Negacionismo climático e outras controvérsias da retórica científica sobre o clima | Jaqueline Nichi
Jaqueline Nichi[1]
O desafio de comunicar os riscos climáticos
A divulgação científica sobre o risco climático é permeada por desafios para traduzir as modelagens computacionais sobre o aquecimento global, os efeitos naturais e antropogênicos e suas consequências sociais, econômicas e institucionais. Imbuída de interesses de diferentes atores, essa multiplicidade de variáveis, divergências e controvérsias marca a comunicação científica sobre o clima, em especial, por se tratar de um risco que evolui ao longo do tempo, de forma sistêmica.
O tema ganhou relevância a partir da década de 1980, quando meteorologistas se mostraram preocupados com o aumento do aquecimento global motivado pela contingência do uso intensivo de energia fóssil. Atividades humanas como o aumento do uso de transporte individual e das operações industriais trariam consequências negativas vertiginosas. Diante desse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Convenção do Clima como resultado da Rio-92 [2]. Passados quase 30 anos, a mais recente edição, em novembro de 2021 (COP26), aconteceu no Reino Unido com a missão de revisitar as metas definidas na Agenda 2030, firmada em 2015, em Paris. Na ocasião, os países tiveram a oportunidade de rever seus compromissos para conter o aquecimento global abaixo de 2ºC e a transição para uma economia de baixo carbono.
Este artigo propõe a discussão dessa pauta climática no contexto atual. A abordagem torna-se relevante, pois tanto cientistas quanto legisladores vivenciam os problemas e complexidades inerentes à comunicação sobre mudanças climáticas. Acusações mútuas sobre minimizar ou exagerar o risco, sensacionalismo e negacionismo tendem a incitar a desconfiança da população, além de teorias da conspiração pouco úteis para a resolução do problema.
Para isso, a abordagem crítica baseada na Teoria Ator-Rede foi utilizada para analisar a retórica da mudança climática no campo científico. O objetivo é avaliar de que maneira a retórica científica sobre as mudanças climáticas estão permeadas por controvérsias em torno da formulação de conceitos a partir da Teoria Ator-Rede (TAR), de Latour (2005). A primeira parte do artigo apresenta os pressupostos teóricos e os dados coletados e analisados. Na segunda parte, são discutidos os principais resultados da pesquisa, indicando a importância de distinguir os discursos sobre o clima na ciência e na política. A terceira parte discute as implicações teóricas e práticas dos resultados, que sugerem que as sociedades modernas devem lidar não apenas com os riscos ambientais, mas também com os riscos inerentes à sua comunicação, duplicando o efeito negativo da crise climática.
Recebido em: 20/11/2021
Aceito em: 10/12/2021
[1] Doutoranda em Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM/UNICAMP), mestre em Sustentabilidade (EACH/USP). E-mail: jaque.nichi@gmail.com
[2] A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro ficou conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra, e reuniu a comunidade política internacional para discutir formas de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação do meio ambiente.
Negacionismo climático e outras controvérsias da retórica científica sobre o clima
RESUMO: O tema das mudanças climáticas transcende a agenda ambiental e é transversal à agenda política, científica e midiática. Neste artigo, a controvérsia em torno das mudanças climáticas pode ser melhor entendida como instância em que as redes de atores científicos adentram o processo de politização da ciência. Com base na Teoria Ator-Rede (TAR) de Bruno Latour, buscou-se avaliar as narrativas e interesses dos atores envolvidos na controvérsia sobre a questão das mudanças climáticas. As implicações práticas desta análise permitem a compreensão da retórica da crise do clima, do negacionismo climático, e como conceitos científicos relacionados ao tema interferem na sua apreensão pelo público não-acadêmico com o apoio da difusão pela mídia.
PALAVRAS-CHAVE: Negacionismo Climático. Discurso Científico. Controvérsias.
Climate denial and other controversies in climate science rhetoric
ABSTRACT: The theme of climate change transcends the environmental agenda and cuts across the political, scientific and media agenda. In this article, the controversy related to the climate change can be better understood as an instance in which networks of scientific actors enter the process of politicization of science. Based on Bruno Latour’s Actor-Network Theory (ANT), it was sought to evaluate the narratives and interests of the actors involved in the controversy on the issue of climate change. The practical implications of this analysis allow us to understand the rhetoric of the climate crisis, climate denial, and how scientific concepts related to the topic interfere in its understanding by the non-academic public with the support of media diffusion.
KEYWORDS: Climate Denialism. Scientific Discourse. Controversies.
NICHI, Jaqueline. Negacionismo climático e outras controvérsias da retórica científica sobre o clima. ClimaCom – Diante dos Negacionismos [Online], Campinas, ano 8, n. 21, abril. 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/negacionismo-climatico-2/