O cruzo, o sonho, as plantas e o corpo como tecnologias do desacelero em tempos apressados | Lucas Calaça Sobrinho
Lucas Calaça Sobrinho[1]
Introdução
Em uma sociedade de excessos, para onde vai aquilo que sobra? Inicio com uma provocação, ao propor a consideração de que as perguntas enquanto ferramentas para o enfrentamento das (in)certezas, apresentam-se como chaves que abrem as portas para o não dito, cujo lado exposto é a fruição contínua de um campo que exala movimento: eis o devir-conhecimento (Deleuze; Guattari, 2012). Já os excessos que aqui coloco sob a luz dos holofotes linguísticos, tratam-se da nova modalidade desportiva social, a maratona digital. Ao evidenciar a constante corrida febril para o ápice do rendimento, esquecemo-nos das lições que a história nos traz sobre o caráter cíclico de alguns eventos que não podem passar despercebidos. Ora, do que estou falando aqui? Sem mais delongas, trata-se do advento do colonialismo digital, em que “o ambiente midiático global é dominado agora por um número muito pequeno de provedores quase monopolistas, que controlam as plataformas e os serviços de mídias mais usados” (Buckingham, 2022, p.18).
Assustador, não é mesmo? Mas os mecanismos que sustentam esse cenário se capilarizam de maneiras mais perversas ainda. Falo então, do cultivo imprudente de um glutão capitalista, cuja gula insaciável coloca o corpus social em uma luta indigesta — a tentativa de engolir o tempo e dar conta de toda a sua complexidade em nossa finita existência. Concomitantemente, por detrás das cortinas de nossa pretensa inocência, vivenciamos a transição de uma sociedade disciplinar, com seu auge no século XX, para uma sociedade do controle, em que até então a modulação comportamental se dava exclusivamente entre quatro paredes institucionais, de forma que era experienciado o transitar entre longas esteiras serializantes e coercitivas ao longo da vida, cada uma com suas leis e exigências próprias (i.e., escolas, hospitais, trabalho, etc) (Deleuze, 1992). Agora, chafurdamos no lamaçal misto da disciplina, com o controle proporcionado pela máquina capitalística extratora de rendimento, de modo que, ao contraponto de uma antiga restrição contínua, agora há a autonomia para vivenciarmos a constante falta, um porvir modulado que nunca será satisfeito (Hur, 2018), nem mesmo pelo produto mais interessante exposto nas vitrines.
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/09/2025
Aceito em: 15/10/2025
[1] Universidade Federal de São João del Rei, São João del Rei-MG. lucas.calacasb@gmail.com
O cruzo, o sonho, as plantas e o corpo como tecnologias do desacelero em tempos apressados
RESUMO: Neste ensaio, proponho o conceito de “tecnologias do desacelero” como alternativa ao colonialismo digital que captura nossos corpos e desejos na sociedade contemporânea. Adotando a metodologia do pesquisador cambono, inspirada nos terreiros afro-brasileiros, investigo quatro tecnologias ancestrais: o cruzo, o sonho, as plantas e o corpo. Através dessas experiências empíricas, argumento que essas práticas ancestrais oferecem caminhos para resistir à aceleração capitalística e recuperar formas de bem-viver baseadas na suficiência (teko porã), promovendo uma reparação epistêmica necessária para enfrentar os excessos de nossa era digital.
PALAVRAS-CHAVE: Tecnologias ancestrais. Reparação Epistêmica. Colonialismo Digital. Educação. Desacelero.
La encrucijada, el sueño, las plantas y el cuerpo como tecnologías de desaceleración en tiempos acelerados
RESUMEN: En este ensayo, propongo el concepto de “tecnologías de desaceleración” como alternativa al colonialismo digital que captura nuestros cuerpos y deseos en la sociedad contemporánea. Adoptando la metodología del investigador cambono, inspirada en los terreiros afrobrasileños, investigo cuatro tecnologías ancestrales: el cruzo, el sueño, las plantas y el cuerpo. A través de estas experiencias empíricas, sostengo que estas prácticas ancestrales ofrecen formas de resistir a la aceleración capitalista y recuperar formas de bienestar basadas en la suficiencia (teko porã), promoviendo una reparación epistémica necesaria para enfrentar los excesos de nuestra era digital.
PALABRAS CLAVE: Tecnologías ancestrales. Reparación epistémica. Colonialismo digital. Educación. Desaceleración.
SOBRINHO, Lucas Calaça. O cruzo, o sonho, as plantas e o corpo como tecnologias do desacelero em tempos apressados. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29., dez. 2025. Available from: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/o-cruzo-o-sonho-as-plantas/
