Cartografias em tempos de morte: do microambiente tumoral aos ecossistemas intensivos da filosofia de Alfred North Whitehead


Alessandro Gonçalves Campolina[1]

Proposição 0: Da vaziez e da ruptura: a bioperformance cancerígena como futuro-agora dos ecossistemas intensivos.

“O que é característico de uma sociedade viva é o entrelaçamento de uma estrutura complexa de sociedades inorgânicas, produzindo um nexo não social caracterizado pelas experiências físicas intensas dos seus membros. Mas uma experiência deste teor deriva da ordem complexa do corpo material animal e não da simples “ordem pessoal” das ocasiões passadas, com experiências análogas. A experiência intensa produzida está livre dos entraves provenientes da reiteração do passado. É esta a condição de espontaneidade da reação conceitual. A conclusão a retirar desta argumentação é a de que a vida é uma característica do “espaço vazio” e não do espaço “ocupado” por uma sociedade corpuscular.”(Whitehead, 1979, p.105)

Proposição 1: Meu ponto de partida, com Whitehead, foi o movimento de expansão do código-suporte para além de um significante de imagem (um contorno ou mesmo um plano) para algo de fluxos conectados, que em suas trajetórias corpo-obra levaram o vazio ao espaço, e a percepção (com seus não-objetos) a situações performáticas.

O suporte e a imagem sedimentada da forma libera-se ao extremo de um corpo que percebe. Mas percebe o que? Esse movimento de expansão do objeto que se revela como a invenção do outro diante do que não é mais um objeto, ou algo acabado; agora é o corpo do outro como dobra na obra viva. O não-objeto, em suas n – possibilidades, existe em uma transferência, um bordeamento, uma transfusão, uma migração, uma contaminação do fantasma do objeto estético, em outras temporalidades.

Esse ponto de partida é o vazio, o vazio como estatuto do corpo, diante das colonizações hierárquicas dos outros modelos de síntese, ou de ordenação sistêmica. A alteridade da experiência estética é imanente como qualquer experiência que se duplica para o outro. A alteridade do corpo não tem definição, é onde também se inventam pensamentos sobre percepções, prototipias e mundos. A estrutura e o processo é uma sedimentação porque se trata sempre inevitavelmente do confronto da imagem com o seu não… o “objeto a”, uma partícula a- de negação, a seguir a linha de desterritorialização quando explode fora do campo para novas possíveis conexões. É um mapa de escape, uma estratégia de crueldade contra o controle das semióticas do poder: semióticas de mercado, semióticas de Estados, semióticas conceituais, semióticas de identidades, semióticas de sujeitos, semióticas de ciências.

No lugar de semióticas de poder, constituir semióticas das intensidades, semióticas das potências (biopolítica como uma corporeidade ético–estética). Fora do seu campo de referência, arte do acontecimento, no sentido substancial das forças intensivas que nascem e reagem, e se transmutam; a máquina do vazio como motor, o modo pelo qual usamos a linguagem como corpo químico, ativo, tecnológico, como dispositivo e contra dispositivo, de fluxo, corte e refluxo.

O vazio é um hackeamento, não um complemento, ou uma extensão. É uma invasão de um campo através de um simulacro, de uma camuflagem, que vive numa armadilha pirata. É um assalto real do fantasma de uma realidade que exige moldes ou provas para adentrar, entrar fazendo, como furo de passagem. O lugar também onde mais coisas se passaram para dentro e saíram para onde passarão. Um furo-passagem, um corpo estranho, não autorizado; dentro de um território outro; o vírus hacker.

O vazio é uma operação para introjetar uma alteridade imprevisível dentro de um tecido orgânico; que tem um sentido duplo, de dentro e de fora, de ser outra coisa que nem é uma nem outra; até a afirmação de um sentido, de troca impossível ou de intraduzível em uma língua universal. É negar a diferença como barreira, mas permitir o impuro, o sintético, o maquínico, o anorgânico, o irreal, o desigual, o impróprio, o não complementar, o não encaixável.

Existe um furo e um tecido contaminado.  Um furo de entrada e de passagem; um furo que é interface, dupla passagem, de tráfego de códigos não esperados, proibidos ilógicos, de fluxo de todo tipo, um não lugar estrangeiro àquele território e regras; de misturas, de foras e dentros, de matérias intercambiáveis. Nos caminhos que esses fluxos abrem tem um duplo modo desse hackeamento (dentro e fora do organismo) que é usado no mecanismo performático; da estrutura que emerge no ato de um encontro, dos materiais falantes e não linguísticos. De poéticas criadas por produções de realidades alteradas, por isso é performance. É uma performance em ato, a performance como um modo anomalístico. E indo mais longe, podemos afirmar que não é o campo do organismo via produção inorgânica e sim um transplante, um roubo epistemológico que abre espaço para novas produções de sentidos.

Que direito teríamos se usássemos o corpo como outras máquinas? O direito a experimentar? Que hiato é esse que faz sentido? Não somente empírico em busca de estruturas, se a liberdade é condição mesmo de seu nascimento, sendo produzidos materiais, sentidos, conexões e formas (a matéria desse movimento). Ser vírus é a alteridade radical desse dispositivo, e essa alteridade basicamente ilegal é o fim da linguagem corporal como forma de separação. A linguagem no discurso do mestre. Um contrabando de fractais. Nada mais inegável do que a força dessa máquina, nada mais forte do que inventar seu modo de não operar ou de operar em um modo deslocado.

O ponto de partida é o vazio como zona consumptiva, de acontecimento-passagens, a performatização do virtual e do real simultaneamente se afetando; o organismo como tecnologia de criação, de agenciamento, de performatização dos desejos, de experimentações de produção de linhas imprevisíveis, de acasos, de conjunções de sentidos, de jogos, de situações, de ativamentos de máquinas performáticas.

Proposição 2: Nos organismos vivos a manutenção do equilíbrio homeostático é uma das prioridades que se traduz em mecanismos que asseguram que condições celulares internas permaneçam estáveis e relativamente invariáveis (BING, 1971). A célula mantém a homeostase por meio da programação envolvida no sistema que controla o ciclo celular; e este sistema consiste numa rede de proteínas que regulam a progressão da célula através das diferentes fases do seu ciclo.

O sistema controlador funciona como um relógio: cada evento do ciclo tem um tempo determinado e limitado para a sua realização. Além disso, o sistema é um mecanismo robusto que mantém a ordem dos eventos e assegura o sucesso da operação através da supervisão do desempenho do ciclo em checkpoints bem estabelecidos que verificam, entre outras coisas, a qualidade do DNA e as condições do meio para a progressão normal do ciclo.

Graças ao ciclo celular e ao sistema controlador é possível que a proliferação, divisão e morte celular sejam eventos altamente vigiados e que, em conjunto, permitem que a célula possua uma autoprogramação para se reproduzir em um número estabelecido de vezes e, em seguida, caminhar para a diferenciação, senescência ou morte. Toda essa vigilância e autoprogramação fazem por fim que o câncer seja relativamente raro ao longo da vida, pois a célula cancerosa precisa adquirir certas característica para conseguir ultrapassar os limites naturais da “normalidade celular”.

Dessas características, a mais representativa do câncer poderia ser o crescimento celular fora dos limites naturais da célula, a chamada, imortalidade replicativa. Essa capacidade pode ser explicada por três outras características do câncer: sinalização para proliferação contínua, evasão de supressores tumorais e resistência à morte celular (HANAHAN, WEINBERG, 2011).

No tecido normal, as células vizinhas emitem sinais, na forma de fatores de crescimento, que ativam os programas de proliferação na célula que os recebe. A célula cancerosa, porém, pode adquirir a capacidade de se auto-ativar com fatores de crescimento que ela mesma produz, ficando assim independente dos sinais das outras células do tecido. Por outro lado, ela também pode super-expressar os receptores encarregados de receber os fatores de crescimento do meio extracelular ou ter receptores mutados que estejam constitutivamente ativados.

Além de aumentar o crescimento com o aumento dos sinais de proliferação, a célula cancerosa bloqueia os sinais de supressão do crescimento através da evasão de supressores tumorais. Um tecido normal precisa de um número exato de células e os sinais anti-proliferativos se certificam que a homeostase seja mantida. A célula tumoral ultrapassa esse obstáculo evitando a senescência e a morte através do bloqueio ou, pelo menos, da diminuição da sensibilidade aos sinais reguladores do crescimento. Mas o câncer não se constitui apenas a partir da replicação celular fora dos limites. Para um tumor conseguir progredir, ele precisa antes adquirir outro conjunto de capacidades.

Em primeiro lugar, o corpo humano conta com um robusto sistema imunológico que monitora as células e os tecidos. Graças a ele, a maioria dos cânceres incipientes que surgem ao longo da vida de uma pessoa será controlada e eliminada. O câncer precisa então adquirir a capacidade de evasão da resposta imune, ou seja, fugir dos mecanismos de vigilância e adquirir resistência aos mecanismos efetores do sistema imune.

No entanto, uma vez que o tumor consegue se estabelecer e começa a aumentar em tamanho, precisará como qualquer outro tecido, de nutrientes e oxigênio. Haverá então uma importante interação com o sistema circulatório através da indução de angiogênese, em que novos vasos sanguíneos serão criados para nutrir o tumor.

Finalmente, a grande diferença entre os tumores benignos e malignos está dada por esta última característica comum ao câncer, necessária para a progressão da doença: a ativação de invasão e a produção de metástases. Essa é a característica que permite a algumas células da massa tumoral infiltrar e colonizar novos órgãos, desenvolvendo novos tumores.

Portanto, os cânceres são processos de instabilidade, descontrole e imortalidade. Mas, a convergência desses processos não é de fácil acontecimento, ao contrário, implica a superação de vários mecanismos celulares de vigilância e equilíbrio orgânico.  A cancerização é efeito de mutações acumuladas que levam ao ultrapassamento dos limites da idade e da reprodução, resultando muitas vezes em perdas de diferenciação e proliferações malignas, ou seja, imortalidade replicativa.

Proposição 3: Desde suas primeiras descrições, em meados do século XX, quando se acreditava que apenas dois tipos de morte celular existiriam, incontáveis estudos científicos vêm demonstrando que células podem morrer por uma série de mecanismos que diferem entre si. Processos como apoptose, necrose, necroptose, autofagia, anoikis, catástrofe mitótica, piroptose e senescência são entendidos hoje não só como os diferentes nomes da morte celular regulada, mas como os diferentes “tempos de morte” (GALLUZZI, et al., 2015).

Se por um lado a maioria dos casos de câncer está relacionada ao meio ambiente; por outro, é através dele que a célula tumoral desenvolve mecanismos para escapar dos processos de morte. Se por um lado, o macroambiente é caracterizado pelo meio em geral (água, terra e ar), o ambiente ocupacional (indústrias químicas, ambiente de trabalho e afins), o ambiente de consumo (alimentos, medicamentos), o ambiente social e cultural (estilo e hábitos de vida); por outro, o microambiente é mais que uma realidade microtumoral sensível. O microambiente é uma máquina de novas realidades. O microambiente não é uma realidade paralela, é a realidade expandida, que integra novas partes do corpo. É o que emerge de atual em outra forma de atuar, de interagir. O microambiente é antes um meio de criar, compor e ampliar.

O microambiente tumoral não só faz parte do corpo orgânico, como também produz territorialidades próprias que afetam, e são afetadas em relação a um bordeamento. Efeitos de realidades provocadas, singularidades, potências de cada corpo em seu agenciamento-conectivo. Trata-se de um centro sem gravidade agora, em desvio, nesse não-lugar do ecossistema tumoral: a terra, o cosmos, as potências evolutivas da vida. Mas o tecido a ser cancerizado é a pele do poder, a pele da linguagem orgânica de poder do corpo, os bioprocessos. Por isso, o poder orgânico é o que deve ser destituído de seu monopólio discursivo e bioeconômico, que captura, reduz, orienta e controla os fluxos em função da estrutura, enquanto o que escapa, vaza e faz do fora este novo campo cognitivo de invenção e de atuação é a perspectiva de uma biopolítica de ecossistemas intensivos.

Trata-se então, de promover o desdobramento desses campos saturados do biopoder, desenraizar e ramificar a ação, deixando liberar campos mais vivos, vastos e múltiplos de reação, que brotam dos confrontos na periferia do corpo: ecossistemas de favelas protéicas, quilombos de micronutrientes, aldeias de mediadores sanguíneos, tribos de biomarcadores, pixos de assinaturas tumorais, tecnoxamãs de linfonodos sentinelas, eco-anarquias de cascatas metastáticas, rappers de fatores de transcrição, hackers de DNA genômico, rolês de micro-metástases, que não param de promover a guerrilha estética e a disputa do comum.  

O ecossistema intensivo é esse fora conectivamente em expansão, a viralização, o percolamento, a contaminação, a decolagem, a deriva. O problema antes era o limite do corpo, hoje a solução é que o corpo ganhe novas invaginações e evaginações, mais do que extensões; ferramentas, mas ainda mais, intenções. O corpo ganhou novas dimensões intensivas, de transa, de transe, novas potências conectivas, novas transmutações possíveis. Mas o corpo que sustenta as mais altas potências da vida, já é então e senão um corpo cancerígeno. À beira do abismo, a célula tumoral desenvolve mecanismos para evadir à morte, mas indo ao encontro da morfogênese intensiva dos corpos e da desconstrução do próprio organismo (SWART, DU TOIT, LOOS, 2016).

Nesse sentido, o ecossistema intensivo pode então ser pensado a partir da filosofia do organismo de Alfred North Whitehead. Para o autor o significado primário da vida é a origem da novidade, o que ele chama de “novidade de apetição”. Isso significa que uma “sociedade viva” é aquela que inclui algumas “ocasiões vivas” que fluem através do vazio. Mas, ao mesmo tempo, a vida é um lance para a liberdade, a vida é o nome para a originalidade e não para a tradição. A mera resposta ao estímulo é uma característica de todas as sociedades, vivas ou não. A característica principal da vida é sua reação adaptada à captura de intensidade, em uma grande variedade de circunstâncias. Assim, para combinar intensidade com sobrevivência, a vida coloca um problema paradoxal para a natureza: a construção de sociedades estruturadas altamente complexas precisa de roubo e desconstrução (WHITEHEAD, 1979, p. 105).

Com Whitehead é possível pensar a vida como uma característica do “espaço vazio”, a vida como uma espreita pelos interstícios celulares, a vida como um processo do “entre”, a vida como um fluxo através das lacunas dos tecidos biológicos e das estruturas celulares. A vida como o tempo de um futuro-agora.

O ecossistema intensivo é uma inscrição que se bifurca para fora de seu próprio centro orgânico; na mesma medida em que usa essa linguagem específica para se expressar, nela também busca ultrapassar o seu ciclo repetitivo; e os limites atemporais vão sendo ultrapassados com suas próprias imagens do passado; o espelho é quebrado e o quiasma é deslocado o seu eixo. Com a mesma força das coisas vividas os futuros também se comunicam violentamente com as impossibilidades do agora, de onde emerge o ecossistema intensivo como transversal ao atual latente, o movimento aberrante das coisas em suas corporeidades anômalas e extensões maquínicas.

O ecossistema intensivo é a mais arcaica irrealidade, participante questionador do princípio de realidade. E é, portanto, elemento performático inesperado com seu efeito de dobra, de duplicação, de desnudamento, de mascaramento. Seu elemento: o ilusório; sua falsidade: a ambivalência, rasgão que destrói o conjunto da estrutura e disjunta a moral orgânica e seu fantasma do poder: a unidade ideológica do corpo e do “eu”.

O ecossistema intensivo nasce no intermédio, sem tempo, sem nomeação, materializa-se por idades máquinas concretas, acelerador de efeitos desviantes de realidades piratas dos signos, da Lei, das gravidades. O ecossistema intensivo é anorgânico, artificial, pós-humano, transcodificador, e porque não, é cancerígeno.  

Portanto, com Whitehead, o ecossistema intensivo pode ser pensado a partir do “anorgânico” como uma ruptura mais que epistemológica, uma ruptura de sentido que é sentida em duplas direções: ruptura não somente dentro dos próprios sistemas compostos analisados separadamente, mas também uma ruptura de inversão fora dos sistemas relacionais de referência: o diferencial assaltando partes e desligando-as da função de totalidade orgânica de origem para sair dela na falsificação, sob o risco dessa ritmografia cancerígena.

È o ecossistema intensivo como algo de disruptivo, tal e qual vive um corpo eletrônico na atualidade: multifacetado, altamente aparelhado, composto de mil corpos interligados, dançantes e elipsados. Existe, enfim, algo no corpo e no sentido que de maneira antecipada pertence a um futuro-agora que se passa no meio da carne, da letra e da escrita biológica linear… Algo monstruoso talvez, algo de roubo, algo de morte.

 

Bibliografia

BING, F. C. The History of the Word ‘Metabolism’. J Hist Med Allied Sci v. 26, n.2, p. 158-80, 1971.

GALLUZZI, L.; BRAVO-SAN PEDRO, J.M.; VITALE, I.; AARONSON, S.A.; ABRAMS, J.M.; ADAM, D. Essential versus accessory aspects of cell death: recommendations of the NCCD 2015. Cell Death Differ, v. 22, n. 1, p.58-73, 2015.

HANAHAN, D.; WEINBERG, R.A. Hallmarks of cancer: the next generation. Cell. 2011 Mar 4;144(5): 646-74.

SWART, C.; DU TOIT, A.; LOOS, B. Autophagy and the invisible line between life and death. Eur J Cell Biol, v. 95, n. 12, p. 598-610, 2016.

WHITEHEAD, A. N. Process and Reality (Gifford Lectures Delivered in the University of Edinburgh During the Session 1927-28).    New York: Free Press, 413 pp. 1979.

 

Recebido em: 15/02/2018

Aceito em: 15/03/2018


[1] Médico e Pesquisador do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo; Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Av. Dr Arnaldo, 251 – 8° Andar; Cerqueira César – São Paulo – SP – Brasil; Cep 01246-000 tel.: 11 3893-3024; e-mail: alessandro.campolina@hc.fm.usp.br

 

Cartografias em tempos de morte: do microambiente tumoral aos ecossistemas intensivos da filosofia de Alfred North Whitehead

 

RESUMO: O presente estudo pretende problematizar os vários tempos da catástrofe cancerígena, a partir de referenciais que conjugam o conceito de “espaço vazio”, na filosofia de Alfred North Whitehead, às formulações das biociências moleculares, buscando disparar perspectivas ecológicas, sociais e subjetivas para pensar os modos de vida contemporâneos. Para o autor, o significado primário da vida é a origem da novidade. Isso significa que uma “sociedade viva” é aquela que inclui algumas “ocasiões vivas” que fluem através do vazio; mas, ao mesmo tempo, que a vida é um lance para a liberdade; a vida é o nome para a originalidade e não para a tradição; e para combinar intensidade com sobrevivência, a vida coloca um problema paradoxal: a construção de sociedades estruturadas altamente complexas precisa de roubo e desconstrução. A partir da noção de ecossistema intensivo, o corpo será reinventado em continuidade com um fora permanentemente em expansão, ganhando novas potências conectivas, novas transmutações possíveis. O corpo que sustenta as mais altas potências da vida, já será então e senão um corpo cancerígeno. À beira do abismo, a transmutação tumoral desenvolve mecanismos para evadir à morte, indo ao encontro da morfogênese intensiva dos corpos e da desconstrução do próprio organismo.

PALAVRAS-CHAVE: Whitehead. Câncer. Vazio. Ecossistema. Filosofia do Processo. Filosofia do Organismo.

 


Cartographies in death times: from the tumor microenvironment to the intensive ecosystems of Alfred North Whitehead’s philosophy

 

ABSTRACT: The present study intends to problematize the various times of the cancer catastrophe, starting from references that combine the concept of “empty space”, in the philosophy of Alfred North Whitehead, to the formulations of Molecular Biology, seeking to trigger ecological, social and subjective perspectives to think the contemporaries modes of life. For the author, the primary meaning of life is the origin of novelty. This means that a “living society” is one that includes some “living occasions” that flow through the void; but at the same time, that life is a bid for freedom; life is the name for originality and not for tradition; and to combine intensity with survival, life poses a paradoxical problem: the construction of highly complex structured societies needs theft and deconstruction. From the notion of intensive ecosystem, the body will be reinvented in continuity with a permanently expanding off, gaining new connective powers, new possible transmutations. The body that sustains the highest powers of life, will be then a cancerous body. At the edge of the abyss, tumor transmutation develops mechanisms to evade death, going towards the intensive morphogenesis of bodies and the deconstruction of the organism itself.

KEY WORDS: Whitehead. Cancer. Void. Ecosystem. Process Philosophy. Philosophy of Organism.


 

CAMPOLINA, Alessandro Gonçalves. Cartografias em tempos de morte: do microambiente tumoral aos ecossistemas intensivos da filosofia de Alfred North WhiteheadClimaCom – Ecologias Radicais [Online], Campinas, ano 5,  n. 11,  abr.  2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=8713#_edn1