Quando as palavras se apagam, o que brilha? | Daniela Feriani

Quando a linguagem verbal não é uma opção, a interação e comunicação precisam se abrir para outras dimensões, como o corpo, a dança, a poesia, a imaginação, o silêncio. A inclusão só é possível quando estivermos dispostos a mudar as posições e os nossos próprios meios de acesso.

Daniela Feriani[1]

FIG. 01 – A dança de Kae. No filme MOV KAE, de Toshiko Oiwa e Osmar Zampiere (2024)[2].

FIG. 02 – A dança de Kae. No filme MOV KAE, de Toshiko Oiwa e Osmar Zampiere (2024).

Kae é um menino autista e com Síndrome de Down. Ele não fala. Desde pequeno, tem uma relação intensa com a música. É dançando com o filho que Toshiko conseguiu encontrá-lo. A dança é a linguagem.

FIG. 03 – A dança de Kae e Toshiko. No filme TAO KAE, de Paulo Alberton (2022)[3].

Toshiko é dançarina e passou a fazer apresentações com o filho. Desde então, recebe perguntas se Kae, afinal, entende o que está acontecendo. Será que ele sabe que é uma coreografia? Numa conversa sobre o filme TAO KAE[4], Fernanda Cruz, professora de letras na Unifesp, retoma a pergunta – será que Kae entende? – para falar da relação entre a dançarina Mathilde Monnier e a autista não-verbal Marie-France, que passou a infância e a vida adulta internada numa instituição, na França. A dançarina faz todo um trabalho corporal com Marie-France. Em certo momento, Mathilde Monnier se pergunta se Marie-France participava da dança. Será que ela vai dançar?

Ao final do processo, Mathilde Monnier fala o que provocou essa relação: um outro corpo da própria dançarina, de assumir totalmente a possibilidade de ter outro corpo. E isso só seria possível se ela saísse do lugar de se perguntar se Marie-France estava entendendo ou seguindo, se elas eram uma dupla. Era preciso sair desse lugar para encontrar a relação, que resultou no outro corpo na experiência da dançarina, e não da dançarina poder dizer o que aconteceu para a Marie-France, porque, para a Marie-France, só ela poderia dizer, da forma dela.

 

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[1] Antropóloga formada pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atualmente, é bolsista de Jornalismo Científico (Mídia Ciência) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, com o projeto “A demência como outro mundo possível: ações de divulgação científica” [2024/05623-0] sob orientação de Susana Oliveira Dias do Labjor-Unicamp. Email: danielaferiani@yahoo.com.br