A peste se alastra | Tiago Amaral Sales

Título | A peste se alastra

Quantas marcas restam da dura travessia pela pandemia de covid-19? A partir deste questionamento, o autor reencontra-se com uma poesia escrita no começo do ano de 2021, acessando inúmeros afetos que seguem ressoando em seu corpo-vida. “A peste se alastra” consiste, então, neste inventário de memórias que emergiram naquele período catastrófico, necropolítico, sangrante, visceral, materializadas em uma poesia.

 


| FICHA TÉCNICA |

autor | Tiago Amaral Sales

currículo | Professor adjunto no curso de licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE) – Campus Petrolina. Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (INBIO/UFU). Mestre e Doutor em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED/UFU). Pós-doutorando em Divulgação Científica e Cultural no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (LABJOR/UNICAMP). Escritor de contos, poesias, artigos, ensaios, e… e… e… Integrante do multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (UNICAMP); UIVO: matilha de estudos em criação, arte e vida (UFU) e do AMPLIA: amálgama em educação, ciência e arte (UFU).

contato | tiagoamaralsales@gmail.com

telefone | (34) 991415396

 

 

A peste se alastra

A peste se alastra
deixando todos
desolados
ou quase todos
porque nem todos
são por ela
afetados

ou melhor,
todos são por ela
afetados
mas nem todos são
afetados
do mesmo jeito

A peste se alastra
deixando um rastro
de sangue
límpido, invisível, incolor
quase imperceptível
não fosse a ausência
de oxigênio
as máscaras no chão,
e o colapso funerário

A peste se alastra
levando muita dor
deixando lágrimas
formando rios
que desembocam
em mares poluídos
de políticas necrófilas

A peste se alastra
em meio a lutos
e lutas
pessoais
coletivas
multiespecíficas
a peste seria
um governo?
genocida!

A peste se alastra
dissolvendo
o que se conhecia
humanidade?
talvez, humanidade seja isso
morte conhecida
morte lucrativa
morte assistida
projeto bem sucedido
de enriquecer
com a morte
governar
pela morte
perversidade?
ser-humano…
mortal

A peste se alastra
e minhas esperanças
desestabilizam
até quando?
sobreviverei?
só sei que
dia-após-dia
tentarei

A peste se alastra
e os territórios que conhecia,
já nem sei
os caminhos que trilhava,
hoje fujo
os trajetos que fiz,
já não faço mais

e assim sigo…
devagar, perdido, cansado
sigo…
procurando, sentindo, anestesiado
sigo…
desassossegado
sigo…
vivo aqui e alí
sempre vivo,
até que não esteja
mais

A peste se alastra
e com ela me jogo
com calma
em tentativas,
procuras
e (in)seguranças
negando desertos subjetivos
permeando-me com afetos
que me atravessam
em inquietações, sonhos e pesadelos

A peste se alastra
e eu também
se ela é forte
eu também sou
e nessas tramas
sufocantes
vou sendo como posso
sem jogar meu corpo no mundo
é preciso calma
e sigo tentando…

A peste se alastra
e, se o governo nada faz
ou só faz para ela se alastrar
ainda mais
eu me alastro
bem quietinho
em refúgios internos
devagarinho
viagem para dentro de mim
cuidando de assim
de quem eu amo
dentro do possível
desejando um mundo
ainda onírico

Se a peste é forte
se alastrando
por todo canto
eu sei que a vida
há de perseverar
e fortemente
se alastrar
infectar, pulverizar
e amanhã
eu sei que será
um novo dia…

SALES, Tiago Amaral. A peste se alastra. ClimaCom – Desastres [online], Campinas, ano 10, n. 25, nov. 2023. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-peste-se-alastra/


 

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