Luís de Serguilha | Esgrimistas do â-peiron


Luís de Serguilha[1]

As enfermidades e as acronias exaltam a pré-foliação do animal entre as coaduras deíficas em variação e o indiscernível de um todo insano (intervalos da matéria insaciável e das vigílias hápticas gladiam-se perante as catalisações dos esboços de uma ideia que se direcciona a partir da prática topológica aceirada pelos canais de irrigação do Tangram, repletos de hesitações expressionistas: cumplicidades inconscientes apreendem os extremos da crença obscura rés ao mosto vibrátil dos encéfalos: as peugadas da verdade não se avaliam, movimentam a duração do fundo do real, descascam-se até acontecerem marchetadas pelo deglutidor que é comido pela sua própria compactação sedimentar): o animal exercita o criativo dentro da sua livraria carbonizada pelas visões avançadas, confia no seu hímen de geodésias libertárias entre o existir, o sentido e o contador de areia rodeado de candeias voltadas para as laringes dos deuses: o animal assimila forças inomináveis, atravessa as ressonâncias dos vasos emancipadores da matéria plenamente irradiados pelas ressurgências dramatúrgicas: o ANIMAL crava-se nos carpos dos deuses fragmenta-se dentro da boca do impensável, se torna uma cardanha ética, um revérbero da lucidez que experimenta a escarificação do silêncio de uma voz oculta. O ANIMAL adentra-se na inquietação do real, o grito é uma ventilação viva do mundo, sim, suas traçaduras divinatórias arquitectam a respiração do mundo, refazem catástrofes por meio de catástrofes inventivas (basta um ofício e o animal será um cadáver a pastejar nas vésperas da claridade porque no lado de dentro o desejo tem sangue múltiplo, é um verbo relampagueante que jamais morrerá fechado pelas gorjas): o ANIMAL, o gesto e as palavras procedem, efectuam, se desabeiram, se removem, se espaçam sem avocarem porque as volteaduras sanguíneas articulam as suas perseguições ao tempo, transvertendo os seus rumos em forças irrefreáveis entre espaços acústicos e tramas, sim, o ANIMAL captura mundos sensíveis às intersecções da casa ensimesmada pelas dores de uma enxertia prematura, há uma escalavradura onde morrem todos os nomes e a palavra faz das zonas profundas dos ossos, uma geografia microscópica, sinestésica, um trampolim minúsculo de lâminas: os GESTOS e o ANIMAL misturam assombros, vegetações estranhas, absurdos com as hesitações das pedras onde as travessias obscuras da carnagem não existem para categorizar ou para situar, elas duram para derruir, perturbar tudo o que lhes aparece pela frente, elas existem para estremecerem o sensível, experimentarem o tempo puro no corpo, sim, o ANIMAL fractura as palavras por dentro da língua e sufla suas partículas indizíveis, gerando topologias com novos respiramentos, novas transfusões onde os nervos se arrasam e se fundem até à vomição das sonâncias do último terráqueo: são reviravoltas cartográficas que abrem passagens no extravio, esquissam enciclopédias alofilas para brincarem com a morte, jogarem e inventarem a morte sem a cultivar, sem a glorificar( a morte é uma palavra fora do gesto do animal, ressoa e cerca-se a si-mesma, é um escambo cuspido pelo escambo). O ANIMAL arremessa-nos a multidão do poema para dentro da boca onde os vigores dos minerais das palavras nutrem os alçapremas da existência, diluem os órgãos, libertam as essências da substância inanimada, tornam-se profanas, híbridas, violentas e sagradas ao buscarem loucamente o improvável e se deformarem até à carnação do espirito onde os gritos dos deuses escavam e atacam o mundo como habenas levantadas contra o corpo: aqui-agora, as palavras faz-nos sentir que o silêncio do golpe órfico está na fala do animal que abscinde a pele para escutar o vazio e tudo é recriado por meio do tempo crónico: a palavra, a escuta, o gesto, o ANIMAL e o saber esperar, são as dobras sagradas, os sopros demoníacos, as peugadas da gestação, as entranhas da queimadura, as fendas da língua, os rasgos dos dardos, as mordeduras que se extraviam da matéria morta, fazendo despontar as pulsações do espaço e absorver os impulsos disruptivos do verbo que nos livra: o sacrare da voz dos libertinos, dos dementes, dos exilados, dos apátridas e os gestos fogem, perseguem-se, expelem-se a cada sopro, a cada fôlego, a cada talhadura dentro da língua, sim, em cada cruzamento invisível há uma vibração petrológica, há sedimentos minerais que abrem o animal ao insurgido, ao espaço despedaçado pela apreensão respiratória do gesto: o teatro sanguíneo do mundo, a proscrição ou a geologia vibrátil das PALAVRAS que pigmentam, ensoam, laivam, estremecem, se compõem, fazem silêncio com as suas queimaduras enunciadoras de uma fala, uma fala que perfura a morte com o mundo vivíssimo no sangue, a existência salta e alça a substância até ao imprevisível, à mudez cantante do animal: tudo se engolfa, se suspende como um apavoramento das passagens cárneas, é a LÍNGUA do animal com os deuses a fugirem da morte nas suas falhas delirantes, é a língua titubeada, alçada, inobjectivada, desobstruída pela força oral que propulsiona, derruba, faz cruzamentos até aos fluxos paradoxais onde os sentidos estão em permanente flutuação, em intensivas variâncias: os estomas dos deuses divinizam-se no ar cauterizado e pendurado nos sonos futuríveis dos animais: invocações, falos e úvulas exultam as cavidades sanguíneas que exaltam o vazio de uma voz mutante, a visão que penetra na matéria em extravio ou será um roubo de uma fala por vir? O phaneron dos deuses dentro do animal é um boiadeiro inominável que recusa rezas, martírios, hierarquias, servências, medos porque na sua traqueia tudo surge para ser libertado. O DOM de abrir a matéria viva e arietar as pulsões da morte, decepar as palavras com o incêndio da fala, com o gesto perfurado pelo enigma que faz recomeçar os ritmos verbais. O ANIMAL se mina, se arrebata, se rapina, se reclui, se extrai, se criva por transmutação paradoxal, é uma ossatura sarcástica, uma ossatura que se insemina e desaparece para o corpo acontecer: o GESTO escarva geologias, distâncias, rarefacções com o silêncio construtor do impensável povoado de tramas e de lentes minoritárias (detalhes da dança guerreira que descerra o horror existencial e a força do embutimento histeriza as incrustações do sangue dentro da crença herege, sim, a palavra se esparteja, tange a língua e leva o animal para os lapsos invisíveis dos espaços ou será a cor do teatro assintáctico das anatomias?): o animal persuade a ruína, capta o trágico, compreende suas quedas e se faz durar dentro da alteração, sim, elimina o instante da morte com o vazio acontecimental, percorre o oculto com golpeaduras moventes, a sua pele é uma máquina de repulsão do nada, é uma máquina diáfana com esguichos existenciais, o combate é ininterrupto porque a verdade inalcançável sempre se aliou à errância para liberar forças sem catecismos, sim, o futuro está a germinar, as palavras se transudam e criam rupturas alveolares, afasias geradoras de vazios, de rosáceas: o lodo tremula nas patas espiraladas do animal que desconhece a intuição de morte, se estorcega com as apneias obstrutivas e as lascas carnívoras ressoam rés às cabeças espasmódicas das línguas expiatórias que o fazem durar (o animal toma parte ao exultar-se por meio da dor do esquecimento revivido que abre o pórtico de uma realidade invisível): um vórtice de narículas caleidoscópicas resume a exaustão dos gânglios dos outros-do-animal que percutem por dentro das desconstruções de uma fala perfuradora de geografias onde os alvedrios se expungem e os sedimentos de baços malsinam o esforço da artesania perante a traição do tempo (há uma gusa sígnica a hibernar no vazio, capturando a mobilidade cortante de uma espera onde a palavra experimenta a solidão nas levantaduras da injúria e da vergonha): resta ao animal desertar entre varrições uterinas porque a ulceração na mão dianteira ainda lembra a temperatura do escalpelo cheio de refugos: o arco da voz lavra o sangue inculcado na boca herodiana, os ventres porosos imolam a casa até à sua agenesia, há uma baba canina totemizada por borbulhas sulfurosas, o carbono das cavilhas silabares esboça a devoração das escamas que voltam sempre aos arquivos comburentes da vidência: a palavra contorna a anáfora da gagueira com o metal das mucosas, a palavra atinge o ancho por meio da calcificação das ostras das baixias e as bordas dos abetesgados absorvem línguas torcidas pelos haustos obscuros onde o córion crepita, arrecada os exícios das minúsculas hulhas, sim, o córion exercita o abatimento dos barbantes e move-se com as fissuras atrapadas entre disparadores do tempo e das dores partilhadas pelos nervos criativos, é a batalha ética dos lances da reminiscência que se desmuda em relação a si-mesma fora de qualquer tribunal: as punções da fome levadas pela voz, a pupila refractante dos esgotamentos dentro da feitiçaria, o ducto polinizado por meio do imperceptível, das hiemações dos apostemas, agir agir e agir com as fissuras irredutíveis do gáudio, mesmo com um corpo de dor e com dor, um corpo de movências inestancáveis, de glossolalias, de caroços descascados pela traição dos espaços onde o inconcebível estraçalha os buracos do mundo para encontrar uma boca política, sim, todas as temperaturas das mortes atravessam-se nos transpiradeiros adentrados do poema distante de qualquer mensuração, sim, a penúria contorcionista atraca-se às libações catárticas e o animal reluta sem saber porque constrói, suplanta limites da cevadura, gera acoplagens separativas com múltiplas epidermes, desdobra-se em pigmentação, em luzências que buscam o sangue aos entrelaçados monádicos das palavras, sim, a voz confunde-se com a fala que tenta criar sem a vontade de atingir alvos (as sublevações, as têmperas, os falsários e os bombaratos mais invisíveis invisceram-se nas cravelhas ondulantes que atravessam o respiramento do animal, avisam-no da sua existência, da sua vocalização viral, batendo na densidade inacessível de todas as escamas com pontos espiralados ou serão as enfiaduras do retorno das mães que chamam novamente o mundo com seus ventres heteronómicos: as mães que plenificam os bofes dos filhos com mosaicos no sangue: o revir das vizinhanças da existência, sim, entre as casas e as placentas há um cristal sem qualquer errância abstracta, as almas dos eirados estão contidas nos seus pulsos: a arte de escutar lacraus): o silêncio por dentro da porosidade centrífuga é capturado pelo reverbéro do horror que iliga refegos às vazaduras tardias das perfídias ósseas, porque cada crime do poema é uma respiração multimodal, um inventário rascunhado por testemunhas, cada gesto estiliza sua fuga na plenitude sem fundo e as ensanchas safenadas dos bandos se despedaçaram contra os embriões invernais: são exórdios das chagas sedimentares que assimilam as últimas irrupções das palavras geradas pelo acaso anorgânico: os gritos espontâneos pendulam nas indevoções, as medusas variam com as forjas insurgentes do consolo que se arremessa sobre a trasfega das guelras, os escárnios com açames besoiram e expelem nas tapeçarias cheias de anomalias térmicas, o animal procura esculpir sua existência plissada e o GESTO captura-o para dentro do seu pleroma móbil: o flebótomo do poema faz do arrastamento dos hematomas uma polpa de peçonhas que aguardam as ressonâncias acidentais dos urubus, ou o recomeço de um ponto de vista revigorador de nervuras e de dobras, sim, os bisturis de cromatismos amputam distâncias mas jamais alcançarão qualquer rastro da verdade corporalizada, porque o poema é sempre o restolho indizível da caustidade que se impulsiona a si-mesmo, é uma brânquia garrotada pelos sopros das preces boreais, é a pausa em sedição, é uma desertificação aformal, um dicionário sináptico que se aniquila e se recompõe sem fundagens prévias: a tisana do perjuro, o esbulho da refracção aberrante, o entretempo do trágico e os germes das palavras continuam  tensionadas pelas drusas do covil( ou as guinadas dos esgrimistas do á-peiron): o animal invagina o crime, percutindo nas cegueiras das hulhas até aos alvéolos do vazio, a náusea é absorvida pela validade das processionárias( a alma prolonga o gesto do animal, a mutabilidade do risco, do intercessor). A morte e o suicídio são acerados até ao indistinto pungimento que atravessa o animal e o escorja por meio das acendalhas do avesso com as múltiplas hipóstases de tempo. As forças abaixo do cristalino, do inatural e do estábulo acósmico arrancam permanentemente novas filigranas das velocidades, novos embates das retardações, às microscópicas sensações existenciais, sim, a lucidez da espúria captura insânias, culminâncias do geometral, matemáticas dionisíacas, equívocos acentrados, afecções das fidúcias, ritmos inconcebíveis ao acontecimento microperceptivo do infinito: o acidental, o riso: a esfinge sem interrogação impulsiona uma garatuja onde o GESTO desaparece ou regermina (ver, escutar e estender a alomorfia do mundo fora do arremedo e do aspeito, interstícios atingem os horizontes velozes não-históricos na dissipação do invisível: a estética da aleivosia sem pontos fixos se torna vasta: a errância contagiosa, o excesso, a força barroca, a torsão do inacabamento: a pele do animal é em si uma perspectiva sem linhas de contorno). O animal faz existir a alma exilada no gesto dos deuses, hospeda-se no tempo, reforça o real, traça-se com os mapas de pápulas eritematosas e se alia aos HOBOS: faz do eterno fracasso a exultação das artesanias, uma aleivosia ética, uma imbricação de rechaços, um desaparecimento em transdução, uma ambiguidade suspensa, uma reminiscência fora das acepções, uma espessura do desassossego eliminador das acídias de Evrágio Pôntico( um instante testemunhal e tudo mudará): todas as cartografias estão em escapamento e implicadas na amnésia. Temos a sensação que nunca meçamos, nunca refreemos, nunca contemos as bifurcações de qualquer exórdio porque há contínuas problematizações em disseminação sígnica, há tremendas hesitações, exercitando liberdades imperceptíveis…há pontos de vista impensáveis, há uma animalidade bastarda que nos atravessa, nos esculpe, nos avisa sem querer tomar conta, não deseja nomear, identificar ou julgar (possivelmente uma voz inaudível, invisível mas com uma força inconsciente que a presentifica por meio de um fora-simulacral que combate a injúria, o vitupério). Preadivinhar, vigiar e esperar pela linha que cruza passado e porvir. Uma voz escapule-se da linha contínua do tempo e a fidúcia RÉ-existe, activa a renascença minoritária porque a mutação do animal é uma artéria radiante a antagonizar-se a si-mesma, sua língua flebotomiza, ressoa repleta de tutanos, de alianças, de roubos, de dores, de ritmos. de voltagens, sim, o animal diz de outro modo, é um esvaziamento sem escoadura, traduz-se e enuncia-se em todos os lugares em composição: há novos ritmos que exigem abertura do mundo nas sensações que captam sensações, espalham a insurreição no animal entre durabilidade e fuga: um gesto, um rascunho, um instante que afirma o povoamento-animal: o fogo peganhento espera pela sombra das veias de um corpo que “ já não aguenta mais”: o animal acontece por meio de múltiplos espalhanços que o faz esculpir novas securas, novas vozes dementes, novas confianças, sim, o animal verte o tempo com sentidos embrionários sobre a sua traqueia onde os desastres, as falhas, as lacunas fortificam o absoluto sintomatologista: os pontos-olhantes-afectivos esponjam as insânias da expressão ou o dom compulsivo da palavra que vê a sua cegueira no seu próprio germe (o trágico é absorvido pela compulsão da carne que entranha o animal dentro da suas angulações: dizem: uma reminiscência para o futuro vem à tona por meio de múltiplos dardos ontológicos): as danças devastam a pele no seu recomeço onde a matéria se espiritualiza entre actos vitalistas: as ferramentas do movimento talham as profundezas báquicas do corpo, convulsionam o sangue, afastam-se da inteligência, capturam os vicejos de presenças musicais, sim, contempla as vizinhanças involuntárias da revolta para impulsionar o paradoxo, o baque petrológico com todas as forças da emergência existencial, sim, o animal elimina a funestação, a penúria, a contrição dos seus desvios não debulhados, o animal elimina o humanismo do homem e arremessa-o para as tendências duráveis da vida: é com o surgimento dos écrans dos aprisionamentos e das virgas-férreas sobre a duração eternal que o poema-animal se eleva e cria renascenças indefinidas, a obscuridade tacteia-o por trás da teia encefálica (o vazio protege a elasticidade do animal que ainda não adveio, o vazio traça linhas, abala a intuição de milhares de almas turbilhonares e salva o silêncio dos rastos de uma ideia tenebrosa, o vazio foge da sua escuta, transmuta-se, desvia-se da sua batida para existir no movimento animal, sim, o espaço faz dançar a visão do vazio do espírito onde o imperceptível absorve infinitesimalmente o animal e o engravida com a lucidez do ressalto verbal, só por meio das afecções do vazio que o animal vive, deriva, acontece, passa, torna-se um esquecimento vitalista( sínteses das energias químicas dentro das expressões do espírito que desdobra o poema: aqui-agora: o animal se liberta por resgate de si-mesmo, basculhando as vértebras, as vísceras até ao delírio: é na pele do animal que o espírito assoma arqueado pelas esferas das fabulações, dos falsários maternais, das quedas, das errâncias): ver as manchas transparentes das vozes vertiginosas entre esboços intempestivos e processos centrípetos que fazem a alma do animal esperar por outras cadelas, outras scolopendras, outras deusas emaranhadas por géneses incorporais: o ancestral vazio nos futuriza por meio da memória de um corpo celibatário que se abre ininterruptamente à protérvia, ao inatingível, à inocência criadora de verdades inatingíveis: à vida impronunciável: o tempo puro que provém dos mapeamentos rascunhados, fazendo o animal agir na geografia do vazio ou a realidade dentro das entranhas que a assevera ou a ideia ambígena expelida pelo porvir do gesto ). O animal esponja pausas, lapsos, hiatos, fendas, àscuas, gusas, rasgos, diagramas e variega-se, transverte-se ao ventilar-se por dentro do sexo expressionista que avém verbos entre miríades de espíritos e pontadas de uma distância, de uma indeterminação: será a película do imperceptível no risco intercessor de sensações? Serão reencadeamentos agramaticais a ganirem em qualquer gradação do poema? O animal cria mudança inconsciente em si-mesmo, desfigura-se, torna-se inacessível e atinge a fuga livradora por meio das brechas das colchas de retalhos, das marchetarias, dos mosaicos, das vastas esperas poligonais: as mudanças se cinzelam, se inscrevem nas diferenças que se dilatam e se procrastinam no inacabado, no estrangeiro das transições vérmicas, nodulares. Com as forças catafóricas o animal evita que os desígnios arruínem os actos libertários e as crenças ateísticas se trespassam até ao absoluto( a alma reemerge por pactos animalizantes: a fiúza na fiúza: a sensação na sensação): a boca possessiva do animal ataca sem perguntas, tacteia cada traço de vida e de desaparição: instaura-se esburacando a volição da babel): o animal não produz confrontos, colações, mas redobra o imensurável tirso da rosada que o faz acontecer dentro do tempo crónico para sobrevoar o pré-existente com o vasto, o aberto, o ampliado, o abissal: visibilizar a voz que atinge emancipação na vida falsária, na verdade fabulizada e escarificada pelas Bassárides acossadoras de Dioniso. O gesto, novamente o gesto testemunhal onde o futurível se nutre pela reminiscência espiritual do passado sem servência. O gesto em alastramento tremulante. O gesto desaparece usufruído pelo gesto garimpeiro que visibiliza a sedimentação do animal, o gesto destrói a figura e o aro do intelecto, o gesto é inatural, fabular e real, o gesto não obtempera mas acredita, confia no imprevisível, nas anamorfoses: o gesto não é uma mísula, um refrigério ou uma terçaria dialéctica, o gesto não compreende, é o movimento imemorial, é a larva involuntária, é a compactação sígnica, é o alanco vital do animal, o gesto retarda o falhanço do animal, a diferença disjuntiva das tonalidades, o GESTO não tem finalidade, não é intencional, não é recognitivo, é sempre um recomeço de mónadas rés a quem luta contra a sua própria morte, o gesto não é humano, é um retorno da fala que sabe silenciar-se, o gesto é intangível, é impenetrável, é um ciclo ilimitado, é incisão aiónica, é o olho dentro do olho e conectar o passado ao futuro por meio do presente impessoal, do saber trágico, da distância dos rostos, dos desvios dos acasos, dos ritmos anfibológicos: o gesto é um tumulto incorpóreo dentro da existência das coisas, uma dádiva da passagem uterina que rebenta nas falanges, uma dádiva dentro do crânio, uma dádiva intercerebral,  uma dádiva que condensa a pedra lúcida, uma espera de alfabetos, uma claridade forçada pela claridade: a decifração da queda amnésica: estremar o despenhadeiro com a dilatação do poema, o pleno animal, o esquartejamento do real. O GESTO crava o tempo no corpo com a semiótica da vida cruel, criativa e fora do poder. O GESTO não tem dívidas, é uma abertura imensa de quem produz seu próprio destino. O animal acontece adentrado no acto livre do poema de Kurosawa e os gestos bilobados incubam-se incessantemente, mudam através das cumplicidades implicadas no seu corpo sem notícias porque é um salto em gestação incessante, uma encurva de fugas éticas que se traduzem na prática se si-mesmas: há uma entesadura nos pontos de vista ocultos e indecidíveis, há um espírito nobre que corre velozmente com lâmpadas cravadas nos instantes simultâneos, faz da vida intuitiva a alegria da hesitação, o imaginário imanente ao infinito dentro da inferência: a palavra é irrefreável e aferra a pulsão placentária, sua malhadeira no real é uma asseveração de vida, entalha o olho egipcianista do animal no gesto da inocência, no gesto veloz da estirpe que a percorre completamente aberta ao tornar-se parte do poema onde os deuses evitam a consagração: o GESTO é a dor contemplativa, é a substância mudável que o faz regressar à crítica de si, construindo passagens, bifurcações nómadas, o GESTO eterniza-se no delírio espiritual. Um instrumento maior que a própria vida. A ARTE do GESTO. O gesto em acto epicurista. O relance eternal de um gesto sonoro dentro da boca surda. Um só GESTO e todo o corpo lucreciano. A prece da demência gótica. A prece do diagrama que combate o hábito místico: o ideal devastado pelos canais da ideia. A violência de um GESTO pousado noutro gesto de sensações. O espírito dos contrabandistas não depende do bem, da consciência e do mal porque é um atirador de tempos inéditos. Vozes simultâneas e transdutoras. A zoopsia. Distender os gestos, as nuances por todo o corpo, o gesto direcciona-se no finito intermitente de um presente dilatado para atravessar raias e devolver o colossal ao plasma do animal onde o caos se compõe, se coacerva e se vaza. O GESTO é uma cisão geradora de gestos alógicos, uma voltagem de múltiplos tempos, uma histeria relacional que escana o animal, ateia a anatomia, distancia os ritmos atómicos e se torna coexistência turbilhonante. O GESTO esculpe a consistência do aturdimento e desobstrói-se, sim, o gesto acontece na sua duração livradora, na sua tendência enérgica: o gesto existe em si, é etológico, acumula o movimento, a emanação dentro dos noemas que o atravessam, é o metalino efabulatório, a acção de uma abertura delirante, o gesto modifica-se  a si-mesmo, atinge o supralógico, prolonga-se e assevera-se noutro gesto que o vara com cirandas inapreensíveis e membranas volúveis: uma percussão de misturas imemoriais nos gestos que se diferenciam nas perspectivas abstractas: são disjunções, exílios, mudanças, pausas, simultaneidades, germes, topologias, absorvências de verbos sem expectações de cura, tudo se entrelaça por meio do passado que se recria no comum do contemporâneo onde o desejo recomeça cruelmente. O GESTO não procura sentido, ele é o absurdo do acontecimento, é uma mutação anamórfica, insubordinada, é o excesso do retorno da natureza, é o vazio que cultiva o tempo e emudece os ícones, conquanto há um impacto de deuses pagãos que recusam a morte com a fusão das línguas, é a vidência do trágico que captura acontecimentos estóicos entre signos imateriais. Em cada cariopse gestual, um animal expressivo sem espelhos lança-se ao estilhaçamento de um todo. Em cada exaustão gestual, um sedimento de tempo reemerge e o silêncio faz falar seus minerais fora da termodinâmica, sim, o inominável, o rosto zurzido pelo tempo produz falas assimétricas, falas porosas que se enovelam em torno dos espaços invisíveis do animal que toma signos para se sintetizar. Em cada existência, um combate-de-si, uma criação-de-si, uma contemplação-de-si sem significado, sim, um inacabamento: múltiplos gestos transpõem estremaduras entre os ciclos astrais do animal que grita dentro da matéria impessoal: O GRITO e o GESTO desviam alvos, vivem flutuantes e indeterminados. O gesto é um atractor de errâncias sem resultados pressentíveis. O GESTO vem da obscuridade, age ininterruptamente, retorna sempre, alia-se ao tempo, ao esquecimento, respira na luzência impiedosa, provoca a insurreição cárnea ao ensanchar a opacidade com o ilegível, a metamorfose alcança o extremo. O GESTO se abre nos campos de batalha das aprendizagens do corpo, condensa-se na sua própria experimentação fissurada, captura molecularmente o animal sem recompensas, faz recomeçar o poema nas dobras incontroláveis, fortalece a profligação criativa ao deslizar no incomensurável, sim, atinge a emancipação ingénita que faz repulular as ossaturas, desenha articulações, filigranas, rigores, encontra vozes estranhas dentro da corporeidade, do manguezal, dança com as ruínas, com as reminiscências, estiliza-se na perfeição da existência, desmancha-se, aproxima-se da morte, da escoriação, da astenia com a vitalidade sígnica dos membros, das miscelâneas, das devastações, das renascenças( bifurcar feixes luminosos). O GESTO e o sentido animal disseminam-se epidermicamente, alcançam o eternal, o falso, a fractalidade do problema, sim, vara lapsos esfíngicos, intervalos desmedidos e em alteração ininterrupta (abaladuras da alma cruzam o animal e o fazem durar sem reconhecimentos): estendem a bricolage do grotesco, do insano, tocam nas forqueaduras do som e nos golpes sagrados do tempo para transmutarem o movimento do fundo das substâncias em escritas invadidas pela iluminada e obscura carnação, eis, as repercussões da vida da morte, sim, o sangue do impensável transmuta dilemas estilizados, liberta-se, cria-se a si-mesmo e o mênstruo abre o hiato do tempo, atravessa o corpo sem clemência, sem lei, renova-se sem cessar, tudo é pertransido violentamente, o sangue visibiliza-se, enuncia-se e se torna em rastos nervais que arruínam as baganhas metafísicas: o GESTO assimila a putrescência invisível para construir mapas com dons ritornélicos, com espasmos, com espantos: o GESTO se liberta de julgamentos imunológicos entre as passagens das encorpaduras e o ócio cismático, resvala nas equivocidades, insculpe-se nos limiares inexactos, resiste à serventia, o GESTO deixa de ser gesto e inventa um corpo de minorias bastardas, de processos rítmicos: o imperceptível leva o GESTO para zonas espirituais onde nada acontece puramente porque as gravidades tenebrosas, equívocas, suspensas, fragmentam imagens inexprimíveis, a dor fortalece-se no movimento pausado e o animal furiosamente muda de pele, a sangradura do poema salva o animal sem mandamentos, o animal nunca se insula, sua solidão é imanente ao entrecorte disjuntivo, todos os pedaços gésticos se movem entre coesões invisíveis e as forças da inutilidade (o animal espiritualmente olha-se, contempla-se, combate-se, interpenetra-se para experimentar o aqui-agora do eternal: o vitral do refectivo, o oblívio que lança fragmentos, se constrói em zonas inacessíveis e se faz tendência impulsiva no comum polinizador: não há mensuras no baque animal, há deformações, há laivos, há veios do acaso que criam se esponjam lapsos concomitantemente: a intuição da criatura traça membranas videntes: o animal em-si é um acidente. Uma fala desaparecida na ressurgência topológica. O espírito dança o espírito sísmico e plasticiza-se na sua própria luminária equívoca: a duração do esvaziamento do poema dentro da carnadura pulsada, transfixa tempos detectores de saídas que criam multidões entre verdades intangíveis: o animal se desdobra, os atalhos se assoalham e o espírito emprenha-se por meio de afectos da futuração): o ANIMAL e os gestos eslazeirados, escorchados, escorificados desfazem-se e ressurgem simultaneamente perante o malogro das divindades, sim, avigoraram-se na desaparição que ritorneliza o poema, o grito, o híbrido, o derruimento, a sedição da alteridade, o tempo vivido por quem desertou( afluências vibratórias): o animal….e o GESTO atingem a consistência fora da servência, do préstimo, porque sua linfa é feita de rebentações, de gretas sem antes nem depois, escarificando signos com essências estilizadoras de velocidades rumorejantes: o gesto e o animal alcançam a eternidade, o sublime da dança directa do tempo porque se fazem existir por meio do eclipse virulento do poema, de interstícios de uma força pura onde a duração do cristal-membranar se transborda diferentemente: são esgrimistas espontâneos do alto-mar, são velejadores da memória em futuração. Há um GRITO abrasado entre matérias fílmicas extraídas ao vazio, um grito descomunal a disjuntar ininterruptamente a carne que se estende coexistentemente em presente e passado, resta ao ANIMAL as fendas inesgotáveis da palavra que nunca se afastou da tentativa de se dilatar em acto infinito: palavra aberrante no palato de Tirésias: o ritmo falsário que fricciona a voz estranha de um outro em si, a devoração basculante da língua, a perfídia condensadora do animal dentro do poema lançado através do teatro vibrátil do corpo. O GESTO se faz a si-mesmo, é uma passagem, uma ondulação, uma película dérmica do sublime, um andarilho, um roubo pré-biótico, um grão no acto de fala do animal que ziguezagueia sonoramente atrás do crânio supralunar do poema: planos extremos do inconsciente: o GESTO está adentrado na vazadura do tempo porque encontra o religar adjacente da duração sem medo da morte, é uma força política do vazio com falsos raccords porque acontece intensivamente no espaço transparente fora da reflexão, vitalizando a vida com o ecrã espiritual da matéria, a obscuridade que nutre os pontos das candeias sobre as superfícies em movimento( stomachion), sim, o GESTO rasga-se, dissolve-se com a linguagem para acontecer entre as volteaduras das volteaduras, é uma força que permeia confins, sim, gera, regurgita, engole e expele limites permanentemente. O GESTO fala a partir das suas forças estocásticas que o levam às sedas do radical, ao trampolim do extremo. O GESTO transpõe linguagens erísticas, línguas hylemórficas, idiomas bolsistas, tensiona o corpo sem quaisquer manifestos, desbamba a curvatura sem alvos, é um fluxo cantante, um cântico inenarrável, um adufe luminoso com múltiplas articulações, com várias sonoridades, com uma miríade de intervalos adivinhos, é uma deambulação autónoma, é um processo que abre o fundo da dobra onde o grito tange a boca por meio de vagas termohalinas, nada está dado, a morte é estetizada pelo grito silencioso do gesto, pela violência incorporal. O GESTO induz, rumina, captura tudo que arrosta, contamina-se e sabe se excluir para retornar com a brincadeira dentro da marchetaria, da virulência territorial sem raianas fantasmagóricas, sem espeleologias hiperfísicas, sim, o RITMO variável de quem estampa o múltiplo: uma correnteza de ar invade a cerzidura do poema e transmuta tudo, destrói os perímetros do animal que se abocanha com a sua própria obscuridade (ondulação incomensurável, por vezes o cuinchado, o grunhido no cine-olho do cristal, sim, em cada pulsação translúcida o gesto se desfaz, des-gravida-se ininterruptamente). O gesto é um folhado de artistas levado às raias do real das audições inaudíveis e das visões imperceptíveis que libertam as falas agrilhoadas na língua. O GESTO é sempre estranho porque suas crias se tornam passado e futuro de si-mesmas: são enlaçamentos exaltados, condensados, são liames não-históricos onde a alma opaca absorve velocidades, refegos, núpcias, liações, movimentos vastos para receber a imanência criativa do vazio que expande o corpo expressionista com partículas ilimitadas em detonação: uma molécula de pregnâncias entre os avanços das mescalinas de Michaux, um semideiro ecosófico. Platão escorraçou os falsários criativos bem-querendo Homero e Hesíodo: o GESTO arrasta os lacraus, os polígonos expiatórios, os expurgos, as pedrarias que sobressaem pelos avessos dos hospedeiros finisseculares, os gestos ateiam os úteros com o espanto das povoações, os gestos suspendem os epicentros das falanges nas voltagens do palco, os gestos lascam a melancolia das casas com as práticas da eternidade, os gestos roubam os fórceps das parturientes com as queimaduras dos ofícios das serpes, sim, os gestos ardem nas cabeças das fêmeas porque são cegos, os gestos exigem as agulhas exiciais dos anatomistas, os gestos crisalidam-se com as úlceras dos carrascos, os gestos estacam os ganchos das febres nos sacrifícios dos guardadores nocturnos, os gestos estilhaçam a boca com o sangue da profanação, os gestos incendeiam-se com as feridas obsessivas dos podadores de tempo, os gestos fracturam as ínguas na pedra dos enforcados, os gestos são eléctrodos nos cérebros de trepadores de árvores, sim, os gestos e o poema esponjam as adrenalinas da predação, aqui-agora, os lanhos dos ricochetes se cravam na mão mais rudimentar, os gestos refulgem sob a excisão sísmica dentro da revivescência zoológica, sim, o poema faz do golpe metálico uma recidiva vertebral ligada à bafagem carnívora e o arramo das entranhas mímicas torna-se incurável ao expiar-se numa malhadeira de gafanhotos: a estoqueadura do verbo adensa-se no volume da purulência das arapucas onde os tendões dos soldadores se gotejam perante a hesitação tremenda do animal: o cântico ainda talha o absurdo cruel do poema, as guelras estão plenas, as têmporas dos deuses são devastadas pelos arcos acesos das criaturas. Não estamos defronte ao prodígio da ambliopia porque a escolha é sempre antropofágica.

 

Recebido em: 25/11/2019

Aceito em: 05/12/2019

 

[1] Poeta, ensaísta e curador de arte.

Esgrimistas do â-peiron

 

RESUMO:… o Animal, o gesto e as palavras procedem, efectuam, se desabeiram, se removem, se espaçam sem avocarem porque as volteaduras sanguíneas articulam as suas perseguições ao tempo, transvertendo os seus rumos em forças irrefreáveis entre espaços acústicos e tramas…

PALAVRAS-CHAVE: Política animal. Poema. Tempo.

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SERGUILHA, Luís de. Esgrimistas do â-peiron. ClimaCom – Povos Ouvir – A coragem da vergonha [Online], Campinas, ano 6,  n. 16,  dez.  2019. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/luis-de-serguilha-esgrimistas-do-a-peiron/