Coexistência e limites do crescimento no litoral norte do Espírito Santo | Evandro de Martini


Evandro de Martini [1]

 

1. O “total desaparecimento” dos indígenas

Em 1985, o jornal diário de maior circulação do Espírito Santo afirmava:

 

Pode-se dizer que a corrente pioneira que invadiu o baixo rio Doce, a partir do final do século passado, plantando propriedades agrícolas ao sul e ao norte do Rio Doce, dando nascimento a povoados – futuras vilas e cidades – bem como a implantação da Ferrovia Vitória a Minas, mas no primeiro decênio deste século, assinalaram o total desaparecimento, por miscigenação, morte ou mudança dos primitivos habitantes da região.

O rápido desenvolvimento […] apress[ou] a absorção, quando não a extinção dos indígenas da região e poucos vestígios deixaram eles de sua anterior presença, notando-se apenas alguns restos de sua cultura material – utensílios abandonados nos lugares onde se demoravam nas suas andanças e correrias, e talvez nada mais. (A Gazeta, 1985)

 

Neste ensaio, trazemos indícios de que, ao contrário do que o jornal capixaba sugeria em 1985, não apenas o desaparecimento dos indígenas no litoral norte capixaba não foi total, mas sobretudo os vestígios da presença indígena não se resumem a alguns achados arqueológicos “e talvez nada mais”. Pelo contrário, conhecimentos indígenas estão vivos em práticas e sabedorias tradicionais que parecem mais relevantes a cada dia, neste século XXI de grandes desastres socioambientais. Tanto em populações que se reconhecem como tradicionais como em outras que não se definem assim, uma série de conhecimentos indígenas e afro-indígenas apontam para relações entre humanos e não humanos em que a terra, a água, as espécies vegetais e animais não aparecem como recursos naturais ou mercadorias.

 

As populações do litoral norte capixaba têm sido impactadas por desastres socioambientais como o desaparecimento de espécies ou a poluição das águas, que, por um lado, acentuam a consolidação da mercadoria e do dinheiro como categorias socioeconômicas fundamentais, mas, por outro lado, consolidam em algumas populações a consciência de que precisam do meio ambiente saudável para a manutenção de sua própria vida e saúde a partir de conhecimentos tradicionais, como veremos.

 

(Leia o artigo completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1] Mestrando em geografia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: evandroevandro@gmail.com

Coexistência e limites do crescimento no litoral norte do Espírito Santo

 

RESUMO: No século XX, era comum o discurso segundo o qual os povos indígenas do litoral brasileiro haviam desaparecido sem deixar vestígios. Porém, os conhecimentos tradicionais indígenas estão presentes em diversas partes do litoral do Espírito Santo, contrariando um modelo anterior de progresso e desenvolvimento. Em diversas populações do litoral, há uma memória coletiva de origem afro-indígena na forma de remédios do mato, tradições e indissociabilidade entre “saúde” e “meio ambiente”. Uma série de crenças e práticas que estabelecem alguns limites para os humanos em sua coexistência com outros seres, e que vão parecendo cada vez mais relevantes, à medida que em termos globais a falta de limites parece caracterizar o modelo dominante de sociedade: poluição sem limites, uso sem limites de “recursos naturais”, desastres ambientais em escala crescente.

 

PALAVRAS-CHAVE: Conhecimentos tradicionais. Povos indígenas. Espírito Santo.


Coexistence and limits to growth in the Northern coast of Espírito Santo, Brazil

 

ABSTRACT: In the 20th century, a commom discourse said that indigenous peoples on the Brazilian coast had disappeared without a trace. However, indigenous knowledge is present in different parts of the coast of Espírito Santo, contradicting a previous model of progress and development. In several populations of the coast, there is a collective memory of Afro-indigenous origin in the form of remedies from the forest, traditions and inseparability between “health” and “environment”. Several beliefs and practices that establish some limits for humans in their coexistence with other beings, and that seem increasingly relevant, as in global terms the lack of limits seems to characterize the dominant model of society: pollution without limits, unlimited use of “natural resources”, ever-increasing environmental disasters.

 

KEYWORDS: Traditional knowledge. Indian people. Brazil.

 


MARTINI, Evandro de. Coexistência e limites do crescimento no litoral norte do Espírito Santo. ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8, n. 20,  abril.2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/coexistencia-e-limites/