Por Janaína Quitério
“Imagina que, em 2015, você seja um jovem morando em uma favela. Agora, imagina que, em 2050, os Estados Unidos terão construído uma ilha flutuante para receber você como um refugiado ambiental”. A proposta figurava em pleno telão do Teatro Nanterre-Amandiers, nos arredores de Paris, enquanto 200 jovens, vindos de vários países, participavam de um jogo teatral de simulação organizado pelos estudantes do renomado Instituto de Estudos Políticos da Sciences Po (SEAP), em maio deste ano – seis meses antes da abertura da 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (COP-21), que acontece na capital francesa de 30 de novembro a 11 de dezembro.
A ideia do Make it Work –The theater of Negotiations foi fazer um exercício de reinvenção das regras vigentes nas COPs – cujo primeiro fórum aconteceu em 1995, em Berlim, após ter sido idealizado na ECO 92, no Rio de Janeiro – como ferramenta potente para repensar a estrutura e o modus operandi de um “esforço internacional” que será responsável pela existência futura – ou não – de todas as formas de vida no planeta. “Por 20 anos, as negociações internacionais sobre o clima estão paralisadas em face da urgência da degradação climática, especialmente à relacionada com as emissões de CO2”, justificam os organizadores.
Para o antropólogo e filósofo da ciência Bruno Latour, professor da Science Po e idealizador do evento, as negociações no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) têm sido ineficazes em razão da complexidade das questões envolvidas estarem encerradas num tipo de negociação que privilegia o papel do Estado nas decisões, em detrimento dos múltiplos atores – e seus interesses políticos em jogo. “Integrar as entidades com seus interesses tira a negociação do utópico, torna-a uma representação mais realista”, explica Latour no documentário Climate Make It Work, de David Bornstein, lançando em novembro deste ano e disponível para locação no Vimeo.
Em parceria com outras universidades, como a London School of Economics, a Universidade de Columbia e a Universidade de Tsinghua, em Pequim, os jovens tiveram três dias de preparação e três dias de improvisação para reinventarem uma forma de representação que colocasse no mesmo palco delegações que não estão representadas nas negociações governamentais, como comunidades indígenas, organizações não governamentais, regiões polares, corporações de petróleo, indústrias de agrotóxico, internet, entre outras. “Em maio passado, nós imaginamos uma situação em que as delegações não estatais fossem representadas em igualdade com os Estados. ‘Atmosfera’ estava no palco, mas também ‘Solos’ e ‘Oceanos’, com todas as contradições que existem entre pescadores, tubarões e massas de corais”, contou Bruno Latour à revista francesa Telerama, em entrevista concedida no dia da abertura da COP-21.
Os jovens prepararam seus papéis antes, mas Philippe Quesne, chefe do Teatro de Nanterre-Amandiers e diretor de palco na simulação, ressaltou que a improvisação estava constantemente em jogo: “Isso pode alimentar outra maneira de ver os reais debates. Na COP real, as questões são as mesmas, e os chefes de Estado provavelmente irão reencenar os arranjos já feitos nos bastidores. É uma dramatização!”, Quesne joga com as palavras em entrevista dada ao filme de Bornstein.
Assim, imersos no desafio de conter o aumento da temperatura da Terra em dois graus Celsius até 2100, os jovens se dividiram em 42 delegações, que incluíram representações de animais – a exemplo dos orangotangos mortos pelo desmatamento – e fizeram um documento final com a adoção de medidas, tais como a criação de um status legal para refugiados do clima e a conexão global do mercado de carbono. “Temos de reinventar o que significa ‘agir’, ser otimista, entusiasta ou indignado”, respondeu Latour à Telerama sobre o porquê do chamado às artes. “Se a política é a ‘arte do possível’, ainda é necessário que haja artes para multiplicar esses possíveis”.
Outros chamados para inventar o futuro
Inventar novas maneiras de pensar e novas narrativas também é a proposta do Festival Global de Atividade Cultural sobre Mudanças Climáticas (ArtCop21), que vem reunindo agentes culturais do mundo todo de forma colaborativa desde setembro, com concentração de atividades artísticas durante o mês da COP-21, não apenas nos arredores de Paris, sob o lema “Clima é Cultura”. A pergunta que move o evento é semelhante à que motivou a simulação teatral de maio e se constitui como um chamado à imaginação de um mundo futuro: “A abordagem científica e política que rege a agenda da COP-21 será suficiente para negociar acordos internacionais capazes de combater as alterações climáticas?” Até o início de dezembro estavam registrados 512 eventos de 52 países.
Entre eles, destaca-se a instalação visual Exit – em exposição no Palais de Tokyo, em Paris, até 10 de janeiro de 2016. Composto por um conjunto de mapas animados, é possível perceber visualmente as relações complexas entre migrações, refugiados políticos e o aumento recente de refugiados climáticos a partir das catástrofes naturais que, desde 2008, deslocam em média 26 milhões de pessoas por ano – ou uma pessoa por segundo. Os mapas também demonstram que há diferenças marcantes entre os maiores emissores de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global e que desencadeia a degradação também das relações humanas, e os países mais prejudicados pelas catástrofes ambientais.
Uma preocupação para além dos governos
A COP-21 tem sido apontada por especialistas climáticos, governos, artistas e ativistas políticos como a última tentativa de barrar os desastres ambientais já em curso e que irão se agravar caso não seja atingida a meta de contenção do aumento da temperatura em dois graus até 2100. Além disso, é nesta conferência que os 195 países e a União Europeia, membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), tentarão chegar a um novo acordo climático que deverá entrar em vigor em 2020, substituindo o já esvaziado Protocolo de Quioto.
Em entrevista à Agência Brasil, o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Ritti, alerta que dois graus é o limite considerado seguro para gerenciar os impactos ambientais. Mas, apesar disso, as Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDC) apresentadas para a COP-21 mostram que, caso sejam implantadas todas as medidas propostas pelos países membros, ainda assim a temperatura da Terra aumentará 2,7 graus.
Não é à toa que a preocupação extrapola os muros governamentais e se mostra nas ruas com a organização de marchas em todo o mundo. De acordo com notícia publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA), mais de 700 mil pessoas em 170 países participaram de mobilizações nos primeiros dias da COP-21, com o intuito de pressionar os governos a firmar um compromisso sério durante a conferência. Em Paris, mesmo com o estado de emergência decretado pelo governo francês depois dos atentados de 13 de novembro, foi organizada uma corrente de sapatos em frente a estátua da Marianne, na Praça de La Republique, sob o slogan “Nossos sapatos marcharão por nós”, coordenado pela organização não governamental Avaaz.
De acordo com o site da Global Climate March, mantido pela Avaaz, até o segundo dia da COP-21 aconteceram quase 2500 mobilizações populares em todo o mundo.