Hiroshima e Nagasaki depois do fim

Exposição partilha a insistência da vida em silêncios, imagens e narrativas após a catástrofe

Por Janaína Quitério

 

Seis de agosto, 1945, 8h15. Uma bomba nuclear pôs fim à cidade japonesa de Hiroshima. Três dias mais tarde, foi em Nagasaki que acabou o mundo: mais de 200 mil pessoas morreram em consequência das duas explosões que destruíram uma infinidade de diferentes formas de vida nas duas cidades de um mundo em guerra.

Mas, depois do fim, o recomeço – ou, como propôs a exposição fotográfica organizada durante o mês de outubro no Museu da Escola Catarinense da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), “depois do fim, o cotidiano”, que reuniu registros feitos por Marcos Reigota, professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso).

Quinze imagens foram selecionadas no acervo do pesquisador, que havia participado, no ano 2000, das rememorações do ataque nuclear em ambas as cidades, ocasião em que captou com sua câmera analógica não apenas as celebrações pela paz feitas pela população local, mas também o cotidiano dos moradores.

No último mês de agosto – 70 anos após as explosões –, Reigota lançou a memória dessa viagem com a publicação do livro Hiroshima e Nagasaki, e-book disponível gratuitamente, que teve apoio e financiamento da Fundação Japão. Mas a ideia de revisitar o seu acervo fotográfico para compor uma exposição partiu do grupo interdisciplinar de pesquisa Tecendo – Educação ambiental e estudos culturais, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob a coordenação de Leandro Belinaso Guimarães, também integrante da Sub-rede Divulgação Científica e Mudanças Climáticas da Rede CLIMA.

A proposta da exposição era escolher as fotos a partir do silêncio que as imagens ressoavam como um convite à reflexão. Crianças e idosos – que, em virtude do horário das explosões, foram os maiores afetados, por estarem em suas casas enquanto as mulheres jovens trabalhavam na indústria da guerra nos arredores das cidades, e os homens se encontravam nos campos de batalha – aparecem com os olhos fechados e a cabeça baixa, como se pensassem, como se meditassem. “Procuramos fazer uma seleção fotográfica capaz de estimular a sensação de silêncio e de reflexão, em contraste com o barulho em meio à profusão de informações que a gente vive, tentando escapar da pergunta ansiosa sobre como é a vida em Hiroshima e Nagasaki e cuja resposta a exposição não se propôs a dar”, enfatiza Belinaso.

"Depois do fim, o cotidiano" expôs fotografias do pesquisador Marcos Reigota durante o mês de outubro, em Florianópolis.

“Depois do fim, o cotidiano” expôs fotografias do pesquisador Marcos Reigota durante o mês de outubro, em Florianópolis.

A fala silenciosa das imagens

De fato, uma das principais questões que jornalistas e divulgadores da exposição lançaram à curadoria do evento diz respeito a como tem sido a vida local após o fim – discussão que a revista ClimaCom tem trazido no âmbito das questões ambientais e cujas reflexões foram aprofundadas pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e pela filósofa Deborah Danowski no livro Há mundo por vir? Ensaios sobre os medos e os fins (2014), no qual o Grupo Tecendo se inspirou.

Mas, apesar de as fotografias relevarem informações, a partir das quais é possível enxergar um cotidiano, não se trata de tecer uma representação da vida em Hiroshima ou Nagasaki. Muito pelo contrário, como explica Belinaso: “Essa vida pós-bomba que se pode desprender das fotografias é uma construção ficcional que cada visitante rearranja por meio de sua leitura”.

Assim, as imagens não registram um tempo, mas instauram condições para a criação de narrativas ficcionais a partir dos elementos que elas trazem à tona – tal como propõe o filósofo Jacques Ranciére no livro O espectador emancipado (2008), ao problematizar o engajamento do público quando se trata da sensibilização pretendida por uma imagem ou obra de arte. Um encontro no qual se articulam outros tempos, “ficções do tempo” com possibilidades de inúmeras conexões e rearranjos, como enfatiza Belinaso, em que o registro realístico das explosões em Hiroshima e Nagasaki – e sua memória – não está em jogo. A exposição também tirou de cena qualquer pretensão didática, ao abrir mão de legendas ou indicativos de como ler as fotografias: ao visitante foi permitido inventar.

Depois da exposição, o Grupo Tecendo não pretende dar fim às reflexões e, a partir de textos e produções imagéticas que os integrantes realizaram durante o evento, publicarão todos os processos de pensamento disparados pela exposição na página do grupo Grupo Tecendo no Facebook. “Eu diria que a exposição ainda não terminou”, conclui Belinaso.