A floresta sabe, as cidades não: águas fazem histórias | Fernanda Carla de Moraes Augusto e Marina Guzzo


Fernanda Carla de Moraes Augusto[1]
Marina Guzzo[2]

 

Eu cheguei com meu tênis de trilha perguntando onde era a entrada do Parque Nacional. O senhor sentado na sombra me olhou com calma e apontou com o dedo para o rio. Ficava lá, uma entrada em cada vão entre as árvores no meio do rio. A floresta também era rio. A trilha seria de barco. Um pequeno barco, que pode desligar seu motor e seguir com remos. Um labirinto aquático, sem porta de entrada ou de saída, sem setas. Entre troncos, plantas, folhas, pássaros, peixes, insetos, fungos, feixes de luz do sol. Entre ilhas de floresta. Um caminho de entres. Um barqueiro-bússola.

Lá no meio, na floresta densa alagada, o Rio Negro refletia a infinidade de espécies até às alturas, e permitia ver seus fundos, de raízes, galhos, bichos, terra, luzes. O período de cheia estava acabando, era possível ver as marcas da água que começava a baixar. Em outros meios, onde o rio se abria mais largo entre as copas das árvores, ele experimentava ser céu. Paletas de azul, branco, verde, sombras. A paisagem estava vibrante. Dava para sentir no corpo. Corpos em êxtase. A floresta compõe a vida com as águas cheias. Anavilhanas. Amazônias.

A cidade onde moro alaga ruas com uma breve chuva forte. Com uma longa chuva, transborda seus canais. Existem bairros que, mesmo sem chuva, alagam com a subida da maré. Com chuva, maré alta, ressaca do mar, se anuncia o caos. Nem precisa de um evento climático extremo para suas tragédias. Com as mudanças climáticas e o aumento do nível do mar, parte de seu território vai alagar – sem retorno. É questão de tempo e do que será feito nesse tempo. Santos tem urgências. Mas para alguns parece ser melhor não saber. A especulação imobiliária segue plena. A cidade dos prédios, a mais vertical do país. A cidade com o maior porto da América Latina. A cidade com a maior favela de palafitas do Brasil. Entre Santos e São Vicente, o Rio dos Bugres, o segundo mais contaminado por microplásticos no mundo. Colecionando recordes. A cena do racismo ambiental, em meio ao que restou de Mata Atlântica. Será também uma cidade recordista em número de refugiados climáticos, em um futuro próximo?

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

[1] Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Email: moraes.fernanda@unifesp.br
[2] Professora Associada da Universidade Federal de São Paulo e no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde – Unifesp. Email: marina.guzzo@unifesp.br

A floresta sabe, as cidades não: águas fazem histórias

 

RESUMO: Os rios que nos atravessam têm algo a dizer, nos transformam. Contam das vidas tantas, dos mundos, da História e das histórias. Rio adentro pelas Amazônias e florestas se abrem, se compõem com as águas. As florestas sabem. Rio abaixo pelas cidades e as águas afogam. Mergulhando entre cidades e florestas, nos colocamos a pensar as mudanças climáticas, o colapso socioambiental e as crises tantas que os acompanham – econômica, ecológica, política. Em tempos de Antropoceno, a lógica colonial-capitalista-patriarcal-racista nos sufoca, humanos e não humanos, de maneira desigual. Destruição ambiental, desmatamento, exploração ilimitada, uso de combustíveis fósseis, fascismos. Produção em série de catástrofes. Cenários de fim de mundos. Que histórias outras fabular? Que diferentes horizontes se anunciam? Que reflorestamentos e reidratações em subjetividades são possíveis? Como acessar vidas? Como produzir resistências? Experimentamos águas e palavras para produzir afetos, ideias, pensamentos, apostas, respiros. Um texto-convite para se molhar.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias-águas. Crise socioambiental-econômica-ecológica-política. Mudanças climáticas. Territórios. Antropoceno.


The forest knows, the cities don’t: waters make stories

 

ABSTRACT: The rivers that cross us have something to say, they transform us. They tell about so many lives, about worlds, about History and stories. Upstream through the Amazons, and forests open up, blending with the waters. The forests know. Downstream through the cities and the waters make drown. Diving between cities and forests, we start to think about climate change, socio-environmental collapse and the many crises that accompany them – economic, ecological, political. In Anthropocene times, the colonial-capitalist-patriarchal-racist logic suffocates us, humans and non-humans, in an unequal way. Environmental destruction, deforestation, unlimited exploitation, use of fossil fuels, fascism. Mass production of catastrophes. End of worlds scenarios. What other stories to fable? What different horizons are announced? What reforestations and rehydrations in subjectivities are possible? How to access lives? How to produce resistances? We experiment with waters and words to produce affections, ideas, thoughts, bets, breaths. A text-invitation to get wet.

KEYWORDS: Water-stories. Socio-environmental-economic-ecological-political crisis. Climate change. Territories. Anthropocene.


AUGUSTO, Fernanda Carla de Moraes. GUZZO, Marina,. A floresta sabe, as cidades não: águas fazem histórias [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-floresta-sabe/