O grafismo-contraste do povo Kariri-Xocó: partilha de um mundo das diferenças | Victor Hugo da Silva Iwakami e Grupo Sabuká Kariri-Xocó


 

Victor Hugo da Silva Iwakami[1]

Grupo Sabuká Kariri-Xocó[2]

 

De ré, poderíamos dizer que no princípio era a folha. Outras narrativas vão dizer que no princípio era o verbo. Outras ainda vão criar paisagens bem diversas, e isso é maravilhoso. Entre tantos mundos, me sinto especialmente tocado pelas histórias que nos aproxima dos seres invisíveis aos olhos turvos de quem não consegue andar na Terra com alegria que deveríamos imprimir em cada gesto, em cada respiro.

(Krenak, 2022, p. 31)

Retomada de traços flutuantes 

Pensar a partir das diversas dimensões dos impactos das mudanças climáticas pode ir além do debate técnico-científico sobre possíveis estratégias de amenizá-las. Visto que pensar a diversidade epistemológica demanda um projeto de desmapeamento do Estado-Capital (Tsing, 2015, p. 193). Pesquisar e criar junto com a etnia indígena Kariri-Xocó, principalmente no desafio de estudar as invenções micropolíticas na educação por meio da imagem, tensiona a concepção de diversidade presente na sociedade ocidental. Talvez fugir daquilo que poderíamos nomear de “monocultura diversa”, buscar linhas de fuga de um mundo tomado de um sistema monocultor que permite a existência da diversidade vegetal, desde que não ultrapasse os limites determinados para ela. Este artigo se propõe a trilhar aberturas ao debate de espaços que cresçamos entrelaçados em um contínuo encontro das diferenças, implodindo os limites impostos pela monocultura neoliberal.

 […] se pudéssemos ter apenas uma palavra para as terríveis intromissões entre nós que ameaçam a vida na terra, não só para os seres humanos, mas para um grande número de plantas, animais e modos de viver nesta Terra, seria Capitaloceno e não Antropoceno. Não porque ela conta a história toda, mas porque não foi o Antropos que causou tal coisa; processos de mundanização na extração, a produção maciça de riquezas por meio da extração envolvida nos genocídios e nos sistemas de trabalho e escravizações e industrializações e aparelhos energéticos, e, e, e… De algo que podemos muito bem chamar de Capitaloceno. Esse nome cabe bem mais à história do que o ato de espécie ao qual remete o nome Antropoceno, que inevitavelmente faz parecer que o que está acontecendo é um ato da espécie. (Haraway, 2022, p. 419-420).

Atualmente, grupos familiares pertencentes à etnia Kariri-Xocó partem das margens do rio Opara (Rio São Francisco) em Porto Real do Colégio (Alagoas) com o intuito de fomentar atividades culturais voltadas para a preservação e fortalecimento de sua herança material e imaterial. Esta iniciativa, que se revela simultaneamente política,educacional e artística, engloba a partilha de narrativas sobre suas lutas, modos de vida e visões de mundo, além da exposição de suas expressões artísticas elaboradas a partir de materiais como barro, árvores e sementes, incluindo também suas práticas culturais tradicionais, tais como os torés (cantos e danças) e os rojões. Desde 1995, o grupo Sabuká Kariri-Xocó [3] (SKX) tem desenvolvido suas atividades em Campinas, no interior do estado de São Paulo, bem como em regiões da capital paulista (Narita; Wunder, 2018). Ao longo dos anos, foram estabelecidas diversas parcerias, culminando em 2013, na formação de uma rede de apoio aos Kariri-Xocó [4] na cidade de Campinas (SP). Essas conexões duradouras e frutíferas estabelecidas entre instituições, estudantes, artistas, professores e pesquisadores promovem o intercâmbio de saberes entre a comunidade indígena e as instituições de ensino superior, as escolas e a sociedade não indígenas.

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 01/03/2024

Aceito em: 01/06/2024

 

[1] Formado em Licenciatura em Ciências Biológicas, Mestre em Educação e doutorando em educação, todas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente em ciências e biologia na rede estadual de ensino de São Paulo. Na pós-graduação desenvolve pesquisas na linha de Linguagem e Arte em educação, voltada aos estudos imagéticos com foco no intenso encontro com povos originários, desenho e narrativas. Email: victoriwakami@gmail,com

[2] Sabuká Kariri-Xocó é um grupo formado por integrantes da família Tinga que residem em Porto Real do Colégio (Alagoas), por meio da educação patrimonial, pajelança, pinturas corporais, torés e rojões, buscam o desenvolvimento e cura da humanidade no encontro entre diferentes culturas. Para contato buscar pelas redes sociais @gruposabuka ou @centroculturalsabuka.

O grafismo-contraste do povo Kariri-Xocó: partilha de um mundo das diferenças

 

RESUMO: Neste ensaio exploramos os desdobramentos de processos de pesquisa que experienciaram a criação com a etnia Kariri-Xocó por meio de narrativas fabuladas no entre pesquisador-artista-biólogo e o grupo Sabuká Kariri-Xocó. Diante de diversas possibilidades de encontros e reflexão, destacamos o grafismo como uma expressão artística e científica que transcende a representação para celebrar a diversidade e a igualdade entre as diferenças. A experimentação com o grafismo Kariri-Xocó desafia as hierarquias ocidentais, propondo encontros que respeitem a pluralidade. Enquanto o traço sutil do jenipapo Kariri-Xocó inspira reflexões diante dos desafios do niilismo existencial e das mudanças climáticas, instigando novas abordagens para repensar as relações humanas e não-humanas, assim como o sentido da existência em tempos contemporâneos. Essa interação revela-se como um caminho para explorar a complexidade das relações entre diferentes seres e culturas, oferecendo perspectivas alternativas para enfrentar os desafios da atualidade. Por meio do grafismo e do encontro com os Kariri-Xocó, emerge uma narrativa de respeito à diferença, reconhecimento da interdependência e busca por outras abordagens possíveis que não esgotam os mundos, mas instigam novas reflexões.

 

PALAVRAS-CHAVE: Kariri-Xocó. Grafismo. Pesquisa-experimentação. Devir. Representação


El grafismo-contraste del pueblo Kariri-Xocó: compartiendo un mundo de diferencias.

 

RESUMEN: El presente ensayo explora los desenlaces de los procesos de investigación que participan en la creación con la etnia Kariri-Xocó, destacando el diseño gráfico como una expresión artística y científica que trasciende la representación para celebrar la diversidad y la igualdad entre las diferencias. La experimentación con el diseño gráfico Kariri-Xocó desafía las jerarquías occidentales, proponiendo encuentros que respeten la pluralidad. Mientras tanto, el trazo sutil del jenipapo Kariri-Xocó inspira reflexiones ante los desafíos del nihilismo existencial y el cambio climático, provocando nuevos enfoques para repensar las relaciones humanas y no humanas, así como el sentido de la existencia en la actualidad. Esta interacción se revela como un camino para explorar la complejidad de las relaciones entre diferentes seres y culturas, ofreciendo perspectivas alternativas para abordar los desafíos del presente. A través del diseño gráfico y los encuentros con los Kariri-Xocó, emerge una narrativa de respeto por la diferencia, reconocimiento de la interdependencia y búsqueda de otros enfoques posibles que no agoten los mundos, sino que estimulen nuevas reflexiones. 

PALABRAS CLAVE: Kariri-Xocó. Diseño gráfico. Investigación-experimentación. Devenir.


IWAKAMI, Victor Hugo da Silva; Grupo Sabuká Kariri-Xocó. O grafismo-contraste do povo Kariri-Xocó: partilha de um mundo das diferenças. ClimaCom – Territórios e povos indígenas [online], Campinas, ano 11, nº. 26. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/o-grafismo-contraste/