Susana Dias e Alessandra Penha | Floresta²
Título: Floresta²
Uma floresta é uma questão de estar junto, de reunir múltiplos e abundantes modos de vida em interações complexas, de propiciar conexões interescalares e colaborações multidimensionais capazes de afetar afirmativamente toda a Terra. Numa floresta não há lugar para um pensamento em torno de uma matéria inerte e estéril, tudo está vivo e em movimento. A floresta nos pede para seguirmos percebendo-fazendo floresta, fazer de imagens, palavras e sons laboratórios-ateliês de nascença constante e proliferação de biodiversidade. Reclama um dobrar as forças afirmativas, ao mesmo tempo, da floresta e do livro. Reivindica que honremos as práticas de diversas pessoas e comunidades com as quais entramos em relação na disciplina “Arte, ciência e tecnologia” em 2019 do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Labjor-IEL-Unicamp: na Mata Santa Genebra, na Casa de Cultura Fazenda Roseira, na Embrapa, na Praça da Paz e na sala de aula do Labjor-Unicamp. É com estas buscas que nasce Floresta²: uma caixa-livro, um livro-quadrado, que reúne pequenos exercícios de estar junto em 100 fragmentos de textos articulados a 100 fragmentos de imagens criadas pelos participantes da disciplina. O livro se inspira no método dos quadrados usado pelos ecólogos para fazer uma amostragem da riqueza da biodiversidade de uma floresta. Uma moldura de madeira vazada, geralmente em formato quadrado, é lançada na serrapilheira (chão da floresta) e são coletados materiais (folhas, galhos, sementes, terra), assim como são fotografadas e anotadas informações de plantas que estejam germinando e pequenos animais. No livro, os gestos de fotografar, ler, escrever, performar e desenhar, durante e após os encontros, na criação de simbioses desprogramadas entre os encontros, foram tomados como gestos de lançar quadrados e catar materiais na floresta. Além os 100 cartões quadrados com imagens e textos em cada face, a caixa contem também um manto-tapete feito em tecido com tintura e impressão vegetal e bordados, 12 perguntas escritas em tecido, uma moldura quadrada de madeira em miniatura e dois textos das organizadoras do livro. Uma caixa feita para voltarmos a cada lugar visitado e compartilhar processos e pensamentos, abrir novas escutas, seguir aprendendo com as florestas. É um livro, mas também um baralho, um tapete voador, uma cápsula do tempo, uma oferenda às florestas. Pede um ritual: abrir a caixa, estender e demorar-se no manto, espalhar, contemplar, combinar os cartões, lançar quadrados, perceber interseções, criar outros encontros, outras imagens e textos… Parece conter muito do que queríamos fazer na disciplina e não pudemos. As páginas soltas dão a sentir o movimento intenso de leitura que uma floresta convoca: a atenção a abundância de espécies de relações possíveis. Não apenas relações que o livro faz, mas relações que ele pede para seguirmos fazendo, florestas porvir.
FICHA TÉCNICA
Concepção e organização | Susana Dias e Alessandra Penha
Autores | Alessandra Penha, Alessandra Ribeiro, Alice Copetti, Alda Romaguera, Adriano Amarante, Bianca Lúcia Ribeiro, Carolina Avilez, Carolina Bernardes, Carolina Cantarino Rodrigues, Carolina Scartezini, Cris Monteiro, Eduardo Assad, Flávia Tamires, Gláucia Perez, José Ezcurdia, Luciana Martins, Maria Cortez, Mariana Vilela, Mariela Almeida, Marília Costa, Marli Wunder, Mauro Tanaka, Paula Carolina Batista, Rafael Ghiraldelli, Rodrigo Reis Rodrigues, Renato Salgado de Melo Oliveira, Sara Melo, Sylvia Furegatti, Tatiana Plens de Oliveira e Susana Dias.
Comunidades e instituições envolvidas | Comunidade Jongo Dito Ribeiro e Fazenda Roseira, Fundação José Pedro de Oliveira e Mata Santa Genebra, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e Praça da Paz da Unicamp.
Manto DevirAÇÕES Floresta | Mariana Vilela e Alice Copetti
Fotos da caixa-livro| Susana Dias
Disciplina e orientação | JC 012 Arte, ciência e tecnologia, MDCC-Labjor-IEL-Unicamp, Profa. Dra. Susana Dias.
Grupo e coletivo | multiTÃO prolifer-artes subvertendo ciências, educações e comunicações
LEGENDAS
FOTOS 1 e 2 – Caixa-livro Floresta²
FOTO 3 – Alessandra Penha, Marli Wunder e árvores na visita à Mata Santa Genebra à esquerda, no centro texto de Sheyla Smanioto e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti, Susana Dias e árvores da Praça da Paz em montagem de Rafael Ghiraldelli à esquerda (cima) e Bianca Lúcia Ribeiro, da comunidade Jongo Dito Ribeiro, durante visita à Casa de Cultura Fazenda Roseira.
FOTO 4 – manto DerviAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti à direita e no centro Alessandra Ribeiro, líder da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, e sua filha Bianca Lúcia Ribeiro, durante visita à Casa de Cultura Fazenda Roseira, e à esquerda sobreposição “Ao mesmo tempo” de Gláucia Pérez entre árvores da Praça da Paz-Unicamp e casarão da Fazenda Roseira, e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 5 – fotos da visita ao laboratório de Eduardo Assad na Embrapa, da oficina de fitotipia feita por Sara Melo na Praça da Paz, montagem “Quadrados” de Alessandra Penha e Susana Dias e desenho “Carbono” de Rafael Guiraldelli com interseção entre a visita à Fazenda Roseira e um laboratório de química de Marie Curie, e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 6 – lançando quadrados no chão de floresta da caixa-livro sob manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 7 – árvore da Mata Santa Genebra e Marília Costa em montagem de Rafael Ghiraldelli e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 8 – montagem “Quadrados” de Alessandra Penha e Susana Dias, Mariana Vilela em oficina “Ecologias de devires” de Susana Dias, e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 9 – laboratório de Eduardo Assad na Embrapa e oficina “Florestar-se”, de Alda Romaguera, na Mata Santa Genebra, e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 10 – Alessandra Ribeiro, líder da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, e sua filha Bianca Lúcia Ribeiro, durante visita à Casa de Cultura Fazenda Roseira em sobreposição de Gláucia Pérez e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 11 – Mariana Vilela na performance DervirAÇÕES Floresta, Susana Dias na oficina “Ecologia de devires” e foto de Tatiana Oliveira, trabalho em sementes feito na oficina “Casa-planta” de Marli Wunder, visita à Mata Santa Genebra, desenho “Carbono” de Rafael Ghiraldelli e manto DervirAÇÕES Floresta de Mariana Vilela e Alice Copetti.
FOTO 12 – Mariana Vilela na performance DervirAÇÕES Floresta.
FOTO 13 – Materiais da caixa-livro Floresta²
FOTO 14 – Montagem “Quadrados” de Alessandra Penha e Susana Dias em que Carolina Avilez aparece catando materiais desde dentro do solo da floresta.
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da disciplina “JC012 – Arte, ciência e tecnologia”, ministrada pela professora Susana Dias, no Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (MDCC), do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no segundo semestre de 2019. O problema que nos interessou pensar na disciplina neste semestre foi o de entrar em comunicação com um mundo todo vivo, com uma matéria viva, ativa e criativa (DELEUZE & GUATTARI, 1997; STENGERS, 2017; EZCURDIA, 2016; DADA & FREITAS, 2018). Para experimentar essa possibilidade buscamos pensar o que pode ser comunicar em parceria com a floresta, propondo encontros com diversos lugares, materiais e práticas em busca de aprender com diferentes ofícios a como ganhar intimidade com as florestas. Uma das questões que a floresta suscita de interessante para pensar é o fato de reunir uma diversidade de seres-coisas-forças-mundos e propiciar condições para encontros, com a possibilidade de gerar coevoluções, cocriações. Nessas coevoluções-criações estão sempre envolvidas ecologias de devires (negro, índio, animal, vegetal, criança, fungo, máquina, pedra, animal, linha, luz, elemental, cósmico…), a chance de que sejamos afetados e afetemos, de que nos engajemos em movimentos de alegre imbricação recíproca com as minorias, com os não-humanos, com tudo o que pode potencializar o pensamento e a relação com a Terra. Os encontros, e os exercícios de composição sensível entre heterogêneos feitos pelo grupo, e que estão publicados neste dossiê, buscam dar vigor ao chamado de pensar a comunicação como um perceber-fazer-floresta. Uma fé na “instauração” (SOURIAU, 2017; LAPOUJADE, 2017) de toda uma sensibilidade de outra natureza, que permita criar um campo problemático potente para lidar com as dualidades sujeito-objeto, realidade-ficção, humanos-não-humano, matéria-espírito. Uma atenção ao gestos que mobilizam uma “lucidez alegre” (STENGERS, 2017) e que não nos relegam à impotência, afirmando uma vitalidade e confiança no presente e futuro diante destes tempos desafiadores (DANOWSKI & VIVEIROS DE CASTRO, 2014; STENGERS, 2015; LATOUR, 2019).
Bibliografia
DADA, Faseyi Awogbemi; FREITAS, Glória. Dialogando com a semente de obi ou a floresta: um convite para conhecer um pouco da nossa tradição religiosa e cultura Yoruba. ClimaCom – Diálogos do Antropoceno [online], Campinas, ano. 5, n. 12. Ago. 2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=9478
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. Trad. de Suely Rolnik. São Paulo: Ed. 34, 1997, pp. 11-113. (Coleção TRANS).
EZCURDIA, José. Cuerpo, intuición y diferencia em el pensamento de Gilles Deleuze. Ciudad de México: Editorial Ítaca, 2016.
DANOWSKI, Débora; CASTRO, Eduardo Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Desterro [Florianópolis]: Cultura e Barbárie: Instituto Socioambiental, 2014.
LAPOUJADE, David. As existências mínimas. São Paulo: n-1, pp. 43-59, 2017.
LATOUR, Bruno. Bruno Latour: “O sentimento de perder o mundo, agora, é coletivo”. [Entrevista concedida a] Marcs Basset. El País, 31 de março de 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/…/internac…/1553888812_652680.html Acesso em: mar. 2019.
SOURIAU, Étienne. Los diferentes modos de existencia/ Étienne Souriau: prefácio de Bruno Latour; Isabelle Stengers. Trad. Sebastian Puente. 1a. ed.. volumen combinado. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Cactus, 2017.
STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naif, 2015, pp. 91-99.
STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Trad. Jamile Pinheiro Dias. Belo Horizonte: Chão de Feira. (Caderno de Leituras No. 62). 2017. Disponível em: https://chaodafeira.com/…/2017/05/caderno-62-reativar-ok.pdf Acesso em ago. de 2019.
Projetos:
– Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9)
– “Por uma nova ecologia das emissões e disseminações: como a comunicação pode modular a mais intensa potência de existir do humano diante das mudanças climáticas?” (CNPq).
– Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/
DIAS, Susana; PENHA, Alessandra. Floresta². ClimaCom – Povos ouvir – a coragem da vergonha [online], Campinas, ano 6, n. 16. Dez. 2019 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/glaucia-perez-ao-mesmo-tempo-2/
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SEÇÃO ARTE | POVOS OUVIR – A CORAGEM DA VERGONHA | Ano 6, n. 16, 2019
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