Nos extremos da conexão global: efeitos compartilhados nos caminhos do rio ao mar

Por Michele Gonçalves

Todo rio caminha para algum mar e leva com ele vestígios de seu percurso. Sejam nutrientes, resíduos, espécies animais, catástrofes: tudo flui para algum delta de águas globais, numa partilha de informações e transformações que se constrói no tempo. Por serem movimento, os rios também dividem os efeitos das alterações ambientais. O aumento da temperatura global, por exemplo, tem mudado de forma significativa várias das dinâmicas fluviais em diferentes regiões do planeta. Uma dessas alterações é o aporte de água para os estuários, que, segundo pesquisadores da Rede Brasileira de Pesquisas Sobre as Mudanças Climáticas Globais – Rede Clima, tem modificado de forma preocupante a biota desses ecossistemas. O poder das águas em compartilhar mudanças é tamanho que une até mesmo regiões bastante distintas como o Ártico e o semiárido brasileiro: em face da dinâmica alterada na foz de seus rios, ambas apresentam respostas de incorporação das consequências em sua cadeia biológica. Nesse caso, a decorrência negativa do aporte fluvial diferenciado é a concentração aumentada de mercúrio dissolvido nas águas estuarinas. A resposta da biota é a incorporação desse metal, o que gera graves problemas para o consumo humano. O evento se dá da seguinte maneira: no Ártico, as temperaturas mais altas aceleram o degelo nas cabeceiras e fazem com que o aporte das águas fluviais seja maior, porém, como a foz dos rios fica congelada grande parte do ano, essa água se deposita nas regiões estuarinas formando lagoas, nas quais, progressivamente, o mercúrio vai se tornando biodisponível, contaminando, assim, a biota local. Já no semiárido, as temperaturas elevadas reduzem o regime de chuvas e o aporte de água fluvial para o oceano, fazendo com que as lagoas temporárias, formadas pela força contrária da maré que invade a foz, permaneçam por mais tempo na região estuarina, o que ocasiona a biodisponibilidade progressiva do mercúrio e contamina a biota. Este efeito, chamado de Paradoxo Ártico, foi descrito por Luiz D. Lacerda, Rozane V. Marins, Francisco J. S. Dias e Talita M. Soares no artigo O Paradoxo Ártico: Impacto das Mudanças Climáticas Sobre Rios Árticos e do Semiárido Aumentam a Exportação de Mercúrio para o Oceano. Nele, os autores mostram como a dinâmica de cada rio e seu respectivo mar destinatário é delicada e específica. O poder dos fluxos, inclusive aqueles que aparentemente não se conectam, revela o desafio das ciências ambientais no cenário da compreensão das alterações climáticas.

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