Negacionismo, relativismo e autoritarismo na ciência: do desmascarar ao agregar realidades | Élida Santos Ribeiro


Élida Santos Ribeiro[1]

INTRODUÇÃO

Se você fica apenas ao nível da evidência, você pode domesticar.

FREIRE, 2011, p. 49

No início da pandemia[i], durante uma aula de pós-graduação, após uma colocação minha sobre um texto, um professor me disse, alarmado, que o relativismo é que havia gerado o negacionismo. Ao que interpelei, fazendo referência às implicações com formas hegemônicas de fazer ciência, em seus desvínculos, prepotências e regimes de verdade. Aquele discurso me chamou a atenção não só por se ter repetido de outros modos e em outras vozes, mas por constituir, talvez, um dos nós a serem desfeitos para que avancemos nas compreensões e resistências diante dos negacionsimos.

A professora, escritora e política brasileira Elika Takimoto (2021), em seu importante escrito Como dialogar com um negacionista, faz a seguinte provocação: não buscamos a verdade, mas o conforto.  “Tomo aqui como definição de um ‘negacionista’ aquele que nega os fatos, que rejeita a realidade para escapar de uma verdade que lhe traga desconforto” (TAKIMOTO, 2021, p. 28). A autora traz como exemplo os dados do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que afirma, entre outras implicações, que o gás metano, advindo principalmente da criação de gado, impacta fortemente o efeito estufa e reflete, a partir desses dados, os escapes ao debate sobre o consumo de carne e sua relação com o aquecimento global. Segundo a mesma, como se trata de um tema sensível, que movimenta crenças e hábitos estabelecidos, tendemos a reagir de forma negacionista, elaborando “malabarismos retóricos” que são utilizados como recurso para evitar a discussão ou para aceitar argumentos baratos quando diversos pesquisadores na área relacionam diretamente a criação de animais de corte ao aumento da emissão de gases de efeito estufa. E segue propondo que “todos somos negacionistas quando o assunto nos interessa, ou melhor, nos desinteressa” (TAKIMOTO, 2021, p. 28).

 

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Recebido em: 20/11/2021

Aceito em: 10/12/2021

 

[1] Mestranda do Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde – NUTES – Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: elidasribeiro@gmail.com.

[2]Referência ao estado de calamidade global devido à disseminação do novo coronavírus (COVID-19) especialmente a partir do ano de 2020, gerando mais de 5 milhões de mortes no mundo e mais de 600 mil no Brasil até a presente escrita.

 

Negacionismo, relativismo e autoritarismo na ciência: do desmascarar ao agregar realidade

 

RESUMO: O presente escrito destina-se a pôr em suspensão a premissa de que o fenômeno do negacionismo decorre da “ausência de ciência”, de algo que ocorre “fora” da ciência ou onde a ciência “não chegou suficientemente”. Outrossim, reflete sobre as implicações entre os negacionismos, as verdades científicas como inquestionáveis e os sectarismos da própria ciência. Em que medida a crítica e a desconstrução acrescentam mais “ruínas às ruínas”? O descrédito em relação à ciência não seria tributário, também, de suas posturas dogmáticas e sectárias? Em que medida os negacionismos fermentam inseridos num contexto científico hegemônico que, no lugar de engajar, fundamenta-se na negligência de saberes outros, na afirmação de verdades universais, na obediência, nos sectarismos e na estabilização de fatos e mundos? A partir das reflexões de Costa (2021), Latour (2020) e Freire (1987), bem como de outras e outros interlocutores, apostamos na construção de engajamento, cuidado e emancipação, na direção de empreender diálogos, multiplicações de perspectivas e dimensões, como tentativas de fuga dos pensamentos unívocos, universalizáveis, sectários.

 

PALAVRAS-CHAVE: Negacionismo. Sectarismo. Relativismo.

 


Denial, relativism and authoritarianism in science: from unmasking to  aggregating realities

 

ABSTRACT: This writing is intended to suspend the premise that the phenomenon of denial is due to the “absence of science”, from something that occurs “outside” of science or where science “has not arrived sufficiently”. Also, reflect on those obtained between the denials, the scientific truths as unquestionable, and the sectarianisms of science itself. To what extent criticism and deconstruction built more “ruins to ruins”? Wouldn’t the discredit in relation to science also be a result of their dogmatic and sectarian postures? To what extent do denials ferment inserted in a hegemonic scientific context that, instead of engaging, is based on the neglect of other knowledge, on the affirmation of universal truths, on obedience, on sectarianism and on the stabilization of facts and worlds? Based on the reflections of Costa (2021), Latour (2020) and Freire (1987), as well as others and other interlocutors, we bet on the construction of engagement, care and emancipation, in the direction of undertaking dialogues, multiplication of perspectives and dimensions, as an escape from univocal, universalizable, sectarian thoughts.

 

KEYWORDS: Denial. Sectarianism. Relativism.


RIBEIRO, Élida Santos. Negacionismo, relativismo e autoritarismo na ciência: do desmascarar ao agregar realidades. ClimaCom – Diante dos Negacionismos [Online], Campinas, ano 8,  n. 21,  abril.  2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/negacionismo-relativismo-e-autoritarismo-na-ciencia/