Nas passagens do rio-mar | Maria Paula Pires de Oliveira e Mateus Barbosa Verdú
Título | Nas passagens do rio-mar
O sertão vai virar mar, dá no coração, o medo que algum dia o mar também vire sertão… Opará, o rio-mar. Esse é o nome e o significado atribuídos ao rio São Francisco pelos povos indígenas às suas margens, encantados com suas águas imponentes. Esse grande rio atravessa cinco estados brasileiros e, segundo os barranqueiros, “corre pra cima”. Fonte de vida para o Nordeste, o São Francisco está profundamente enraizado no imaginário brasileiro como um símbolo de riqueza e fertilidade, essencial para a prosperidade das terras que banha.
E foi justamente por suas margens que decidimos segui-lo, buscando compreender os desafios que enfrenta e as histórias que carrega em seu leito. Acreditamos que o rio, em seu fluxo contínuo, tem muito a nos ensinar sobre suas águas e sobre a vida que delas depende.
As bicicletas costuraram os interiores do Brasil, traçando percursos que eram, ao mesmo tempo, experimentação radical e pesquisa. Não se tratava de um saber de gabinete, mas de uma experimentação que se fazia nos encontros: com o rio-mar, com as lagoas marginais, com as barrancas e seus barranqueiros, com os afluentes de um rio de muitas nascentes, com a bacia hidrográfica.
Nesta série de fotografias, buscamos retratar relações com o rio, mazelas e cuidado.
Destacamos as barragens e, com elas, o sertão virando mar, com municípios inteiros ficando submersos. Por outro lado, suas estruturas seguram as águas e diminuem a vazão do rio de tal modo que o (rio)mar está virando sertão. E mais, a diminuição da força de suas águas favoreceu que o oceano avançasse sobre o rio, cobrindo, por exemplo, a comunidade do Cabeço, onde, hoje, só se vê o farol como testemunho de um povo de um lugar. Nesse contexto, os versos de Sá e Guarabyra, assim como os ditos populares do sertão nordestino, parecem se cumprir: os barramentos criaram vastos lagos artificiais, enquanto a baixa vazão do Opará o faz secar cada vez mais.
Ao mesmo tempo em que traçamos um diagnóstico catastrófico do rio, encontramos, ao longo de suas margens, inúmeros agentes que resistem e reinventam formas de existência em meio às ruínas desses impactos. São comunidades, técnicos e ribeirinhos que, apesar da degradação, insistem em cuidar das águas e dos territórios que delas
dependem.
Um exemplo disso é o Movimento Carta de Morrinhos, onde um grupo de pessoas se organizou em defesa da preservação das lagoas marginais e transformou esse compromisso em ação concreta. Essas pessoas monitoram o regime de chuvas, medem os níveis das lagoas e acompanham a troca de água entre rio e lagoas, essencial para a reprodução dos peixes e a manutenção das espécies.
Inspirados pela obra Viver em Meio às Ruínas, de Anna Tsing, compreendemos que não se trata apenas de administrar o colapso, mas de encontrar, nas brechas da destruição, modos de continuar, criar e cultivar. Há, ao longo do São Francisco, múltiplas formas de resistência que florescem na devastação, tecendo redes de cuidado e compromisso com
o rio e suas populações.
| FICHA TÉCNICA |
Legenda das imagens na ordem de visualização
Foto 1 | Nascente histórica do rio São Francisco
Foto 2 | Marujada do Quilombo Mangal Barro Vermelho
Foto 3 | Barqueiro no Baixo São Francisco
Foto 4 | Barragem de Xingó
Foto 5 | Petrolândia submersa
Foto 6 | Assoreamento e formação de croas no rio São Francisco
Foto 7 | Lagoa da Lavagem (Lagoa marginal em Matias Cardoso)
Foto 8 | Régua para monitoramento da Lagoa do Cajueiro (lagoa marginal em Matias
Cardoso)
Foto 9 | Lagoa de Itaparica seca (lagoa marginal em Xique-Xique)
Foto 10 | Farol da antiga comunidade do Cabeço, tomada pelas águas na foz do rio São
Francisco
OLIVEIRA, Maria Paula Pires de; VERDÚ, Mateus Barbosa. Nas passagens do rio-mar. ClimaCom – Manifesto das águas. [online], Campinas, ano 12, n. 28 jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/nas-passagens-do-rio-mar/
SEÇÃO ARTE | MANIFESTO DAS ÁGUAS | Ano 12, n. 28, 2025
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