Vidas que as “vidas que importam” comportam: alteridade e exclusões | Andreia A. Marin


Andreia A. Marin[1]

 

“Nos deram espelhos e vimos um mundo doente” [2]

Não há mais como escapar do espelho. Nos últimos meses, o reflexo se impõe como um grito sufocado que reverbera até as entranhas, como um fantasma que sempre pressentimos que estivesse por aí e que se materializa inconfundível, como criaturas da noite silenciadas pelos nossos estrondosos ruídos que resolvem se presentificar atravessando nossas existências frágeis.

Nossos corpos tremem, nossos pulmões tentam não sufocar, nossa pele arde como se tivesse sendo atingida, junto com a de tantos seres não humanos, por chamas incontroláveis. Nossos projetos existenciais são imobilizados, nossas narrativas ilusórias suspensas. Agora, a única coisa que realmente importa é preservar a vida, não essa existência cheia de supérfluos e necessidades artificiais, mas essa pulsão de vida sem a qual nenhum desejo se mantém.

Enquanto experimentamos esse grande deslocamento, nossa capacidade lógica é desafiada, a cada dia, confrontada com grandes absurdos de uma sociedade mentalmente também doente e uma política negativista e conflitante com o esforço primordial do momento: manter a vida pulsando, somar forças ao atendimento dessa urgência que se impõe de reconhecer que vidas importam.

Vidas importam. Frase recorrente nos últimos meses. Controversa e propulsora de conflitos de opiniões. Afinal, o que está por trás dela? Que registros discursivos ela sugere?

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Recebido em 23/09/2020

Aceito em 24/11/2020

 

[1] Grad. Ciências Biológicas (FFCLRP-USP) e Filosofia (UFPR). Dout. Ecologia e Recursos Naturais (UFSCar). Docente no Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. E-mail: aamarinea@gmail.com

[2] Fragmento da canção Índios, do compositor Renato Russo.

Vidas que as “vidas que importam” comportam: alteridade e exclusões

RESUMO: Os marcos discursivos que se propagam em nossos dias revelam muito das formas com que o vivente humano pensa e estabelece suas relações intra e interespecíficas. Preconceitos e posturas imperativas se evidenciam em discursos marcados pela lógica da exclusão. Em situação de pandemia de covid-19, onde se usa o sentido genérico “todo o povo”, evidenciam-se apagamentos e silenciamentos das vidas envolvidas no todo, revelando muito mais uma diferenciação corrosiva das partes que o reconhecimento de que, de fato, o humano está imerso em uma teia difusa de relações, sem centralidade. A tentativa, nesta escrita, é tecer uma trama de reflexões, contaminadas pela imagem dessa teia, que contraria os pressupostos da antropotecnia, questionada por Fabián Romandini, e se aproxima da metafísica da mistura, proposta por Emanuele Coccia.

PALAVRAS-CHAVE: Exclusão. Alteridade. Pandemia de Covid-19.

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Lives that the “lives that matter” include: alterity and exclusions

ABSTRACT: The discursive references disseminated at the present moment reveal much of the ways in which the human being thinks and establishes his intra and interspecific relationships. Prejudices and authoritarianisms are evident in speeches marked by the logic of exclusion. In the covid-19 pandemic situation, where the generic meaning “the whole people” is used, there are deletions and silencements in the lives involved in the whole. This reveals much more a corrosive differentiation of the parts than the recognition that the human is immersed in a diffuse web of relationships, without centrality. The attempt, in this text, is to weave reflections, contaminated by the image of this web, which contradicts the assumptions of anthropotechnics, questioned by Romandini, and approaches the metaphysics of the mixture, proposed by Coccia.

KEYWORDS: Exclusion. Alterity. Covid-19 Pandemic.

 

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MARIN, Andreia A. Vidas que as “vidas que importam” comportam: alteridade e exclusões. ClimaCom – Epidemiologias [Online], Campinas, ano 7,  n. 19,  Dez.  2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/vidas-que-importam/