Por | Gláucia Pérez
Para criar o livro “Experiências de arvorecer” a comunidade da aldeia Awa Porungawa Dju, artistas e pesquisadores do Coletivo Arvorecer de Casa em Casa e da Unicamp se reuniram em encontros virtuais durante a pandemia e fizeram exercícios de experimentação com as florestas por meio de colagens, fotoperformances, histórias em quadrinhos e escritas criativas. O livro é dividido em três capítulos que abordam a floresta de uma perspectiva original: Plantas companheiras, Linhas, fios e raízes, Sonhos vegetais e Floresta menina. Percorrendo todo o livro, em colagens digitais, estão as árvores bordadas da artista Isilda Oliveira, que são a marca do projeto Arvorecer. As árvores aparecem em praticamente todas as páginas, conferindo rara beleza ao livro. As árvores também aparecem compondo florestas com fotografias das pessoas e em diagramas científicos: que identificam espécies vegetais e animais, perfis de vegetação ou apresentam o ciclo da água.
O primeiro capítulo do livro inicia com a apresentação da trilha interpretativa que a aldeia Awa Porungawa Dju mantém em Peruíbe-SP. As diferentes plantas usadas pela comunidade da aldeia, apresentadas pelo cacique Arildo na trilha, compõem o início de um compêndio de plantas medicinais criado pelo livro. Esse compêndio é proliferado na relação com outros participantes do livro a partir da ideia de “plantas companheiras”, criada pela pesquisadora e artista Susana Dias, Coordenadora do subcomponente de Comunicação do INCT mudanças climáticas fase 2, do grupo multiTÃO do Labjor-Unicamp, e que surge inspirada pelo modo como a aldeia vive em íntima conexão com as plantas. Susana propôs que cada um dos artistas e pesquisadores também pensasse e escrevesse com cinco de suas plantas companheiras. O compêndio ganha, com esse movimento, novos sentidos, incorporando relações afetivas e memórias ligadas às plantas em quadrinhas, haicais, para além dos usos fitoterápicos.
Já o segundo capítulo do livro, “Linhas, fios e raízes”, parte da proposta da artista Mariana Vilela de conexão entre os cabelos e as raízes das plantas. Mariana propôs que o grupo criasse fotoperformances para criar essas relações. Como resultado, o livro expõe relações com as ancestralidades dos participantes, tanto humanas, quanto não-humanas.
No terceiro capítulo, “Sonhos vegetais”, as pesquisadoras Alik Wunder e Sara Melo, do grupo OLHO da Faculdade de Educação da Unicamp, convidaram os participantes a exercícios de escrita criativa entre sonhos e plantas. Proposta que encontrou reverberação no depoimento do pajé Guaíra – sobre como ele se formou um pajé – e nas explicações que o professor da aldeia, Devan, fez sobre as pinturas corporais de sua tribo. Os sonhos aparecem também em imagens: em colagens artesanais que Alik propôs que todos fizessem a partir da narrativa dessana de Yebá Buró, a avó da terra; e em grafismos, que Susana Dias propôs que cada um criasse na relação com suas plantas companheiras e com a ideia de gerar desenhos de proteção, inspirados nas práticas tupi-guarani.
No último capítulo, “Floresta menina”, as experimentações das artistas Cibele Mateus e Ana Piu transmitem a alegria como força da floresta. Cibele Mateus trabalhou com o grupo com pintura botânica, brincadeiras e a criação de quadrinhas trazendo práticas das tradições afrodiaspóricas. No livro, as quadrinhas dialogam com pinturas botânicas e colagens feitas com fotos de criança dos participantes do livro que são colocados em meio à florestas bordadas. Já Ana Piu propôs uma relação com objetos cotidianos através da palhaçaria e do teatro de bonecos , que resultaram na criação de pequenas histórias em quadrinhos com as fotografias do processo. O capítulo termina com fotomicrografias de animais de Lucas Gobatti, chamando a atenção para as micropercepções ligadas tanto ao universo infantil, quanto ao universo das ciências.
Os artistas Cristina Suzuki, Caio Ferrari e Victor Iwakami também participaram dos exercícios propostos e têm criações espalhadas pelos quatro capítulos. O livro cria encontros entre fotografias, botânica, plantas, desenhos, linhas, bordados, sonhos, escrita, poesia, corpo, para pensarmos como nos relacionamos com a floresta, para pensar a natureza em nós, e no mundo. Susana Dias, na live-oficina de lançamento do livro, apresentou o projeto Arvorecer de casa em casa dando a ver a ressonância com o livro criado: “o projeto reúne profissionais que estão buscando criar uma atmosfera de afeto e de alegria, de estudo e de movimento, de liberdade e de solidariedade, fazendo nascer pelas vias digitais uma floresta de escritas, de vídeos, de fotografias, de desenhos, bordados, músicas, germinando novos modos de habitar, de cuidar de si, de cuidar do corpo, de cuidar dos outros e com os outros”.
Além de lançar o livro os autores promoveram três lives-oficina com os alunos da Escola EMEF/EJA Maria Pavanatti Favaro. Cibele Mateus e Ana Piu brincaram com as crianças e o livro-floresta virou floresta-em-festa, com cantoria, dança, movimento com o corpo e criação de bonecos. Uma roda de conversa virtual foi feita com a participação da Aldeia Awa Porungawa Dju e o pajé Guaíra apresentou a comunidade, os costumes e os hábitos desse povo originário. Isilda apresentou o processo de bordados e Susana as colagens digitais, mostrando como ciência e a arte podem se conectar. “Esses diálogos entre as artes manuais, as artes digitais, a atividade artesanal feminina e as ciências, são diálogos que a floresta convoca, são encontros entre heterogêneos, entre modos de viver e pensar mundos distintos, e que não têm dialogado”, disse Susana. A última live-oficina foi sobre fotoperformance e escrita criativa, com Mariana Vilela e Sara Melo, e os adolescentes da Escola Pavanatti puderam ler os textos criados na oficina. As experiências compartilhadas são como sementes lançadas na terra das nossas práticas e pensamentos que buscam fazer frutificar e germinar novas relações com a Terra.
O livro é uma produção do Coletivo Arvorecer, do projeto Arvorecer de casa em casa, do grupo de pesquisa multiTÃO do Labjor/Unicamp, Revista ClimaCom e com participação da Aldeia Awa Porungawa Dju e da Vivência na Aldeia. O encontro com a aldeia durante a pandemia foi possível pela colaboração do Marcos Ferreira que se dispôs a ir até a aldeia e fazer as gravações desse povo que está localizado no litoral sul de São Paulo. O projeto foi desenvolvido com a Lei Federal nº 14.017 de 29 de junho de 2020, lei de emergência cultural Aldir Blanc.
Link com a notícia completa em pdf
Links:
Site do projeto Arvorecer de Casa em Casa
https://arvorecercasa.wixsite.com/arvoreceremcasa
Live-oficina de lançamento do livro
https://www.youtube.com/watch?v=aUSXq6ozxZk
2ª live-oficina
3ª live-oficina
Gláucia Pérez é bolsista TT Fapesp no projeto INCT-Mudanças Climáticas Fase 2 financiado pelo CNPq pro- jeto 465501/2014-1, FAPESP projeto 2014/50848-9 e CAPES projeto 16/2014, sob orientação de Susana Dias e Antonio Carlos Amorim.
Coletivo e grupo de Pesquisa | multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)
Projetos | Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9); Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ e Revista ClimaCom.