A planta mediada〡Teresa Castro


 

Teresa Castro[1]

Tradução: Maria Souza Lobo Guzzo[2]

 

A planta mediada

Quando eu era criança, me ofereceram um livro sobre florestas. O livro estava repleto de ilustrações coloridas: algumas eram muito intrigantes, afastando-se da representação habitual de silhuetas de árvores e formas de folhas com as quais eu habitualmente me deleitava. Duas imagens em particular chamaram minha atenção errante. A primeira mostrava uma planta de interior em tudo semelhante ao filodendro que minha mãe havia arrumado de maneira estilosa em nossa sala de estar parecida a uma selva. Mas, em vez de ficar quieto ao lado de uma poltrona de veludo, o filodendro do livro estava conectado a uma máquina de aparência estranha por dois eletrodos volumosos. Enquanto a máquina rabiscava linhas irregulares em uma tira de papel de rolagem, uma mulher escondendo uma tesoura observa a planta de perto. Uma segunda ilustração descrevia o que parecia aos meus olhos juvenis a mais cruel das experiências: ao lado de outro vaso de plantas, um homem jogava um infeliz lagostim na água fervente. Um lagostim vivo! Segundo o autor do livro, esses estranhos experimentos haviam provado que as plantas podem “sentir medo” e “dor”. Muitos anos depois, nutrida por uma paixão de longa data tanto pelo cinema quanto por tudo o que é vegetal, percebi que a imagem daquele frondoso filodendro plugado em um detector de mentiras evocava muito mais do que um manancial de teses loucas, mas incrivelmente populares, sobre a percepção extra-sensorial de plantas. Numa época em que nossa compreensão da vida e do mundo vegetais está sendo reformulada de forma dramática, quando sabemos que as orquídeas também sofrem de jet lag, a imagem dessa planta plugada exigia tanto uma história do que chamo de “planta mediada”, como uma tentativa de queerizar a botânica [3]. Agora que a louca década de 1970, com suas plantas folhudas penduradas em cabides de macramê e discos de vinil com música para plantas, faz parte do passado distante, falar de “consciência”, “pensamento” ou “inteligência” vegetais (termos não equivalentes, mas igualmente estimulantes para aqueles engajados com o pós-humanismo) não cheira mais a pseudociência. (Leia o artigo completo em PDF).

 

Recebido em: 15/09/2022

Aceito em: 15/10/2022

 

[1] Professora associada na Universidade Sorbonne Nouvelle. email: teresa.castro@sorbonne-nouvelle.fr 

[2] Professora Associada na UNIFESP- Campus Baixada Santista. email: marina.guzzo@unifesp.br

 

 

 

 

 

 

 

A planta mediada

 

RESUMO: Este artigo apresenta a ideia da construção imagética e discursiva de uma planta “sensível”, “senciente” ou “inteligente” que se deu no nosso tempo pela ideia de uma planta mediada pós-natural, uma planta interposta por tecnologias visuais e outras capazes de tornarem sua consciência e sintonia com outras plantas e seus arredores discerníveis aos olhos racionalistas. Por meio do cinema são analisadas as tecnologias que nos convidam a conceber o outro-planta em termos intencionais e abertamente queer; cujo poder supremo e paradoxal tem sido, desde o início, a capacidade de reencantar um mundo desencantado, de aumentar nossas possibilidades perceptivas e de sugerir formas alternativas e contra-hegemônicas de pensar o mundo. Embora de forma descontínua, implícita ou às vezes de maneiras francamente incomuns, essas imagens introduzem fissuras imaginativas na narrativa moderna normativa em torno das identidades humanas e não humanas.

PALAVRAS-CHAVE: Plantas. Cinema. Políticas Queer.

 


The mediated plant

 

ABSTRACT: This article presents the idea of ​​the imagery and discursive construction of a “sensitive”, “sentient” or “intelligent” plant that took place in our time through the idea of ​​a post-natural mediated plant, a plant interposed by visual and other technologies. capable of making their awareness and harmony with other plants and their surroundings discernible to rationalist eyes. Through cinema, technologies are analyzed that invite us to conceive the plant-other in intentional and openly queer terms; whose supreme and paradoxical power has been, since the beginning, the ability to re-enchant a disenchanted world, to increase our perceptive possibilities and to suggest alternative and counter-hegemonic ways of thinking about the world. However discontinuously, implicitly, or sometimes in downright unusual ways, these images introduce imaginative cracks in the normative modern narrative around human and non-human identities.

KEYWORDSPlants. Cinema. Queer Politics.


CASTRO Teresa. A planta mediada. ClimaCom – Políticas vegetais [Online], Campinas, ano 9,  n. 23,  dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-planta-mediada/