Terra que não é, em lugar de ninguém | Amintas Lopes da Silva Junior


 

Amintas Lopes da Silva Junior[1]

 

“Nas zonas rurais não ficou ninguém. Para quê? Somos um país urbano. A terra gretada não produz nada.” (Uma das infindáveis digressões de Souza, protagonista de Não verás país nenhum, de Brandão, Ignácio de Loyola, 2008, p. 114.)

 

Quando as pessoas se alimentam dos frutos da terra em que vivem, tornam-se, elas próprias, a terra do lugar também, o que cria um vínculo visceral, uma vez que suas vísceras foram originalmente grumos de solo, convertidos em células humanas por meio da mediação vegetal, como de resto todo o seu corpo. As pessoas que se alimentam de seus lugares não os abandonam, tampouco admitem que desrespeitem seus mortos: a terra de seus lugares aguarda o seu retorno, assim como acolheu em suas entranhas aqueles e aquelas que um dia, alimentados por ela, vivenciaram a inquietude de um mundo de sentidos e agora jazem mortos, o que, em paisagens multiespécies, é tão somente viver na ausência de sentidos.

Em decorrência, as pessoas que não se alimentam da terra em que vivem não se estabelecem mais em lugar algum, obedecendo aos ditames de um capitalismo que as mantêm transitórias, errantes, fornecendo a força de trabalho simultânea e contraditoriamente indispensável e descartável, em todos os pontos em que momentaneamente seja requerida. Quando os empresários do agronegócio embebem de veneno a atmosfera acima de seus monocultivos, não estão apenas atendendo a uma das prescrições do itinerário técnico que perseguem, mas também, inviabilizando a permanência de quaisquer recalcitrantes. Ao envenenamento direto das pessoas, soma-se a inviabilização de suas agriculturas, porque a deriva tóxica desconhece as cercas que seus promotores insistem em disseminar. Os frutos da terra encarquilham, as árvores e arbustos secam, as lavouras entanguem, os animais de criação adoecem, as abelhas e outros polinizadores são localmente extintos: não há o que comer. As pessoas estarão predispostas à mobilidade, de forma que possam atender adequadamente à demanda capitalista por mão de obra precarizada e terras desimpedidas. Não se pode deixá-las enraizar.

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 01/03/2024

Aceito em: 01/06/2024

 

[1] Doutorando em Estado e Sociedade, na Universidade Federal do Sul da Bahia, e professor da Faculdade de Educação do Campo, da Universidade Federal do Sul e Sudeste Paraense. Email: amintas@unifesspa.edu.br

Terra que não é, em lugar de ninguém

 

RESUMO: O texto registra um exercício livre de pensamento, ligeiramente espacializado na Amazônia, sobre a premência de uma sociedade que decline definitivamente do agronegócio monocultor que, do contrário, não deixará país nenhum para ver. O Estado que concerne ao país ameaçado serve ao agronegócio. Somente agriculturas arborescentes, compreendidas como máquinas de guerra nômades, podem frear a destruição colocada em marcha por este funesto ente sinérgico que se propaga viralmente. Elas ainda persistem, conjurando ao nível de lugares o Agroestado contra a sociedade. Há de se retomá-las enquanto rumo societário. 

PALAVRAS-CHAVE: Máquina de guerra. Nomadismo. Agriculturas arborescentes. Agronegócio. Territorialização aterrada.


Land that is not, in no one’s place

 

ABSTRACT: The text records a free exercise of thought, slightly spatialized in the Amazon, about the urgency of a society that definitively renounces monoculture agribusiness which, otherwise, will leave no country to see. The State that concerns the threatened country serves agribusiness. Only arborescent agricultures, understood as nomadic war machines, can stop the destruction set in motion by this disastrous synergistic entity that spreads virally. They still persist, exorcising the Agrostate against society at the local level. They must be taken again as a social direction.

KEYWORDS: War machine. Nomadism. Arborescent agricultures. Agribusiness. Terrified territorialization. 


JUNIOR, Amintas Lopes da Silva. Terra que não é, em lugar de ninguém. ClimaCom – Territórios e povos indígenas [online], Campinas, ano 11, nº. 26. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/terra-que-nao-e/