Arte, ciência, filosofia: encontros potentes com a catástrofe

Sebastian Wiedemann, cineasta e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), fala sobre os desassossegos que motivaram a organização do evento “(A)mares e ri(s)os infinitos: preparos e ensaios com a catástrofe”, a ser realizado em 1/10 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e 2/10 no MIS-Campinas, do qual é curador junto com a pesquisadora Susana Dias do Laboratório de Jornalismo Avançado da Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp).

Revista ClimaCom: A chamada do evento é para um encontro-ação como ensaio e preparo com a catástrofe. Qual a proposta?

Sebastian Wiedemann: (A)mares e ri(s)os infinitos nasce como uma resposta a certo desassossego diante de uma quase sistemática desvitalização dos espaços de arte em razão das lógicas representativas que se impõem. Sentíamos que espaços convencionais como o museu não afetavam o suficiente. O que aqui nos move é uma pergunta pela vida que vaza como os rios nos mares, e que resiste a ser ancorada em um quadro de referência. O que nos interessa é a correnteza de atos de criação que, por procurarem afirmar a vida, podem e querem compartilhar as mesmas águas. Perguntamo-nos por como estar juntos, sendo que a atual crise ambiental nos obriga a inventar infinitos modos de atualizar e abrir possíveis para essa pergunta. Por isso tomamos a decisão por um encontro-ação – um espaço para criar populações de afetos entre nós e as coisas-seres do mundo, privilegiando as águas em suas potências de seca e inundação.

Imagem da série Vazar infinitos [https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=3402], produzida por Sebastian Wiedemann e grupo multiTÃO.

Imagem do ensaio Vazar infinitos [https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=3402], produzida por Sebastian Wiedemann e grupo multiTÃO.

 

Revista ClimaCom: Como rios e risos se articulam?

Sebastian Wiedemann: Poderíamos dizer que esse projeto tem por inspiração a vontade de criar emaranhados e nomadismos no pensamento e nos corpos, onde efetivamente aconteça e se invente uma escuta com as águas, um ouvir o rio que faz rir. Não esqueçamos que, numa boa gargalhada, um corpo sempre se desajeita e se desarticula, e um outro, novo, aparece, talvez um que crie alianças afirmativas com a catástrofe.

Revista ClimaCom: O evento abre com a exibição do filme Ouvir o rio: uma escultura sonora de Cildo Meireles. Como vocês tomaram contato com essa obra e em que medida ela poderá servir como inspiração para a oficina de fotografia-pintura que será oferecida em seguida?

Sebastian Wiedemann: Acreditamos que todo movimento de resistência é um movimento de coletividades, de legiões. Nesse sentido, já faz algum tempo que se estabeleceu uma amizade no pensamento com Cildo Meireles. A força do simples, a decantação de seus processos criativos e a eficácia minimalista de suas obras é algo que sempre nos instigou muito. O filme nos coloca um rico campo problemático: de um lado, o desdobramento do processo criativo da obra RIO:OIR e, de outro, o que a imagem cinematográfica faz com tudo isso. Um atrito entre a potência de um ato de criação e comunicação – ou pensamento – aparece em nosso contexto mais próximo. Problema que poderíamos pensar, talvez, com a seguinte pergunta: se entendemos comunicação e divulgação como um modo de fazer variar e proliferar potências de pensamento entre ciência, arte e filosofia, como evitar a armadilha da representação que constantemente tenta capturar as imagens e, contrariamente, afirmar que sempre se trata de um problema de experimentação? A oficina que propomos é uma tentativa de tornar mais rico ainda esse problema, uma linha por onde essa pergunta pode vazar, assim como a pintura faz vazar a fotografia. Uma oficina na qual queremos compartilhar com os participantes um dispor-se junto com os materiais, ser matéria plástica com eles. De modo algum apelamos a objetos a serem analisados. O filme, assim como a obra de Cildo Meireles, são conglomerados de afetos com os quais queremos fazer proliferar certa plasticidade no pensamento, a mesma que poderia deslocar posições tristes como a da vítima ou o do culpado, que fazem da catástrofe algo impotente. Afirmar com a oficina a catástrofe como força de vida. A vida é isto: o encontro de diferentes que algo de novo nos doa.

Revista ClimaCom: Durante o evento, a proposta é também produzir um audiovisual. O que vocês pretendem explorar?

Sebastian Wiedemann: Há uma imanência das águas, um encontro infinito delas. O rio nunca nasce numa nascente e nunca termina no mar. Do mesmo modo, sentimos que (a)mares e ri(s)os infinitos não pode terminar no evento. Propomos essa produção audiovisual não como um registro que seria uma continuação do evento, mas como uma variação. A imagem como esse lugar que faz variar o mundo. Fazer da imagem esse lugar de passagem, onde as experiências e experimentações do evento possam ganhar outra vida em relação a encenações que temos pensado fazer especialmente para a imagem com os convidados especiais. Um ensaio onde, como temos insistido, queremos fazer proliferar as águas em aliança com as forças da catástrofe, que será um elemento que atravessará esse audiovisual, mas também todo o evento e o livro que surgirá na oficina de fotografia-pintura da abertura. Gostamos de pensar nele como um livro-nascente, livro que se abrirá em cada encontro do evento e que, sem dúvida, de algum modo, será a personagem principal do audiovisual que produziremos. Livro como nascente de rios, de catástrofes e destroços alegres para os quais a imagem quer ser canal, para quem sabe desembocar em um efetivo mar de imagens. Nesse sentido, poderíamos pensar que (a)mares e ri(s)os infinitos será aberto com o filme RIO:OIR e encontra a sua proliferação e variação audiovisual dialogando com Marulho, também do artista plástico Cildo Meireles. Amar e rir com a catástrofe, levar o rio de afetos desse evento a um mar de imagens.

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