Quando as águas falam: ontologias da contaminação e danças multielementares no emaranhado técnico-político no vale do Rio Doce | Marcela Paschoal Perpetuo e Roberto Donato da Silva Júnior
Marcela Paschoal Perpetuo[1]
Roberto Donato da Silva Júnior[2]
Linhas de vida emaranhadas: contaminação, águas e mundos em disputa
O relato que se apresenta propõe uma imersão nos fluxos da contaminação para revelar as danças multielementares que moldam e são moldadas pelos corpos d’água. No território do vale do rio Doce, após o desastre de Fundão, a contaminação se manifesta como um emaranhado técnico-político que atravessa humanos e mais-que-humanos, dissolvendo dicotomias entre o biótico e o abiótico. Nessas paisagens, os documentos técnico-científicos não apenas descrevem, mas criam realidades, moldando ontologias de mundos contaminados e contestados, em fluxos simultaneamente materiais e discursivos.
A contaminação, portanto, não pode ser vista como uma entidade única e estável, mas como uma multiplicidade de realidades performadas por meio de diferentes práticas e saberes, ou, conforme propõe Annemarie Mol (Mol, 2008), uma multiplicidade ontológica. Estas lentes nos permitem reconhecer que a contaminação é continuamente construída e reconstruída em distintos contextos científicos/políticos, e experienciados nas mais diversas paisagens afetadas pelo rejeito de Fundão.
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/02/2025
Aceito em: 15/05/2025
[1] Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), UNICAMP. Email: marcela.perpetuo@gmail.com
[2] Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), UNICAMP. Email: roberto.junior@fca.unicamp.br
Quando as águas falam: ontologias da contaminação e danças multielementares no emaranhado técnico-político no vale do Rio Doce
RESUMO: Este artigo investiga a materialidade política da contaminação no vale do rio Doce após o desastre da barragem de Fundão, compreendendo-a como um fenômeno relacional e múltiplo. A partir do conceito de danças multielementares, exploramos como a contaminação se manifesta não apenas como um dado químico, mas como um processo performado por interações entre metais, organismos, fluxos hídricos e discursos técnico-científicos. Em meio a disputas epistêmicas e políticas, diferentes formas de conhecimento moldam as múltiplas ontologias da contaminação, estabilizando ou contestando suas versões oficiais. Nessa análise, os documentos técnico-científicos não apenas descrevem, mas constroem realidades, delimitando o que é reconhecido como contaminação e o que permanece invisibilizado. Ademais, este estudo propõe um olhar atento às dinâmicas e fluxos das águas em seus emaranhamentos multielementares, reconhecendo sua agência em meio aos mundos criados pela contaminação no vale do rio Doce. A metáfora da dança permite acompanhar a fluidez e a indeterminação desses processos, desafiando respostas tecnocráticas e ampliando possibilidades de regeneração. Escutar as águas, portanto, implica reconhecer suas múltiplas materialidades e ontologias, abrindo caminhos para novas formas de cuidado e regeneração em paisagens marcadas pelo desastre minerário e colapso ambiental.
PALAVRAS-CHAVE: Ontologias da contaminação. Danças multielementares. Linhas de vida emaranhadas. Manifesto das águas. Desastre minerário.
When waters speak: ontologies of contamination and multielemental dances in the techno-political entanglements of the Rio Doce valley
ABSTRACT: This article investigates the political materiality of contamination in the Rio Doce Valley following the Fundão dam disaster, understanding it as a relational and multiple phenomenon. Drawing from the concept of multielemental dances, we explore how contamination manifests not only as a chemical datum but as a process performed through interactions between metals, organisms, water flows, and techno-scientific discourses. Amid epistemic and political disputes, different forms of knowledge shape the multiple ontologies of contamination, either stabilizing or contesting its official versions. In this analysis, techno-scientific documents do not merely describe but actively construct realities, delineating what is recognized as contamination and what remains invisible. Furthermore, this study proposes a close look at the dynamics and flows of water within their multielemental entanglements, acknowledging their agency in the worlds shaped by contamination in the Rio Doce Valley. The metaphor of dance allows us to follow the fluidity and indeterminacy of these processes, challenging technocratic responses and expanding possibilities for regeneration. Listening to the waters, therefore, entails recognizing their multiple materialities and ontologies, opening pathways for new forms of care and regeneration in landscapes marked by mining disasters and environmental collapse.
KEYWORDS: Ontologies of Contamination. Multielemental Dances. Entangled Lines of Life. Water Manifesto. Mining Disaster.
PERPETUO, Marcela Paschoal; JÚNIOR, Roberto Donato da Silva. Quando as águas falam: ontologias da contaminação e danças multielementares no emaranhado técnico-político no vale do Rio Doce. ClimaCom – Manifesto das águas [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/quando-as-aguas-falam/