Paisagens de passagens | Valéria Scornaienchi
Título | Paisagens de passagens
A natureza em mim, a natureza de mim e a natureza sem mim.
Enquanto caminho, de ouvidos atentos, meus olhos procuram se acalmar na paisagem. Paisagem de ficar. De todos os momentos da vida os melhores são de longe estes. É preciso ouvir o som da natureza. Do craquelar das árvores a orquestra dos passarinhos ora alternados ora simultâneos. A natureza entra em mim. E entrando em mim, constrói um mundo próprio que sai de mim no desenho, na fotografia, na escrita, no modo como eu vejo o mundo. A qualquer momento, ao fechar os olhos, lá está ela imensa e imersa dentro de mim. De tanto contemplar eu a carrego comigo. Ouço a pedra que canta para o rio e, assim, ela canta para mim também. Construo meus trajetos pelas árvores, acompanho algumas árvores da cidade e sempre que posso as visito, mesmo que seja de longe. De tanto olhar as árvores minhas mãos as desenham com destreza. Carregam suas raízes e a energia que vem delas flui no papel. Eu risco o galho que me tornei quando avistei a curva da estrada onde morava o trovador. Sua poesia entrou em mim e construiu o galho que outrora era daquela árvore. Não vivo no campo, nem tampouco há natureza em excesso perto de mim, mas há mais natureza dentro do que fora. Coleciono longas visitas. Sentada no banco ou na grama verdinha eu sinto sua cor, seu formato, sua luz para depois compor as ideias que habitam o meu trabalho. Eu registro as folhas, as sementes, as conchas e ouço o mar. Ah mar! Como seria o mundo se suas ondas fossem sempre cintilantes como quando tem lua cheia? O brilho, o canto do mar, e tudo que ele me traz. As pedras que descansam na água transparente das cachoeiras sorriem para o rio e, assim, o rio corre criando caminhos elegantes até escorregarem rapidamente para encontrar o mar. O rio e o mar são um. Eu e você somos um. Se somos todos um porque será que nos esquecemos de contemplar o céu?
Meu trabalho consiste numa grande coleção de imagens, objetos, desenhos e textos que se juntam, e contam novas histórias. Eu desenho, e sobre tudo que eu vejo, há desenho. Desde a forma como eu me relaciono com a natureza até a forma como eu me relaciono comigo mesma. A construção da minha vida é um grande desenho que ora se desloca para um lado, ora se desloca para outro e, de idas e vindas faz nascer um grande mapa de fluxos e palavras chamado vida. Emaranhado de linguagens, de fragmentos, de perguntas que me conectam com algo maior, para além da minha cosmologia pessoal. O cosmo, que transcende o ato de desenhar e me conecta com as memórias inventadas que misturadas com as reais fazem nascer linhas imaginárias que constroem trabalhos como a rocha inquieta e a montanha, há coisas que ficam para sempre, o que o mar trouxe pra mim, a pedra canta para o rio: Serão os entes da praia sublimes? Será o vazio infinito? Será a dobra o prolongar do pensamento? Entre outros… Apresento aqui nesse ensaio uma seleção de alguns trabalhos que contam um pouco da minha pesquisa com o desenho que sempre atravessa a natureza.
Ficha técnica | Esses trabalhos pertencem a uma série chamada Paisagens de passagem, na qual a maior parte dos desenhos e fotografias foram feitos a partir de lugares de passagem, viagens, encontros e percursos do cotidiano. Apresento além das imagens 2 textos que são parte do trabalho, um deles está inserido no trabalho 11299km (legenda 7) e o outro é o próprio trabalho (legenda 17).
Observação | Algumas imagens são imagens de ateliê de processo criativo e cadernos de artista que entendo terem o mesmo valor dos trabalhos apresentados já que considero o processo como trabalho de arte.
Ateliê Valeria Menezes
Legendas |
1.
geometria sagrada, 2019
impressão fineart, madeira, pedra, concha e fita azul
60x60cm
2.
o que mar trouxe pra mim, 2020
desenho em papel vegetal e papel opaline branco, e placas de acrílico transparente
30x21x2cm
3.
só para falar das flores, 2019
16 desenhos em papel quadriculado
55x135cm
4.
um corpo que muda de lugar, 2019
desenho e recorte em página de livro
25x60cm
5.
a rocha inquieta e a montanha, 2019
desenho em página de livro e pedra
25x40x15cm
6.
há coisas que permanecem para sempre, 2019
20 Fotografias digitais
21x29cm cada
7.
11299 km, 2020
12 impressões fineart
30x22cm cada imagem
8.
a pedra canta para o rio, 2020
impressão papel algodão
30 x 120cm
9.
o que resta em mim, 2019
03 fotografias digitais
25x60cm
10.
entes sublimes, 2019
Impressão em papel algodão
15×30 cm cada imagem
11.
das profundezas da terra, 2019
colagem digital
12.
a lava e a pedra, 2019
Desenho sobre papel vellum
25x35cm
13.
das profundezas da terra, 2019
Desenho sobre papel vellum
25x35cm
14.
simples assim, 2019.
mini prateleira de madeira, conchas
20x15x15cm
15.
indelicada impermanência, 2019
galho e casa de madeira
16.
as pessoas da minha casa carregavam as árvores de casa em casa
folhas, ráfia
17.
experimento 1, 2020
Impressão fineart
35x20cm
SCORNAIENCHI, Valéria. Paisagens de passagens. ClimaCom – Florestas [online], Campinas, ano 7, n. 17. Maio. 2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/valeriascornai…ensdepassagens/
SEÇÃO ARTE | FLORESTAS | Ano 7, n. 17, 2020
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