Por Meghie Rodrigues
Pesquisadores da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA) avaliam que considerar, nas modelagens climáticas, apenas as variáveis físico-geográficas não é mais suficiente para abarcar a complexidade das alterações do clima e as projeções de cenários futuros A questão foi um dos temas em debate na 5ª reunião de Coordenadores da Rede CLIMA, realizada nos dias 30 e 31 de outubro na sede do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em São José dos Campos (SP). Gustavo Gonçalves, pesquisador do Inpe, conta que o Modelo Brasileiro do Sistema Climático Global (BESM, na sigla em Inglês) integra variações na atmosfera, superfície e oceanos para simular os efeitos que as alterações na temperatura global podem ter no futuro. Entretanto, segundo ele, o modelo ainda trabalha com dados da demografia atual e, para aumentar sua precisão, é necessário que a demografia seja dinâmica. “Este é um desafio que nenhum centro de pesquisa do mundo conseguiu responder ainda”.
As potencialidades da pesquisa em rede, da interdisciplinaridade e da criação em conjunto também marcaram as discussões da reunião no Inpe e mostram que, aqui e em outros lugares do mundo, estes são elementos de base na pesquisa das mudanças climáticas.
E tais noções estão em circulação há algum tempo. Em 2006, Marco Janssen, Michael Schoon, Weimao Ke e Katy Börner, pesquisadores das universidades do Arizona e de Indiana, nos Estados Unidos, estudaram como 2286 papers publicados entre 1995 e 2005 tratam resiliência, vulnerabilidade e adaptação enquanto elementos das mudanças no clima. Uma de suas conclusões foi a percepção de uma crescente transdisciplinaridade na área e alguma diferença na abordagem destes três elementos: enquanto os estudos sobre resiliência se apoiavam majoritariamente sobre modelos teóricos da ecologia e da matemática, os que lidavam com vulnerabilidade e adaptação tinham foco maior em estudos de caso em geografia e desastres naturais e na pesquisa sobre mudanças climáticas. A heterogeneidade nas redes de pesquisa teve e tem, reiteram os autores, papel fundamental na integração entre domínios diversos do conhecimento.
Também vale lembrar que desde 1990 existe o Programa Internacional de Dimensões Humanas em Mudanças Ambientais Globais (IHDP, na sigla em Inglês), gestado pelo Conselho Internacional de Ciências Sociais (ISSC, na sigla em Inglês) e gerido em parceria com a ONU e com o Conselho Internacional pela Ciência (ICSU, na sigla em Inglês). Com duração até junho de 2014, o Programa, sediado na Universidade das Nações Unidas (UNU) em Bonn, na Alemanha, abrigou dez projetos interdisciplinares (com abrangência que vai de saúde a transporte e usos da terra, passando por governança e segurança alimentar) e envolveu 1724 pesquisadores em 176 organizações sob três eixos principais, girando em torno da mobilização das Ciências Sociais, da conexão entre ciência, políticas públicas, educação e treinamento.
Por aqui, três projetos integrativos da Rede CLIMA (envolvendo segurança hídrica, energética e alimentar; as dimensões humanas das mudanças climáticas; e, também, modelagem de cenários futuros) pretendem abordar o desafio representado por esta transversalidade entre diversos domínios. Para o coordenador da Rede, Paulo Nobre, a heterogeneidade entre áreas e grupos de pesquisa envolvidos representa uma oportunidade de trocas ricas para a proposta de integração entre as quinze sub-redes de pesquisa que compõem a Rede CLIMA.Ao pensar estas questões, a Rede CLIMA busca fazer o que cada uma das sub-redes sozinha não poderia fazer, que é, segundo ele, “desafiar paradigmas estabelecidos pelas forças da sociedade”.
Além disso, Nobre acredita que com mais sinergia entre as sub-redes de pesquisa, o Brasil pode tornar-se capaz de oferecer uma contribuição de maior peso no debate global sobre as mudanças climáticas. “As questões energética e ambiental têm impacto na economia, mas a dimensão principal da questão é política, que se torna ainda mais premente em um sistema democrático, feito de várias vozes”, observa.
Para Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o conhecimento é um insumo importante para informar tomadores de decisão. E considera que “políticas públicas embasadas no melhor conhecimento têm a maior probabilidade de serem efetivas”. E o melhor conhecimento, pondera ele, resulta de um processo de produção e co-criação que é mais potente quando compartilhado entre cientistas e formuladores de políticas públicas.
Um bom exemplo desse funcionamento é o Future Earth, plataforma interdisciplinar coordenada por agências do sistema ONU, Organização Meteorológica Mundial, ISSC e ICSU. O principal objetivo é agregar geração e compartilhamento de conhecimento em sustentabilidade, desenvolvimento global e meio ambiente entre cientistas, sociedade civil e esfera política. Iniciativas como esta se proliferam mundo afora e mostram que a possibilidade de mudança cultural pode não estar tão longe quanto se pensa – mesmo aqui no Brasil. Carlos Nobre conta que traços desta mudança têm se manifestado por aqui principalmente em resposta aos últimos desastres naturais ocorridos no país. O que acontece nestes encontros entre cientistas e tomadores de decisão, segundo o secretário “é um exercício de linguagem em que um grupo interage produtivamente com o outro no trabalho conjunto”. Impulsionar esta mudança cultural é ainda, para Carlos Nobre, um dos papeis mais importantes que a Rede CLIMA se coloca. “É uma das redes de pesquisa mais importantes do MCTI e do Brasil e já conseguiu articular diferentes comunidades para trabalhar em metodologias e políticas públicas”, reitera.