A poética dos fungos | Tuane Maitê Eggers


Tuane Maitê Eggers [1]

A poética dos fungos

A mudança, se consentirem em olhar para ela diretamente, sem véu interposto, logo lhes aparecerá como o que pode haver de mais substancial e duradouro no mundo. Sua solidez é infinitamente superior à de uma fixidez que não passa de um arranjo efêmero entre mobilidades. (Bergson, 2006, p.17)

 

Nada é estático. Tudo é fluxo. Se a arte fala sobre tudo aquilo que permeia a vida, como não falar sobre os fluxos em que a própria vida está inserida? Em silêncio, caminho pelas trilhas da floresta depois de um dia chuvoso. Meus olhos estão atentos e abertos a cada detalhe: é preciso um outro tempo no olhar para encontrar cogumelos. Silenciosos em suas existências pelos cantos úmidos da mata, os fungos sempre me causam um misto de encantamento e de espanto, com suas infinitas possibilidades de formas e de cores. Sua vida misteriosa parece breve aos nossos olhos, mas eles seguem existindo muito além do que somos capazes de captar, transformando e decompondo a matéria como a conhecemos.

Quando olho para esses seres que tanto desconheço, sinto como uma dádiva a possibilidade de contemplar sua existência, ao mesmo tempo tão discreta e tão fundamental para a manutenção do equilíbrio da vida no planeta. É nessa sutileza que acontece pelas bordas, de maneira silenciosa, que percebo certa subversão. Enquanto todos dormem, os fungos atuam, em sua própria ontologia, como organismos de interação entre a vida e a morte. Depois do momento de contemplação, o meu impulso seguinte é fotografar.

Quando penso na beleza e no mistério dos fungos, penso, principalmente, na sua capacidade de transformar. É esse o motivo mais intenso de meu encanto: é preciso transformar a matéria. A matéria física, a matéria do pensamento, a matéria do olhar. Como ressalta Tsing (2015), os fluxos mobilizados pela digestão micelial são, ao mesmo tempo, narrativas de degradação e criação. A decomposição que configura ou torna possível novos mundos para outros organismos.

No prefácio de seu livro Mycelium Running, o micologista Paul Stamets (2005) afirma que está, há mais de 30 anos, envolvido com fungos — ou que, talvez, os fungos o tenham envolvido — em uma missão de promover os benefícios dos cogumelos para os ecossistemas terrestres. Lembro das reflexões do cineasta Rodrigo Grota (2020), na ocasião de um filme curta-metragem sobre o agricultor e fotógrafo nipo-brasileiro Haruo Ohara: “Quando fotografo uma planta, não sou quem está a conduzir. Ela, em seu silêncio, me descreve por meio dessa foto, relação na qual sou apenas o responsável pelo ato terminal.” (Grota, 2020). Nesse sentido, ao refletir sobre meu encanto fotográfico pelos fungos, penso no que eles dizem sobre mim e na forma que eles me envolveram em seu universo para difundir a sua existência por meio de minhas imagens. Será a fotografia sempre um ato unilateral, comandado por quem dá o clique?

 

(Leia o artigo completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1] Mestra em Poéticas Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: tueggers@gmail.com.

A poética dos fungos

 

RESUMO: Este ensaio é um desdobramento da pesquisa de mestrado intitulada A Poética dos Fungos, que teve como resultados visuais a série Estudos sobre fungos & montanhas e as obras Fluxus Fungus. O processo artístico investiga um método experimental de cocriação na fotografia, por meio de imagens que envolvem fungos como um de seus agentes criadores. Ao abrir janelas de vida para os fungos se espalharem sobre imagens impressas, o estudo busca refletir sobre os fluxos da arte e da vida sob uma perspectiva menos antropocêntrica, por meio da estesia que pode proporcionar a grandeza das existências mínimas. O texto traça um percurso em busca da contemplação da poesia existente no descontrole de imagens vivas e na beleza presente no fenecimento (como um início de outros mundos) — além do desejo de manter as conexões miceliais sempre abertas: incerteza viva como impulso de criação.

 

PALAVRAS-CHAVE:  Fotografia. Fungos. Simpoiese.

 


 

The poetics of fungi 

 

ABSTRACT: This essay is an unfolding of the master’s research entitled The Poetics of Fungi, which had as visual results the series Studies on Fungi & mountains and the works Fluxus Fungus. The artistic process investigates an experimental method of co-creation in photography, using images that involve fungi as one of their creative agents. By opening windows of life for fungi to spread over printed images, the study seeks to reflect on the flows of art and life from a less anthropocentric perspective, focusing on the esthesia provided by the greatness of minimal existences. The text traces a path towards a contemplative view of the poetry present in the uncontrollable living images, and in the beauty found in decay processes (which can be seen as a beginning of other worlds) — in addition to the desire of keeping mycelial connections always open: living uncertainty as an impulse of creation.

 

KEYWORDS: Photography. Fungi. Sympoiesis.


EGGERS, Tuane Maitê. A poética dos fungos. ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8,  n. 20,  abril.  2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-poetica-dos-fungos/