Cartões postais para o rio Piracicaba: grafias, memórias e transbordamentos | Fernando Monteiro Camargo


Fernando Monteiro Camargo[1]

 

Um gesto, um objeto, uma imagem podem nos arremessar ao passado e fazê-lo presente. Marcel Proust (2003), ao se debruçar para descalçar os sapatos, foi acometido por uma enxurrada de memórias involuntárias, assim como a sua famosa Madeleine que, mergulhada no chá, evocava tempos e espaços esquecidos. Algo semelhante pode ocorrer quando manuseamos um cartão postal: ao tocá-lo, ao virar a imagem, ao percorrer a grafia impressa ou manuscrita, ao nos debruçarmos sobre eles, somos atravessados por vestígios de experiências, histórias e afetos. O objetivo aqui é mostrar e refletir sobre a experiência de construção de cartões postais do rio Piracicaba, que emergiram como parte da minha pesquisa de doutorado, intitulada “Vida, escrita e transbordamentos: biografias e etnografia do rio Piracicaba”, realizada no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Unicamp[2]. Os cartões postais aqui apresentados não são apenas registros visuais ou documentos do rio Piracicaba, mas foram criados como dispositivos de memória e ativadores de relações. Como grafias do rio (ou porque não dizer “dos rios”), eles buscam prolongar trocas silenciosas, afetos, sonhos, pesadelos, medos, tristezas e revoltas, instaurando novos modos de ver e sentir com o rio.

Percebendo que o rio Piracicaba não é apenas um curso d’água, mas um emaranhado de relações, uma malha viva em constante transbordamento. Sua experiência não é empiricamente observável, mas, podemos observar e narrar as expressões de sua experiência e partir disso, estabelecer outras experiências. Inspirado por Geneviève Azam (2020) e Ailton Krenak (2019), procuro, com os cartões postais, escapar da visão instrumental do rio como mero recurso hídrico, para compreendê-lo como um ser que comunica, que negocia, que resiste. Os postais são, portanto, uma tentativa de dar corpo a esse transbordamento, ou melhor dizendo, de transbordar os transbordamentos do rio – não apenas como metáfora, mas como método. Eles operam como fragmentos móveis, deslocáveis, recombináveis, tal como o fluxo das águas que, no movimento, aproximam vidas e promovem afetos.

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

[1] Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Email: camargo.fmc@gmail.com

Cartões postais para o rio Piracicaba: grafias, memórias e transbordamentos

 

RESUMO: Este texto explora a criação de cartões postais do rio Piracicaba, como parte da pesquisa de doutorado sobre a biografia e etnografia do rio. Os postais são entendidos como dispositivos de memória e afetos, que vão além de simples registros visuais, funcionando como formas de resistência e ativadores de novas relações. Inspirado por pensadores como Walter Benjamin, Ailton Krenak e Georges Didi-Huberman, o estudo propõe uma visão do rio como um ser vivo, que comunica, transborda e resiste à lógica capitalista de exploração. Ao serem manuseados e distribuídos, os postais reconfiguram memórias e ampliam os sentidos do rio, desafiando narrativas lineares e fixas. Como fragmentos móveis, eles provocam uma experiência compartilhada, possibilitando novas conexões e interpretações. O texto defende que, ao interagir com os postais, o rio e suas histórias são reativados, permitindo uma compreensão mais fluida e afetiva de suas águas e suas transformações.

PALAVRAS-CHAVE: Cartões postais. Rio Piracicaba. Memória. Afetos. Resistência.


Postcards for the Piracicaba River: Writings, Memories, and Overflows

 

ABSTRACT: This text explores the creation of postcards of the Piracicaba River as part of a doctoral research on the biography and ethnography of the river. The postcards are understood as devices of memory and affection, going beyond simple visual records to function as forms of resistance and activators of new relationships. Inspired by thinkers such as Walter Benjamin, Ailton Krenak, and Georges Didi-Huberman, the study proposes a vision of the river as a living entity that communicates, overflows, and resists the capitalist logic of exploitation. By being handled and distributed, the postcards reconfigure memories and expand the meanings of the river, challenging fixed and linear narratives. As movable fragments,  hey provoke a shared experience, enabling new connections and interpretations. The text argues that by interacting with the postcards, the river and its stories are reactivated, allowing for a more fluid and affective understanding of its waters
and transformations.

KEYWORDS: Postcards. Piracicaba River. Memory. Affection. Resistance.


CAMARGO, Fernando Monteiro. Cartões postais para o rio Piracicaba: grafias, memórias e transbordamentos [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/cartoes-postais-piracicaba/