Por Meghie Rodrigues
Não é possível pensar as mudanças climáticas sem uma conexão estreita com os aspectos políticos, econômicos e sociais que a circundam. Ainda assim, eles são frequentemente ignorados nos debates. A advertência é de Henri Acselrad, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com ele, “apenas jogar a responsabilidade das mudanças climáticas sobre a ação humana não basta”.
Pensar nestes diversos aspectos, aponta Acselrad, remete à noção de “justiça ambiental”, termo que ganhou força durante a década de 1980 – quando o debate ambientalista começou a questionar a relação entre justiça social e meio ambiente – e culminou com a Conferência da ONU sobre o Clima em 1992, no Rio de Janeiro, quando se abriu o debate sobre alternativas ao modelo dominante de desenvolvimento.
Em entrevista à ClimaCom, o pesquisador considera que, dessa perspectiva, faz sentido justapor os temos “injustiça social” e “injustiça ambiental”, uma vez que os estratos menos favorecidos economicamente são frequentemente os mais propensos a conviver com uma situação de degradação do meio ambiente. Por conta disso, o suposto é o de que estes grupos são os que menos têm condições de “mitigar” e lidar com as consequências das mudanças climáticas, por serem mais frágeis socialmente – interpondo, assim, risco social e ambiental.
Para Acselrad, o grande causador do desequilíbrio que o ecossistema terrestre enfrenta hoje são as práticas de dominação do espaço, vigentes desde a origem do capitalismo, e impostas pela grande indústria e agricultura comercial. Elas fizeram e fazem “usos privados dos espaços comuns do ar e dos recursos hídricos, lançando neles os produtos não vendáveis da produção de mercadorias, impactando – e eventualmente comprometendo – o exercício de outras práticas espaciais não dominantes”, observa. Estes “produtos não vendáveis” são os resíduos poluidores que costumam ser descartados principalmente onde vive a parcela da população tida como a mais vulnerável das cidades: as periferias e regiões empobrecidas do tecido urbano.
Marcha e Cúpula do Clima
A discussão sobre justiça ambiental volta a ganhar atenção pública por conta da reunião de Cúpula do Clima, que reúne no dia 23 de setembro mais de cem chefes de Estado na sede da ONU, em Nova Iorque, para debater políticas ambientais globais. ONGs e movimentos políticos que agregam ativistas pelo meio ambiente, encabeçadas pela norte-americana 350.org organizaram, no dia 21, a “People’s Climate March”, ou “Mobilização Climática dos Povos”, que mobilizou mais de meio milhão de pessoas em ações simultâneas em cerca de 150 países. O lema da movimentação – “Ações, não Palavras” – buscou manifestar o desejo por atos concretos que se comprometam a “mitigar” os efeitos das mudanças climáticas. A questão colocada por aqueles que reivindicam “justiça ambiental” é: “mitigar” é suficiente ou precisamos de outros modelos de desenvolvimento, do investimento em outros modos de produção e consumo, em novos modos de vida?’
Menos óbvio de se relacionar à movimentação política em torno das mudanças climáticas estão, em nível local, os indígenas que habitam as margens do rio Xingu, contrários à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Por defender a necessidade de mudança nos modelos de produção e consumo, estes coletivos estariam, ao contrário do que dizem representantes de empreiteiras e seus aliados, “na linha de frente do combate contra o aquecimento global, favorecendo, por sua resistência, energias alternativas e eficiência energética”, conclui Acselrad.
Politização
A politização do debate ambiental ganhou espaço principalmente na década de 1960, quando surgiram lutas sociais que demandavam a necessidade de mudanças substanciais no status quo para, de fato, ser possível enfrentar a questão.
Para Clive Hamilton, professor do Centro de Filosofia Aplicada e Ética Pública da Universidade Charles Sturt, na Austrália, esta reivindicação vai na contramão dos chamados “ecopragmáticos” ou “aceleracionistas”, que consideram que as mudanças climáticas não estão relacionadas ao modelo de desenvolvimento, mas são apenas um “erro” que se pode consertar com o emprego de mais tecnologia. “Seria investir em uma solução tecnológica para um problema político e social”, reitera Hamilton, numa entrevista para o evento Os Mil Nomes de Gaia.
Hoje, muito do que se tem no debate relacionando “justiça ambiental” e “mudanças climáticas” extrapola a troca de acusações entre nações do Sul e do Norte (seja o Norte culpando o Sul pelo aumento da população ou o Sul reivindicando seu direito de poluir, alegando ter uma “pegada ecológica” menor). Segundo Acselrad, tais acusações se dão, muitas vezes, entre atores de um mesmo hemisfério; nos países menos desenvolvidos, culpa-se os pobres por serem “atrasados” e por “travar o desenvolvimento”, e os ricos, de desperdiçarem energia com o consumo de luxo; e, ainda, os governantes por “fazer do desenvolvimento no Sul uma forma de exportar energia barata para as economias do Norte”. Nos países industrializados, críticos do modelo econômico vigente “culpam os capitais que detêm o controle da indústria de combustíveis fósseis e apontam o fato que, quando ocorrem catástrofes climáticas, os pobres pagam o preço do consumismo dos ricos”, observa.
Sul e Norte passariam, então, por um processo diversificado de apropriação social das consequências das mudanças climáticas – o que fornece combustível para o surgimento de movimentos pela justiça ambiental em todo o globo. Para estes movimentos sociais, “tenderá a não haver nenhuma iniciativa dos poderosos para enfrentar os problemas ambientais enquanto for possível concentrar os males deles decorrentes sobre os mais pobres. Uma atitude que Ulrich Beck chamaria de ‘irresponsabilidade organizada’”, conclui Acselrad.