Teko-Vida, Tekoha-Território | Valdelice Veron Kaiowa e Sílvia Guimarães
Valdelice Veron Kaiowa[1]
Sílvia Guimarães[2]
As retomadas da Tekoa Takuara
Já se passaram 19 anos, a comunidade de Takuara, do povo indígena Kaiowá, ainda vive o luto e guarda a memória do Cacique Marcos Veron assim como guardam sua terra. Respiram continuamente o ar dos tempos passados do genocídio contra os seus que se reatualiza, não há crise momentânea, mas persiste o projeto civilizatório de morte e usurpação de seus territórios. Memória, luto, luta e a busca por justiça e serenidade na vida marcam esse povo[3].
Um longo histórico de violência está na trajetória do povo indígena Kaiowá, o qual se localiza no estado do Mato Grosso Sul, na verdade, pode-se afirmar que as terras tradicionais Kaiowá, onde eles devem viver o bom modo de ser Kaiowá e onde seus antepassados viveram esse bom modo de viver, o teko, estão localizadas nesse estado. Os Kaiowá lutam por um espaço-tempo, onde possam realizar sua vivência, construir uma tekoha.
Compreender a história recente da Tekoha Takuara permite colocar uma lente no microcosmos da vida dos povos indígenas no estado do Mato Grosso do Sul e a atuação do estado brasileiro e seus apoiadores, os quais nunca visaram garantir direitos, mas sim provocar o esbulho e aniquilamento das vidas indígenas. Seguiremos a história recente, a partir dos estudos do historiador Antônio Brand (2003) que conseguiu recolher depoimentos de Kaiowá[4] que eram jovens e crianças nos anos de 1950 e informaram terem lembranças das violências, do “esparramo” na Tekoha Takuara. Esparramo é o movimento agressivo de expulsão das famílias extensas de uma tekoha que se dispersavam e passavam a viver em locais determinados pelas agências estatais, na época, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), ou em outras tekoha que sobreviviam a essa expulsão ou passavam a viver em acampamentos sob lonas. O historiador traz relatos detalhados da destruição da Tekoha Takuara, das casas e roçados queimados quando foram expulsos e ameaçados de morte nos anos de 1950. Nesse período, viviam na tekoha, aproximadamente, 80 famílias nucleares, no entanto, esse número foi sendo reduzido drasticamente. Em 1951, houve um movimento de expulsão provocado pelas pressões dos pretensos proprietários da área e do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), o que levou a terra tradicional a contar com apenas 25 famílias nucleares. Ainda de acordo com os relatos coletados por Antônio Brand (2003), os Kaiowá continuaram sendo expulsos de suas terras de forma violenta, o ano de 1953 é lembrado como o movimento de expulsão articulado pela Companhia Matte Larangeira[5], com apoio de funcionários do SPI.
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Recebido em: 01/03/2024
Aceito em: o1/06/2024
[1] Liderança indígena Guarani Kaiowá e doutoranda no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB).
[2] Professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB).
[3] Os Kaiowá falam um dos dialetos da língua guarani, que se subdividem, hoje, nos dialetos mbyá, nhãdeva, kayová e chiriguano.
[4] Os depoimentos orais foram feitos em 1995.
[5] A Cia Matte Larangeira (ou simplesmente Companhia ou Companhia Matte, na expressão dos indios), instala-se no território ocupado pelos Kaiowá e Guarani, em Mato Grosso do Sul, após a Guerra do Paraguai, tendo em vista a exploração dos ervais nativos, abundantes na região.
Teko-Vida, Tekoha-Território.
RESUMO: Um longo histórico de violência está na trajetória do povo indígena Kaiowá, o qual se localiza no estado do Mato Grosso Sul. As terras tradicionais Kaiowá, onde eles devem viver o bom modo de ser Kaiowá e onde seus antepassados viveram esse bom modo de viver, o teko, estão localizadas nesse estado. Os Kaiowá lutam por um espaço-tempo, onde possam realizar sua vivência, construir uma tekoha. É um povo que tem as marcas do território em seus corpos e que deixa marcas de suas corporalidades no território, conformando um ciclo de criação de pessoas e terra que se conectam, onde um depende do outro para se fazer. As cenas de violência e morte inserem a colonização na constituição desse povo e de sua terra. No artigo defendemos que a Terra Indígena é o espaço/tempo que torna possível as relações entre os seres, onde o povo Kaiowá vivencia a inter-relação entre os homens, a natureza e a sobrenatureza, sem fronteiras entre essas instâncias.
PALAVRAS-CHAVE: Kaiwoá. Tekoha. Território. Terra Indígena.
Teko-Life, Tekoha-Territory
ABSTRACT: A long history of violence is in the trajectory of the Kaiowá indigenous people, who are located in the state of Mato Grosso Sul. The traditional Kaiowá lands, where they must live the good way of being Kaiowá and where their ancestors lived this good way of living, the teko, are located in this state. The Kaiowá fight for a space-time, where they can carry out their experience, build a tekoha. It is a people who have the marks of the territory on their bodies and who leave marks of their corporeality in the territory, forming a cycle of creation of people and land that connect, where one depends on the other to make it happen. The scenes of violence and death insert colonization into the constitution of these people and their land. In the article we argue that the Indigenous Land is the space/time that makes relationships between beings possible, where the Kaiowá people experience the interrelationship between humans, nature and supernature, without borders between these instances.
KEYWORDS: Kaiwoá. Tekoha. Territory. Indigenous Land.
KAIOWA, Valdelice Veron; GUIMARÃES, Silvia. Teko-vida, Tekoha- território. ClimaCom – Territórios e Povos indígenas [online], Campinas, ano 11, n. 26., Jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/teko-vida-tekoha-territorio/