Todos somos refugiados climáticos: ética socioclimática como crítica à produção de formas convivialistas e pós-humanistas | Frederico Salmi
Frederico Salmi[1[
A emergência das mudanças climáticas impõe a necessidade de novas críticas a partir do já conhecido e, desse modo, abordagens interdisciplinares apresentam-se como espaços teóricos e normativos no horizonte de produzir elementos orientadores da ação social transformadora, como diz Axel Honneth (2021 [1992]).
Começo este ensaio com algumas reflexões: quem são, onde estão e como vivem os refugiados climáticos contemporâneos? E qual modelo possível e alternativo – reflexivo-normativo – os humanos podem mobilizar para refletir e reorganizar as estruturas sociais humanas existentes e dominantes em formas mais equânimes que não leve ao massacre do outro?
A presente reflexão não busca proporcionar respostas na perspectiva das ciências da natureza – uma vez que as mudanças climáticas já são um consenso para a ciência contemporânea (IPCC, 2021) –, mas das ciências humanas, especificamente dos campos filosófico e sociológico com ênfase na perspectiva convivialista[2] (INTERNACIONAL CONVIVIALISTA, 2020) e pós-humanista[3] (HARAWAY, 2016; TSING, 2019).
Quem são os refugiados climáticos contemporâneos? A resposta para essa questão depende do campo da ciência a partir do qual ela é produzida. A grosso modo, tanto os teóricos convivialistas quanto os pós-humanistas entendem e enquadram os seres vivos como entidades dignas de valor intrínseco em si, com exceção da discussão entre alguns utilitaristas-consequencialistas (TREMMEL; ROBINSON, 2014; HEATH, 2021). A crítica desse ensaio está na categoria analítica denominada humano. O humano é uma unidade analítica central, estruturante e estruturadora que fomenta relações individualistas, segregacionistas e hegemônicas em relação ao outro. Todavia, as relações sociais e ecológicas, humanas e além de humanas são de caráter interdependente (INTERNACIONAL CONVIVIALISTA, 2020) e os seres vivos – além das entidades abióticas, como rios, montanhas e a atmosfera – são interdependentes entre si. Assim, como argumenta Gilbert, Sapp e Tauber (2012, p. 336): “somos todos líquens”. Essa interdependência convivialista é uma alusão direta à relação simbiótica (HARAWAY, 2016; TSING et al., 2017) entre os seres bióticos e abióticos que se encontram e coexistem nesse mundo. A crítica de fundo é pautada na separação de cunho ontológico entre as sociedades humanas e as demais sociedades da Natureza.
[1] Frederico Salmi. Doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Porto Alegre, RS, Brasil. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade TEMAS/UFRGS e do Programa Amazon FACE. Esse ensaio teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o autor agradece ao financiamento da bolsa de pesquisa (UFRGS/CNPQ 133908/2020-8). E-mail: salmi.frederico@gmail.com
[2] O autor deste ensaio é um dos autores brasileiros do Segundo Manifesto Convivialista. Para maiores informações sobre os teóricos e signatários da teoria convivialista, ver https://ateliedehumanidades.com/signatarios-internacionais/
[3] Para algumas análises na perspectiva climática sobre alguns pós-humanistas, como Anna Tsing, Donna Haraway, Edwardo Kohn, Timothy Morton, entre outros, ver Being human: an ecocentric approach to climate ethics de Amanda Nichols, e Gut check: imagining a posthuman “Climate” de Connie Johnston em HENNING, Brian; WALSH, Zack (Ed.). Climate change ethics and the non-human world. Routledge, 2020.
(Leia o ensaio completo em PDF).
Recebido em: 30/03/2022
Aceito em: 30/04/2022
Todos somos refugiados climáticos: ética socioclimática como crítica à produção de formas convivialistas e pós-humanistas
RESUMO: O presente ensaio propõe uma reflexão sobre formas alternativas de convivência entre os diferentes a partir da conjunção de elementos de um modelo crítico-normativo na perspectiva sociológica. O exercício crítico deste ensaio é realizado a partir da ética socioclimática dentro da perspectiva convivialista e pós-humanista. O nexo entre as esferas reflexiva e normativa dessa abordagem lança luzes sobre a categoria dos refugiados climáticos com elementos da teoria social crítica do convivialismo (INTERNACIONAL CONVIVIALISTA, 2020) e da abordagem pós-humanista (HARAWAY, 2016; TSING, 2019) para a proposição de um modelo possível de cunho reflexivo-normativo que possibilite a coexistência mediada entre os diferentes por instrumentos de justiça que evitem a reprodução de estruturas dominantes e opressoras e os massacres contemporâneos que levam à migração climática.
PALAVRAS-CHAVE: Ética socioclimática. Convivialismo. Pós-humanismo.
We are all climate refugees: socio-climatic ethics as a critique for the production of convivial and post-humanist forms
ABSTRACT: This essay proposes a reflection on alternative forms of coexistence between the different from the conjunction of elements of a critical-normative model in the sociological perspective. The critical exercise carried out in this essay is based on socio-climatic ethics within a convivialist and post-humanist perspective. The nexus between the reflexive and normative spheres of this approach sheds light on the category of climate refugees with elements of the critical social theory of convivialism (INTERNACIONAL CONVIVIALISTA, 2020) and posthumanism approach (HARAWAY, 2016; TSING, 2019) for the proposition of a possible model of a reflexive-normative nature that makes possible the mediated coexistence between the different by instruments of justice that avoid the reproduction of dominant and oppressive structures and that avoid the contemporary massacres that lead to climate migration.
KEYWORDS: Socio-climate ethics. Convivialism. Post-humanism.
SALMI, Frederico. Todos somos refugiados climáticos: ética socioclimática como crítica à produção de formas convivialistas e pós-humanistas. ClimaCom – Esse lugar, que não é meu? [online], Campinas, ano 9, n. 22., mai. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/todos-somos/