Daniela Feriani[1]
Durante décadas de convívio com crianças autistas não verbais, o educador francês Fernand Deligny e colaboradores aboliram a linguagem verbal de suas interações. Tal acontecimento não advinha de um método científico ou terapêutico, mas vinha da experiência de “estar em estado de presença” a crianças autistas e de um profundo desconfiar da linguagem. Tal experiência os levaram a fazer um deslocamento do lugar de seres falantes, a se apoiar no corpo e a experimentar um estado de “para nada” altamente desestruturante para “nós”, seres linguísticos, funcionais e de sentido.
Emerge, dessa experiência sensível, o método do traçar. Em 1969, mapas com os deslocamentos espaciais das crianças autistas começam a ser traçados nas comunidades de convívio. Eis uma abordagem não pela palavra, ausente naquelas crianças autistas, mas através de algo primordial: os movimentos (Deligny, 2015). Desenha-se, assim, as “linhas de errância”: um perambular livre, sem um propósito pré-definido, que desestabiliza a funcionalidade e o pragmatismo em que estamos acostumados a submeter o nosso fazer/deslocar.
FIG. 01 – Mapa de Fernand Deligny e colaboradores.
(Leia a coluna assinada completa em pdf)
[1] Antropóloga formada pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atualmente, é bolsista de Jornalismo Científico (Mídia Ciência) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, com o projeto “A demência como outro mundo possível: ações de divulgação científica” [2024/05623-0] sob orientação de Susana Oliveira Dias do Labjor-Unicamp. Email: danielaferiani@yahoo.com.br