Por uma cultura da floresta: entrelaçar ciência e arte é chave para o futuro da Amazônia | David M. Lapola
David M. Lapola [1]
A preocupação do público em geral com a floresta Amazônica cresceu muito em 2019, principalmente por conta do sensível aumento no número de focos de incêndios e também nas taxas de desmatamento, resultantes do já comprovado enfraquecimento das políticas ambientais federais na região. O assunto ganhou a grande mídia pela televisão, jornais tradicionais e mídias sociais, e extravasou as fronteiras nacionais, a ponto dos presidentes da França e Brasil se atracarem virtualmente de forma vergonhosa. A cobertura jornalística sobre a Amazônia não era tão grande desde a crise iniciada pelo assassinato de Chico Mendes no final dos anos 80 e que culminou na Rio 92, talvez a mais positiva reunião mundial sobre meio ambiente já realizada. Oxalá que a atual crise amazônica culmine em algo assim também. Entretanto, os dados parciais do INPE indicam que a crise ainda deve se intensificar com novo aumento recorde de desmatamento na Amazônia em 2020.
Enquanto isso, outro monstro silencioso corrói (ainda) vagarosamente a floresta: as mudanças climáticas. A hipótese de que, em algumas décadas, a maior floresta tropical do mundo seja solapada por mudanças climáticas extremas e ceda lugar a uma vegetação de menor porte e mais seca, infelizmente ainda não foi descartada pela ciência. Na verdade alguns desses impactos já estão sendo observados, como a crescente predominância de espécies de árvores mais resistentes à secas, e o declínio de populações de árvores adaptadas à condições mais úmidas. Essa perda silenciosa de biodiversidade mexe com as comunidades (de plantas, animais e pessoas) da floresta, gerando a longo prazo desequilíbrios ecológicos que terão reflexos diretos para nas nossas vidas, seja através de quebras de safras agrícolas em locais que dependem da chuva oriunda da região Amazônica, seja com a explosão de novas pandemias, a exemplo da COVID-19 (a melhor hipótese para a raiz da pandemia que hoje enfrentamos é o desequilíbrio ecológico causado pelo desmatamento e a caça de animais silvestres na China, aproximando o homem de vírus antes restritos a circularem apenas em ecossistemas pouco alterados).
É neste cenário, que opõe de um lado o uso insustentável da floresta (com desmatamento e rápido esgotamento dos recursos) e do outro as mudanças climáticas globais que corroem a resiliência da floresta, que se discute meios de se explorar a floresta Amazônica de maneira sustentável – ao invés da impraticável alternativa de fechá-la toda dentro de áreas protegidas. Uma das possibilidades mais citadas atualmente é uma bioeconomia baseada nos ativos biológicos e genéticos da floresta. Esta “via” para o futuro da Amazônia preconiza uma economia que seja fundamentada nos produtos da floresta; produtos estes com valor agregado para as indústrias alimentícia, farmacêutica, cosmética, informática, etc. Se trata de uma alternativa que, na minha opinião, obviamente vale a pena investir. E para isso são indispensáveis incentivos governamentais e profundas parcerias e compromisso da iniciativa privada. (leia o texto completo em PDF)
Vídeo institucional explicativo do projeto AmzFACE (Figura 11); crédito: AmazonFACE
Vídeo do escaneamento a laser (Figura 12); crédito: Mat Disney/Univ. College London/AmazonFACE
Vídeo da estrutura “Espírito da Floresta” (Figura 13); crédito: Marcus Maeder/ZHDK/AmazonFACE
Vídeo adentrando a exposição em Manaus (Figura 14); crédito: David M. Lapola/AmazonFACE
Recebido em: 01/05/2020
Aceito em: 05/06/2020
[1] Pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura – Cepagri, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: <dmlapola@unicamp.br>
Por uma cultura da floresta: entrelaçar ciência e arte é chave para o futuro da Amazônia
RESUMO: Desmatamento, degradação, uso irracional e mudanças climáticas vêm ameaçando a resiliência e a própria existência da floresta amazônica. Nesse contexto tem se debatido alternativas mais racionais para o futuro da maior floresta tropical do mundo, como por exemplo uma bioeconomia de alta tecnologia baseada na biodiversidade e recursos genéticos da floresta. Neste ensaio argumento que embora este tipo de alternativa deva ser explorada, a sobrevivência da Amazônia só estará garantida quando os corações e mentes da nossa sociedade forem conquistados em relação à floresta. O Brasil é sem dúvida o país-floresta, mas seu povo não se vê como povo-floresta. Nós cientistas, divulgadores de ciência, jornalistas, artistas e formadores de opinião temos um papel central a desempenhar no efetivo envolvimento das pessoas no processo de se fazer ciência e arte sobre/para/na floresta amazônica. Apresento um exemplo disso com a exposição “Amazônia e mudanças climáticas: um futuro em fotos, ilustrações e ciência”, do programa de pesquisas AmazonFACE, que percorreu algumas cidades no Brasil e exterior entre 2017 e 2019. Esse longo porém essencial trabalho cultural e educacional sobre a floresta pode ser feito de muitas formas (fotos, filmes, música, exibições, pinturas, medicina, intervenções urbanas) e deve mirar na refundação das relações da nossa sociedade com a sua maior Floresta.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Cultura. Floresta tropical.
For a forest culture: intertwining science and art is key for the future of the Amazon
ABSTRACT: Deforestation, degradation, irrational use and climate change are threatening the resilience and the own existence of the Amazon forest. It is in that context that more rational alternatives for the future of the world’s largest tropical forest have been discussed, such as a high-tech bioeconomy based on the forest’s biodiversity and its genetic resources. In this essay I argue that although this kind of alternative should be explored, the survival of the Amazon will only be guaranteed when the hearts and minds of our society are conquered in relation to the forest. Brazil is undoubtedly the forest-country, but its people do not recognize themselves as forest-people. We scientists, science communicators, artists, and opinion leaders have a central role to play in the effective involvement of people in the process of making science and art about/for/at the Amazon forest. I present an example of this with the exhibit “Amazonia and climate change: a future in photos, illustrations and science”, from the AmazonFACE research program, that was shown in some cities in Brazil and abroad between 2017 and 2019. This long but essential cultural and educational endeavor can be done in a multitude of ways (photos, movies, music, exhibits, paintings, medicine, urban interventions) and should aim at the refoundation of our society’s relation with its largest Forest.
KEYWORDS: Education. Culture. Tropical forest.
LAPOLA, David M. Por uma cultura da floresta: entrelaçar ciência e arte é chave para o futuro da Amazônia. ClimaCom – Florestas [Online], Campinas, ano 7, n. 17, Jun. 2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/david-m-lapola-por-uma-cultura-da-floresta-entrelacar-ciencia-e-arte-e-chave-para-o-futuro-da-amazonia