas estão sendo atingidas e, consequentemente, para capitalizar incentivos econômicos necessários para alcançar as NDC’s. Primeiramente enfatizou a importância de acabar com o desmatamento, de restaurar e recuperar a floresta e as áreas degradadas, inclusive as áreas de lavoura e pecuária. Bem como garantir uma participação de fontes renováveis, inclusive biomassa, na geração de energia no Brasil. Em referência a emissão de gases de efeito estufa e efeitos na economia, ele falou da necessidade de estudarmos as NDC’s para entender quais são os principais impactos econômicos e sociais a partir das práticas de 2015, em relação a outras formas e políticas que poderão ser adotadas para reduzir as emissões brasileiras até 2030. Disse, também, “ser necessário transformar em dados oficiais públicos e de preferência no inventário brasileiro, todo carbono que é captado nas práticas agropecuárias que estão previstas na agricultura de baixa emissão de carbono”. Identificou que o melhor custo para aplicar a NDC é fazer mercado de troca de permissões, ou seja, troca de carbono entre os setores, levando em conta que todos os setores da economia participem e contribuam para o controle e diminuição de emissões de carbono.

Annelise Vendramini, professora e pesquisadora da FGV na área de Administração, explicou sobre o desafio global de financiar a transição para uma economia com baixa emissão de carbono. Enfatizou que o país tem dificuldades particulares que devem  ser discutidas para que essa transição de baixo carbono seja viabilizada, o que passa inevitavelmente pela conservação e restauração do meio ambiente. Acrescentou que a grande parte dos recursos financeiros direcionados para a área climática ainda vão para a mitigação; e o desafio é encontrar recursos para a resiliência e adaptação dos ecossistemas.  O Brasil, por ter uma agenda econômica voltada para a infraestrutura, tem o desafio de incluir o conceito de baixa emissão de carbono, porém com resiliência, por causa das mudanças climáticas futuras. Annelise considera que a situação econômica brasileira dificultará a aplicação de recursos públicos na agenda florestal. Para avançar nessa agenda, segundo ela, é necessário, no caso brasileiro, contar com recursos privados, no entanto, infelizmente, o setor privado evita destinar orçamento para as florestas, e preferem o investir em energia e transporte. Ao final, ela destacou a importância do sistema MRV (monitoramento, relato e verificação) para atrair fluxos financeiros privados para uma agenda de transição de uma economia de baixo carbono, relevante, inclusive, para o investidor. Link com a notícia completa em pdf

 

Gláucia Pérez é bolsista TT Fapesp no projeto INCT-Mudanças Climáticas Fase 2 financiado pelo CNPq pro- jeto 465501/2014-1, FAPESP projeto 2014/50848-9 e CAPES projeto 16/2014, sob orientação de Susana Dias e Antonio Carlos Amorim.

Coletivo e grupo de Pesquisa | multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)

Projetos | Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9); Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ e Revista ClimaCom.