Futuros energéticos no Antropoceno: trazendo as dimensões sociais para o debate


Ana Paula Camelo[1]

Introdução

O tema energia, em termos gerais, permeia inúmeras discussões em torno das causas e dos impactos do Antropoceno e sobre como lidar com eles. Energia esta que foi gradativamente sendo explorada e incorporada a todos os processos e atividades do ser humano, transformando sua forma de existir e se relacionar entre si, com a natureza, com o planeta, especialmente a partir da exploração dos recursos fósseis, tornando-se um dos principais marcos do desenvolvimento das sociedades industriais (ARTAXO, 2014; FROESTAD; SHEARING, 2017; HOWE, 2015; JONSSON, 2015; OBERMANN HUMANITIES SYMPOSIUM, 2015). Paralelamente, não se pode deixar de falar de como questões energéticas estão, cada vez mais, influenciadas, se não ameaçadas, pelos impactos decorrentes da ação do ser humano no planeta, a exemplo das mudanças climáticas (FREITAS, 2016; INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012; WWF, 2018), atualizando continuamente os desafios de segurança energética, equidade energética e sustentabilidade ambiental, definido na literatura acadêmica e em diversos espaços políticos como o “trilema energético” (WEC, 2016). Essas três dimensões, conflitantes em muitos aspectos (HEFFRON; MCCAULEY; SOVACOOL, 2015a), marcam e são marcadas por escolhas difíceis que se intensificam em um cenário de incertezas generalizadas como é o desenhado para os próximos anos.

Nesse contexto, localizo múltiplos e complexos desafios atrelados a discursos e ações que prometem uma “transição energética” que sustente a economia global a partir de uma energia limpa, de baixo carbono, capaz de assegurar a continuidade do desenvolvimento das sociedades tal qual se estabeleceu nas últimas décadas (BALLO, 2015). O fato é que, as soluções propostas, por sua vez, não estão isentas de controvérsias. Velhas e novas incertezas e riscos precisam ser contabilizados nas tentativas do homem de “superar” os impactos acumulados ao longo dos anos propondo novas formas de se relacionar com os recursos naturais, bem como nas suas cada vez mais tecnológicas formas de tentar remediar o impacto já provocado (MACNAGHTEN; SZERSZYNSKI, 2017), em um ciclo que se retroalimenta (BECK, 2009).

A proposta deste artigo é explorar o Antropoceno como janela de oportunidade (BAI et al., 2016; BRONDIZIO et al., 2016; CASTREE, 2014; VILCHES; PÉREZ; PRAIA, 2008) de/para instigar reflexões sobre o presente, mas, principalmente, sobre que futuro(s) energético(s) são imaginado(s) e (des)construído(s) nas micro e macro decisões do cotidiano, seja em âmbito local, regional, ou mesmo, global, e como podemos alcançá-lo(s). Um objetivo secundário é mostrar caminhos para se abrir a “caixa preta” (LATOUR, 2012; ROSENBERG, 2006) das decisões políticas e tecnológicas relacionadas à energia e as formas de se olhar para as questões energéticas, não limitadas à definição de fontes de energia a serem exploradas (ou não), às tecnologias necessárias, mas também às escolhas a quais riscos aceitamos, ou não, nos submeter (STIRLING, 2003), em qual modelo de sociedade queremos viver no futuro (STERN; SOVACOOL; DIETZ, 2016).

Para tanto, parto da compreensão do Antropoceno como uma possível nova era geológica definida pela ação humana no planeta e que marca uma interferência radical e crescente nos sistemas terrestres (incluindo oceanos, clima, atmosfera, solo) e um tema que “ultrapassou entretanto o domínio das geociências, envolvendo hoje autores das mais diversas áreas disciplinares” (FERRÃO, 2017).

Dentro dessa conjuntura, as transformações associadas ao Antropoceno em si (e as tentativas de contorná-las) não podem ser localizadas no tempo e no espaço, individualizadas ou isoladas de processos sociais, econômicos, tecnológicos e políticos dinâmicos, bem como em uma rede mais complexa de elementos (humanos e não-humanos) (ARTAXO, 2014; VILCHES; PÉREZ; PRAIA, 2008). Muito pelo contrário, materializa-se em contínua e mútua influência (MOORE, 2015).

Mobilizada pela provocação de Amelia Moore no texto “Islands of Difference: Design, Urbanism, and Sustainable Tourism in the Anthropocene Caribbean” (2015), “por que os acadêmicos das ciências sociais devem se importar com o Antropoceno?[2]”, este artigo objetiva trazer à tona argumentos do porquê devemos nos preocupar com o Antropoceno na sua complexa relação com o tema energia, dando ênfase à importância das dimensões sociais nessa dinâmica e na constituição de futuros energéticos mais responsáveis. O principal argumento é que, “se o Antropoceno exige novas formas de organização do conhecimento (…), precisávamos de modos alternativos de pensar e debater” (TIRONI, 2017) não apenas novas formas de produzir tecnologias para consumir energia, mas transformações mais amplas em termos de governança dos riscos e dos benefícios que emergem desse processo. E para isso ser possível, precisamos falar das e fazer ouvir as dimensões sociais, muitas vezes invisibilizadas ou menosprezadas, que atravessam os sistemas energéticos.

Para explorar essas relações, o artigo está organizado da seguinte forma: na primeira parte, justifica-se a oportunidade e a necessidade de se estabelecer as relações (entre Antropoceno, sistemas energéticos, futuros energéticos e a sociedade. Em um segundo momento, conceitos centrais serão explorados na relação com as mudanças climáticas. Em um terceiro momento, argumenta-se como as questões relacionadas à energia são imaginadas e performadas a partir de expectativas e determinadas escolhas de como devemos viver em sociedade. Por final, justificamos a importância de, no contexto de tantas incertezas e desafios, trazer as dimensões sociais para o debate e as decisões energéticas, a fim de se alcançar futuros mais justos e responsáveis.

 

Abordagem conceitual e contextual: como enquadrar os futuros energéticos

Muitos pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, vêm evidenciando o fato de que políticas e projetos energéticos dificilmente englobam dimensões sociais no seu processo de concepção, execução e avaliação, além de ser notória a preferência por enquadramentos estritamente econômicos e tecnológicos, sendo que a tecnologia emerge, com frequência, como elemento neutro e atrelado a uma perspectiva linear de modernização, progresso e melhores condições de vida, muitas vezes de forma inquestionável. Esse fato potencializa a oportunidade e necessidade de se pautar a discussão de futuros energéticos na sua relação com incertezas impostas com/no/pelo Antropoceno, enfatizando aspectos sociais que atravessam o sistema energético nas suas mais distintas dimensões (políticas, materiais, naturais, econômicas, tecnológicas).

Especialmente no Brasil, inúmeros são os trabalhos e esforços investigativos que chamam atenção para 1) falta de participação da sociedade nos processos decisórios envolvendo questões energéticas (CAMELO, 2017; FAINGUELERNT, 2016; SCABIN; JUNIOR; CRUZ, 2014; SILVA, 2009); 2) como as discussões sobre riscos atrelados às fontes energéticas são limitadas e enviesadas (BERMANN, 2012; PORTO; FINAMORE; FERREIRA, 2013; SOITO, 2008); 3) há uma grande disputa de poder envolvida (BERMANN et al., 2002); 4) e uma preferência por algumas fontes/tecnologias em detrimento de outras é justificada (ROSA, 2007). Contudo, observa-se que essas discussões não dialogam com um conjunto de ideias que veem ganhando cada vez mais espaço e relevância na agenda de pesquisas sobre energia em âmbito internacional, por tratarem exatamente das relações entre energia, tecnologia e sociedade, de forma interdisciplinar, preocupando-se com questões éticas e de justiça, sem negar a importância de aspectos econômicos e tecnológicos desses sistemas.

O objetivo principal é dar luz a essas questões a partir de alguns conceitos ainda pouco explorados na agenda de pesquisa, especialmente no Brasil, a saber: sistemas energéticos sociotécnicos, imaginários energéticos, justiça energética. De forma secundária, almeja-se evidenciar, conceitual e empiricamente, a origem de diversas disputas e controvérsias energéticas e que são, antes de tudo, fruto de dinâmicas sociais e relacionados à configuração dos sistemas energéticos, potencializadas com/pelas/nas transformações climáticas e ambientais decorrentes do impacto do homem na natureza (MILLER; RICHTER; O’LEARY, 2015) e precisam ser visibilizadas nos debates públicos.

Poucos são os trabalhos que trazem alguma menção a tais ideias, mas sem aprofundar no seu significado. Outras discussões, por sua vez, estão vinculadas à agenda de justiça social e ambiental, e não energética em si mesmo, o que reforçou a oportunidade da discussão aqui proposta. Além disso, outra motivação para este artigo vem associada a uma discussão, não recente, sobre planejamento social para transições energéticas (MILLER; RICHTER, 2014), praticamente inexistente na realidade brasileira, considerando estudos já realizados sobre a dinâmicas das esferas decisórias dedicadas ao planejamento energético do país.

Em termos metodológicos, a pesquisa é fundamentalmente bibliográfica, iluminada por estudos e discussões que situadas no campo dos estudos sociais da ciência e da tecnologia, sociologia da expectativa, e outras frentes de investigação que, em comum, buscam superar engessamentos disciplinares e epistemológicos. Foram consultadas as principais plataformas de periódicos científicos brasileiros, como o Scielo, complementada com a ferramenta Google Scholar (em português), com as seguintes palavras-chave: “sistemas sócio-energéticos” ou “socio-energy systems” e “justiça energética”. A partir desse primeiro exercício de mapeamento, foi analisado um total de 16 publicações que resultaram da busca. Paralelamente, foram considerados artigos que discutem projetos energéticos, dilemas sociais e transição energética  selecionados e estudados pela pesquisadora nos últimos seis anos.

Sistemas energéticos enquanto sistemas sociotécnicos

A definição do sistema energético enquanto sistema sociotécnico é fundamentada na compreensão da energia enquanto fenômeno social e político, apesar da sua frequente categorização a partir de dimensões tecnológicas e econômicas apenas. Por isso mesmo, se faz necessário argumentar e demonstrar que “As escolhas energéticas são, embora obviamente tecnológicas, também são completamente sociais” na medida em que a existência humana e as tecnologias desenvolvidas, a forma como as sociedades produzem e consomem energia ao longo da história se influenciam mutuamente, não sendo definidas apenas em função de condições naturais ou técnicas (MILLER, 2012) e estão vinculadas a arranjos sociais, geográficos e geopolíticos (MILLER; RICHTER; O’LEARY, 2015). “As tecnologias energéticas ganham vida não apenas como montagens de máquinas, mas também como elementos integrantes das experiências diárias de diversas pessoas: trabalhadores, donas de casa, frequentadores de praia, estudantes”, reitera Clark Miller no artigo “Socio-energy systems design: A policy framework for energy transitions” (2015), fazendo referencia à obra de Richard Scarry “What Do People Do All Day? and Cars and Trucks and Things That Go”.

Por meio da ideia de “socio-energy systems”, Miller, Richter, O’Leary (2015) tratam de conjuntos de arranjos interligados que envolvem pessoas, componentes tecnológicos e organizações conectadas à produção, distribuição e consumo de energia, à suas cadeias de suprimentos e, também ao ciclo de vida dessas tecnologias e organizações. Ao falar de sistemas sócio-energéticos, evoca-se pelo reconhecimento das múltiplas dinâmicas sociais, econômicas, políticas e técnicas vinculadas à geração e consumo de energia, de forma intrinsecamente interconectadas, não fazendo sentido pensá-las separadamente (MILLER; RICHTER; O’LEARY, 2015).

Em termos analíticos, essa perspectiva vem sendo utilizada para explicar desenvolvimentos históricos no setor energético e para analisar estratégias para promover “transições sustentáveis” de energia privilegiando algumas fontes em detrimento de outras. Neste artigo, ela nos permite, analiticamente, justificar as discussões sobre futuro(s) energético(s), como eles são concebido(s) e performado(s)[4].

 

Mudanças climáticas e transição energética

Dentre os desafios colocados pelo Antropoceno, cabe aqui chamar atenção para as mudanças climáticas, categorizadas por Renzo Taddei (2014) como a “a ponta de iceberg” e cujos impactos na construção de futuros energéticos possíveis são múltiplos e conflitantes, demandando, em muitos casos, “recomposições radicais da realidade socionatural” (Ibid.).

Segundo Froestad e Shearing (2017), a descoberta e uso dos combustíveis fosseis estão atrelados, simultaneamente, à revolução industrial e à crença de que os humanos teriam acesso ilimitado à energia necessária para atender suas crescentes demandas de energia. E até hoje, em boa parte do mundo, a queima de combustíveis fósseis continua sendo a principal fonte de energia utilizada para sustentar o estilo de vida moderno. Contudo, esse mesmo projeto energético, que foi e é também social, implicou enormes custos ecológicos associados à emissão de carbono, que por sua vez, tem impactado os “limites planetários[3]” e a sustentabilidade ambiental global (ARTAXO, 2014).

Para dar conta dessas transformações, emergiram inúmeras discussões em torno de como deveria o regime energético sustentável e adequado para as sociedades industriais (FROESTAD; SHEARING, 2017) e da necessidade de uma transição energética para um futuro de energia sustentável, frente as pressões por energia limpa, segura e barata. Em outras palavras,

a transição energética é justamente o processo de construção dessa convergência, envolvendo o reconhecimento, a gestão e a redução do trade-off ‘mudança climática e segurança energética’. Assim, a transição de uma economia baseada no uso intensivo dos combustíveis fósseis para uma economia sustentada por combustíveis limpos (PINTO JR. et al., 2016).

A definição de qual será o melhor modelo, a fonte mais adequada, quais riscos serão aceitos ao longo desse processo, contudo, não será definido apenas por aspectos ambientais ou econômicos. No artigo “The rhetorical fantasy of energy transitions: implications for energy policy and analysis” (2014), Benjamin K. Sovacool e Brent Brossmann analisam como diversas fantasias, expectativas e valores coevoluem com a tecnologia ao longo do tempo e se mostram uteis para a determinação do vai ser considerado mais importante em termos de política energética, assim privilegiando determinadas transições em detrimento de outras. Segundo os autores, “as ideias de progresso, modernidade, baixo custo, abundância e esperança influenciam a forma como a sociedade percebe novas tecnologias energéticas, fazendo com que elas superestimem os benefícios e subestimem os desafios” (SOVACOOL, BENJAMIN K.; BROSSMANN, 2014).

Após analisar quatro transições energéticas distintas, Sovacool e Brossmann identificam quatro temas principais que se repetem quando o assunto é transição energética: 1) domínio e controle sobre a natureza; 2) ordem social e tecnológica utópicas; (3) energia barata e abundante; e (4) símbolos do orgulho nacional” (Ibid.). Na análise dos autores, e fazendo referência, inclusive ao caso de Belo Monte, a hidroeletricidade aparece, frequentemente, associada fonte de energia barata e infinita, ao desenvolvimento comercial e urbano, provisão de uma nova ordem social e orgulho nacional, já que seria capaz de atender, simultaneamente o crescimento econômico e a necessidade de mais energia renovável para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A energia de origem nuclear, de forma semelhante, compartilha argumentos de domínio e controle sobre a natureza, energia a baixo custo e abundante e símbolos do orgulho nacional, sendo encarada em muitas situações como “um mal necessário”. O principal diferencial seria o tipo e a gravidade dos riscos decorrentes da sua exploração, que torna a controvérsia em torno dessa fonte ainda mais sensível. Ao mesmo tempo, a tecnologia nuclear figura entre visões de progresso não somente econômico, mas também tecnológico, como “símbolo de modernidade e do poder nacional”, lembram os autores fazendo referência aos estudos da pesquisadora Hecht (HECHT, 2006, 2010). Sovacool e Brossmann também lembram do caso japonês, a promessa de energia barata produzida utilizando tecnologia nuclear e as aspirações do governo de fazer uso da tecnologia nuclear como um importante produto de exportação e, assim, aumentar a competitividade internacional da indústria.

Em outro artigo sobre o mesmo tema, Sovacool, Brossmann (2013) também exploram essa constituição mútua da interação entre tecnologia, energia e “fantasia”. Nas palavras dos pesquisadores, “Ao mesmo tempo, essas fantasias ajudaram a criar transições de energia, porque tornaram mais fácil para os empresários obter financiamento, receber legislação favorável e atrair uma base de clientes maior”. Eles também mostraram que, por distintos motivos, tais fantasias capturavam diferentes atores em contextos mais ou menos democráticos e acabavam por ignorar problemas que ameaçassem sua concretização. Nesse sentido, toda retórica que envolve a determinada transição energética acaba, em muitas situações, menos determinada à própria energia em si, e mais pelas funções sociais, culturais, políticas e econômicas derivadas.

Dessa forma, pode-se dizer que os debates sobre transições e futuros energéticos, em comum, tratam de cenários que imaginamos e expectativas relacionadas à segurança, emprego, saúde, superioridade militar, política e econômica (como mostraram os exemplos anteriores), sobretudo no âmbito da coletividade.

 

(Futuros) imaginários energéticos

Toda essa discussão apresentada até aqui nos remete a pensar o conceito de sistemas energéticos sociotécnicos na sua relação com o conceito de imaginários sociotécnicos, definido por Sheila Jasanoff e Kim como “formas coletivamente imaginadas de vida social e ordem social refletidas no projeto e realização de projetos nacionais específicos e/ou tecnológicos” (JASANOFF; KIM, 2009, p. 120). Se estamos falando de futuros energéticos, estamos falando de futuros imaginados. Tais imaginários, neste caso são simultaneamente tecnológicos, sociais, energéticos, políticos, e estão diretamente conectados com a forma como se entende, se valora e define o que será incluído e o que será deixados de fora, coproduzindo percepções e visões do que é bom e desejável, e como o desenvolvimento tecnológico pode ajudar a alcançar essa condição (BALLO, 2015). Tais imaginários orientam interpretações e definem os limites do que pode ser pensado e por quem, e estão especificamente associados a “exercícios ativos de poder estatal”, como através da seleção de prioridades políticas, alocação de recursos, investimentos em termos de infraestrutura.

Ao longo desses processos, marcados por forte otimismo, é preciso, contudo lembrar que há riscos e problemas invisibilizadas, muitas vezes acompanhados por um esforço de não mudança para fazer permanecer padrões e dependências já implementados, o que torna tais retóricas igualmente perigosas, podendo até mesmo invisibilizar e inviabilizar novas fontes de energia (SOVACOOL, BENJAMIN K.; BROSSMANN, 2014).

Ainda a respeito das ressalvas relacionadas à recentes transições energética, Froestad e Shearing (2017) apontam para algumas questões relevantes, e muitas vezes ignoradas, e que conectamos diretamente a tais fantasias.

Em primeiro lugar, o equívoco de que haveria reservas e energia enquanto recursos ilimitados. Segundo Froestad e Shearing (2017), “O pressuposto subjacente a este pensamento era que se um recurso energético se esgotasse, o desenvolvimento tecnológico sempre localizaria um substituto adequado” e esta seria a fórmula segura para se garantir progresso e desenvolvimento. Em segundo lugar, é preciso trabalhar a premissa de que não precisamos apenas de mudanças tecnológicas, e de (novas) fontes de energia, mas também de mudanças culturais, políticas e econômicas que atravessam os processos decisórios de qual, quando, como, onde uma fonte deve ser privilegiada em relação a outras opções. Para os autores, “Os sistemas de energia mais sustentáveis ​​também exigem que repensemos qual tipo de eletricidade não deve ser usada” (Ibid.). Além disso, deve haver uma abertura a combinações (transições) antes não vislumbradas, preferência por infraestruturas descentralizadas, adaptações dos sistemas de energia às circunstâncias locais de forma a evitar que “bloqueios tecnológicos” restrinjam escolhas futuras, pois esses aspectos estão conectados e dependem “de como nos envolvemos com fontes de energia renováveis e como construímos nossos sistemas elétricos do futuro. O futuro está aberto, mas muito depende das escolhas que fazemos nas próximas décadas” (FROESTAD; SHEARING, 2017).

Esses apontamentos ajudam a entender alguns dos fatores que participam configuração dos sistemas energéticos atuais em muitos países, nos quais a inclusão da eletricidade gerada de forma renovável em redes elétricas, como a energia eólica e solar, se dá de forma complementar, para aumentar a capacidade das redes de eletricidade, e não para substituição/redução do uso e dependência dos combustíveis fósseis, atualizando o que Froestad e Shearing chamam de desafios históricos quando o assunto é implementação de mudanças nas fontes de energia.

Nesse cenário, o Antropoceno representaria um desafio fundamentalmente diferente, já que

Os perigos do aquecimento global não exigem simplesmente a adição de fontes sustentáveis ​​à produção total de energia; eles exigem o próximo desaparecimento do que são agora as indústrias dominantes baseadas em combustíveis fósseis no mundo. Requer uma transformação radical do nosso mix de energia, bem como a reestruturação das sociedades humanas (FROESTAD; SHEARING, 2017).

Sovacool e Brossmaan argumentam de forma similar ao afirmar que “o futuro é notoriamente imprevisível e as transições parciais (a substituição de um sistema para o próximo raramente acontece completamente”, fazendo referência aos seus estudos sobre hidroeletricidade e energia nuclear (SOVACOOL, BENJAMIN K.; BROSSMANN, 2014). A partir daqui exploraremos a questão: como fazer com que essas mudanças realmente aconteçam e distintos futuros energéticos sejam possíveis de serem imaginados, discutidos e planejados coletivamente?

 

Justiça energética

Heffron, McCauley e Sovacool (2015) argumentam também que o trilema energético poderia ser resolvido através da ideia de justiça energética, que propõe um debate sobre questões energéticas para além do enquadramento unicamente economicista que tende a orientar os objetivos da política energética. Por meio desse referencial, busca-se sistematizar quando e onde as injustiças associadas a questões energéticas podem ser observadas e como as políticas relacionadas podem responder a tais assimetrias, instigando acadêmicos e profissionais da área a avaliarem criticamente as implicações das políticas e sistemas energéticos em vigência para as gerações do presente e do futuro (MILLER, 2012).

Apesar de bastante recente, esse conceito se mostra pertinente, em termos analíticos e empíricos por propor uma abordagem mais ampla para o desenvolvimento de políticas no setor elétrico para alcançar segurança energética e sustentabilidade ambiental, ao mesmo tempo em que faz ver e tensiona dimensões espaciais, temporais, e sociais atreladas ao processo decisório, à alocação de infraestruturas energéticas, e à concepção de cenários nos quais o que prevalece são desigualdades em se tratando de riscos e benefícios. Clark Miller, no artigo “Energy Justice” (2012), lembra que

A energia é extraordinariamente valiosa para quem tem acesso a baixo custo. (…) A falta de acesso a energia confiável e barata também pode impor limites severos às comunidades pobres (…) muitas vezes pagam uma proporção significativamente maior de sua renda por energia como resultado.

Tendo como origem as discussões em torno dos conceitos de justiça ambiental e climática, o conceito de justiça energética (HEFFRON; MCCAULEY; SOVACOOL, 2015b; JENKINS et al., 2016; SOVACOOL, BENJAMIN K. et al., 2016; SOVACOOL, BENJAMIN K.; DWORKIN, 2015), por sua vez, faz avançar questões relacionadas com o sistema energético como um todo, incluindo a cadeia de suprimentos que muitas vezes escapam das análises feitas, a partir de seus três elementos constitutivos: justiça distributiva, justiça processual e justiça como reconhecimento.

A abordagem em torno do conceito (justiça energética) surgiu como uma nova agenda de pesquisa em ciências sociais que buscava aplicar os princípios de justiça às distintas dimensões da questão energética, sejam elas atreladas a política energética,  a produção e consumo de energia, ativismo, segurança energética e mudança climática. Dessa forma, decisões e discussões envolvendo energia são reformuladas a partir de perspectivas que têm como eixo central preocupações éticas e de justiça social.

A dimensão distributiva se ocupa de identificar onde as injustiças energéticas ocorrem e de que forma, focando, por exemplo, na distribuiçao de instalações de produção de energia, dos riscos associados e dos benefícios e oportunidades relacionados ao (não) acesso à energia, na maioria das vezes divididos desigualmente em todo o sistema energético. Lembrando que as decisões energéticas podem afetar as pessoas de forma desigual. A justiça processual visa explorar as maneiras pelas quais os tomadores de decisão buscam se envolver com as comunidades, se a partir de mecanismos de exclusão ou de inclusão de novas/outras vozes no processo. Nesse sentido, visa incentivar e envolver todos os interessados ​​na tomada de decisões de forma não discriminatória e considerando diferentes decisões dentro do sistema.

Dessa forma, cria oportunidades de desenvolvimento de novas agendas para explorar as injustiças relacionadas direta e indiretamente à geração e consumo de energia, não somente para o presente, mas também para o futuro.

 

Porque precisamos falar do social?

Nas seções anteriores foram listadas uma série de fatores que evidenciam as profundas relações entre energia e sociedade de forma ampla, não apenas pela perspectiva econômica ou tecnológica, na tentativa de desmontar discursos que neutralizam tanto a tecnologia ou a politica enérgica, como se elas se dessem isoladas das influências do ser humano, e vice-versa. O reconhecimento desses elementos, por sua vez, justifica a insistência por trazer as dimensões sociais, e múltiplos atores, para integrarem todo o processo de discussão e deliberação sobre as políticas energéticas do presente e do futuro (SOVACOOL, B.K. et al., 2015). Além disso, segundo Sovacool et al (SOVACOOL, BENJAMIN K.; SIDORTSOV; JONES, 2014, p. 39), “tornar visível a contingência das tecnologias energéticas nos permite estudar e analisar os fatores que tornam as tecnologias atuais socialmente aceitáveis”.

Sem perder a particularidade do Antropoceno, Miller e Richter (2014b) lembram que “As dimensões sociais das transições energéticas já são vastas e continuarão a crescer”, seja pela descoberta de outros tipos de petróleo e gás, pelo aumento da participação das energias renováveis, pelo renascimento da energia nuclear.

Por isso, faz-se urgente atrelar discussões e decisões em torno do(s) futuro(s) energético(s) nos aspectos tecnológicos e nas dinâmicas e circunstâncias da sociedade, de forma simétrica, na sua mútua constituição, já que muitas das decisões, como visto anteriormente, nem sempre são baseadas em fatos e são influenciadas, em maior grau, por valores, imaginários, e disputa de poderes. Por isso, diversos autores clamam pelo fato de que “a mudança dos regimes energéticos exige mudanças culturais e em instituições associadas” (FROESTAD; SHEARING, 2017, p. 516).

Segundo Sovacool e Brown (2015), uma vez que o sistema atual foi escolhido e elaborado pelos atores, também pode ser alterado por seus participantes e possíveis conflitos sociais que emerjam desse processo devem ser valorizados. Os autores bem lembram que todas as opções tecnológicas envolvidas em possíveis transições energéticas, sejam elas fosseis ou renováveis, há divergências de interesses, oposição contra novos projetos, imaginários conflitantes sobre o futuro em questão. Os autores também chamam atenção para o fato de que “Um conflito social que envolve um projeto de energia local geralmente não é apenas um conflito local nem apenas um conflito de energia”, o que torna o debate ainda mais complexo e “o conflito social representa um desafio significativo para a transição da energia” (Ibid.). Em algumas situações, a solução adotada na eminência de conflitos desse tipo é minimizar, ao máximo, a participação de atores com perspectivas distintas, invisibilizar as incertezas e questionamentos e/ou legitimar todas as ações e decisões a partir de argumentos exclusivamente tecnocientíficos e que, na maioria das vezes, tratam a tecnologia como neutra e símbolo de desenvolvimento e progresso (SOVACOOL, BENJAMIN K.; BROWN, 2015). Há situações nas quais formuladores de políticas optam por aceitar a inserção dessas outras vozes de forma controlada no processo, muitas vezes apenas performando falsas iniciativas de engajamento e outras que de fato buscam criar condições para uma efetiva participação de stakeholders em ao longo do processo decisório.

A partir desse cenário, argumentamos que a inserção das dimensões socioenergéticas e a discussão sobre futuro(s) energético(s) baseados em diversidade de fontes, de atores, de possibilidades que respeitem conjunturas locais, sem perder de vista demandas nacionais, precisa ser ampla, performadas nas múltiplas arenas onde a questão é pautada, pelas razões que apresentamos a seguir.

Não são raras as situações nas quais pesquisadores e tomadores de decisões[5] se debruçam sobre apenas um ou outros aspecto dos desafios que permeiam a constituição de sistemas energéticos mais seguros e sustentáveis, tanto em termos ambientais, quanto financeiros. É preciso encarar as questões energéticas como integrantes de um sistema, de uma cadeia complexa marcada por elementos humanos e não humanos influenciam na sua configuração e nas suas transformações ao longo dos anos. Além disso, é notório o fato de as ciências sociais, as humanidades e as artes são marginalizadas ao longo das pesquisas e discussões energéticas. Raras são as exceções nas quais se observa um empenho em explorar a complexidade desses sistemas e discuti-la de forma interdisciplinar.

Segundo Miller e Richter (2014), “abordagens que se concentram exclusivamente no técnico podem chegar a conclusões absurdas”. Nessa mesma linha, para Sovacool (SOVACOOL, BENJAMIN, 2014); “os engenheiros e os economistas estão ignorando as pessoas e errando na tomada de decisões e a ação. (…) A pesquisa interdisciplinar permanece bloqueada por barreiras institucionais na academia e governo”.

No artigo “Energy studies need social Science” (SOVACOOL, BENJAMIN K., 2014), ele identifica quatro tendências, que não deveriam ser encaradas como preocupações, nesse sentido: 1) subvalorização da influência das dimensões sociais sobre o consumo de energia; 2) enviesamento a favor das ciências ditas duras (ciências exatas, engenharia e economia) em detrimento às ciências sociais e humanidades; falta de colaboração interdisciplinar e sub-representação de autores femininos ou de grupos minoritários. Por causa desses, dentre outros fatores, justificamos que os estudos de energia devam se tornar mais orientados para a sociedade, concebidos e realizados primando pela interdisciplinaridade e heterogeneidade nos distintos espaços, sejam eles deliberativos ou de discussão.

De forma similar, a concepção e implementação de transições energéticas dentro de instrumentos mais amplos, como as políticas setoriais, deve ser alterada criando oportunidades e condições para que diferentes enquadramentos e imaginários, ainda que concorrentes, sejam abordados. “Cada um desses quadros influencia como a energia é conceituada, quais variáveis ​​de análise são importantes, como os recursos energéticos são valorizados e, de fato, o que merece atenção como um problema energético”(SOVACOOL, BENJAMIN K.; BROWN, 2015).

Tratando especificamente de mais participação ao longo desses processos (Miller & Moore, 2011; Moore, 2013), os argumentos em torno de empoderamento, aprendizagem e legitimidade são os mais citados, considerando que “todo cidadão tem o direito de falar e ser ouvido” e maior participação tende mobilizar produção e circulação de conhecimentos e decisões mais integradas, ao mesmo tempo em que tende a proporcionar uma tomada de decisão mais democrática e maior aceitação na medida em que os participantes sejam, de fato, envolvidos. Para Tidwell e Tidwell (2018), essa seria a melhor forma de se confrontar o desafio de “como falar e facilitar transições de energia equitativas e justas” . Para Miller et al (2015), “O envolvimento efetivo de diversos participantes de diferentes origens e com diversos níveis e tipos de conhecimento sobre sistemas de energia pode aumentar significativamente a capacidade dos sistemas deliberativos de incorporar plenamente as implicações sociais, econômicas, ambientais e políticas da mudança de energia em escolhas de energia”.

Ainda que inúmeros sejam os trabalhos que exploram a complexidade e as limitações de processos participativos ao longo de concepção e implementação de políticas e planejamento energético, isso não se mostra suficiente para desmontar a necessidade de se assegurar a inclusão de diferentes vozes na tomada de decisões sobre os sistemas energéticos.

Em suma, a relevância dessa discussão se revela de diversas formas:

  • As dimensões sociais dos sistemas energéticos são evidentes e precisam ser tratadas de outra forma quando se foca nas escolhas e preferências defendidas no contexto de políticas e transições energéticas específicas, sobretudo aquelas que se dão em larga escala.
  • As avaliações de risco, quando feitas, pouco tratam do risco social envolvido nas diferentes etapas da cadeia de geração, consumo e planejamento energético. As ocorrências mais frequentes se restringem a riscos da produção de energia exclusivamente financeiros, e com muitas ressalvas. Os impactos ambientais, à saúde da população do entorno, como os decorrentes da mineração de carvão e urânio, dentre outros, são invisibilizados, o que precisa ser transformado.
  • Para lidar com a complexidade dos processos e impactos relacionados ao Antropoceno, em especial quando o assunto é energia, é urgente abordagens interdisciplinares e que superem idealizações. Esse cenário reforça, por sua vez, a urgência de uma maior integração das ciências humanas nas análises acadêmicas ou políticas, que por sua vez, demandam novos métodos para se entender e melhor lidar os contextos históricos e sociais dos sistemas energéticos existentes e imaginados, a exemplo de abordagens antropológicas.

 

Conclusão

O objetivo desse artigo foi refletir conceitualmente a relação entre o Antropoceno e futuros energéticos a partir de ideias que ainda pouco aparecem no debate acadêmico e político no contexto brasileiro quanto o tema energia dando visibilidade a conflitos, controvérsias e incertezas que podem ser (se já não estão sendo) potencializadas com/pelas/nas transformações climáticas e ambientais decorrentes do impacto do homem na natureza.

A dimensão social foi o eixo de conexão entre esses elementos, de tal forma que, em todas as seções do texto, buscou-se evidenciar como questões relacionadas à produção, consumo e expectativas energéticas não são definidas somente por critérios econômicos, tecnológicos, ou naturais, mas também, e em muitos casos principalmente, por dimensões culturais, políticas, ou seja, pelo contexto mais amplo no qual energia e sociedade se coproduzem.

O primeiro passo para isso foi mostrar como aspectos técnicos, ambientais e sociais são fundamentais para constituição do conceito de sistemas socioténicos energéticos. Essa compreensão é fundamental para as relações estabelecidas na sequência sobre Antropoceno, mudanças climáticas, as controversas discussões sobre transições energéticas e futuros energéticos imaginados e performados, no sentido de que a interação entre esses elementos não se dá de forma linear ou isolada das conjunturas de cada região, e é necessário criar condições para que diferentes imaginários possam coexistir.

Além disso, essa forma de compreender e tratar as questões energéticas, visa e possibilita exercícios de reestruturação dos debates sobre políticas energéticas focados não apenas nas formas possíveis de produção de energia, mas também de que forma a produção e o consumo de energia significam e impactam os diversos grupos que habitam sistemas energéticos.

Com base nos conceitos des sistemas sociotécnicos e da evidências de coprodução de tecnologia, energia e sociedade, o objetivo foi também chamar atenção para a necessidade de mudanças mais profundas nas formas como formuladores de políticas, consumidores, pesquisadores e a sociedade como o todo veem e lidam com as escolhas energéticas. Reconhecendo que, historicamente, “os sistemas de energia ajudam a definir não só o que fazemos e aonde vamos, mas também quem nós são e como vivemos como seres humanos” (MILLER, 2012), conectando o futuro do planeta, da sociedade e da geração de energia.

Ao longo desse processo, fica evidente a necessidade de democratizar os debates, as decisões, envolvendo todas as partes interessadas de forma não discriminatória, de forma que que não só os riscos mas também os benefícios associados à energia sejam distribuídos.

 

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Recebido em: 15/06/2018

Aceito em: 15/07/2018


[1] Mestre em Divulgação Cietífica e Cultural. Doutora em Política de Ciencia e Tecnologia, ambos pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. E-mail: apc.camelo@gmail.com

[2] “Why should social scholars care about the Anthropocene idea?” (MOORE, 2015).

[3] A opção por tratar a ideia de futuros energéticos no plural está respaldada no fato de que diferentes interesses, imaginários, posições políticas de múltiplos stakeholders inseridos nos processos de concepção, discussão e/ou implementação de políticas e infraestruturas energéticas no passado, no presente e para o futuro disputam a trajetória das políticas e dos enquadramentos sobre qual é o melhor cenário a ser buscado em termos de segurança e eficiência energética. Muitas são as fontes de energia, bem como as tecnologias disponíveis, e a opção por uma ou outra não é simples. E inúmeras combinações poderiam ser esboçadas ainda dentro do mesmo guarda-chuva das discussões sobre transição energética sustentael. E dessa forma, é imperativo reconhecer “não existe uma transição única, mas várias transições possíveis”.

[4] Os parâmetros que tratam dos limites planetários são: 1) mudanças climáticas; 2) perda de ozônio estratosférico; 3) acidificação dos oceanos; 4) ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo; 5) mudanças na integridade da biosfera associadas à perda de biodiversidade; 6) mudanças no uso do solo; 7) uso de recursos hídricos; 8) carga de partículas de aerossóis na atmosfera; 9) introdução de entidades novas e poluição química (STEFFEN, W. et al., 2015; STEFFEN, WILL et al., 2015).

[5] É interessante a heterogeneidade de atores que Sovacool e Brown (2015) consideram dentro da categoria tomadores de decisão (“decision-makers”). Eles consideram não apenas formuladores de políticas e reguladores, assim tradicionalmente categorizados, mas também estudantes, juristas, donas de casas, empresários, investidores e consumidores. Segundo os pesquisadores, “Muitas vezes, aqueles que desconhecem o significado de seus próprios atos podem tomar algumas das decisões mais importantes. Por exemplo, cada um dos cem milhões de indivíduos pode ‘decidir’ para ligar uma luz, mas nenhum deles pode estar ciente de que o efeito cumulativo dessas decisões exigirá a produção de mais energia, aumentará os custos econômicos para todos, exigindo novos investimentos de capital, aumentar os riscos de confiabilidade, estendendo os sistemas de transmissão existentes e aumentar os custos ambientais para todos através de uma ‘demanda’ para inundar um vale para uma barragem, perfurar mais e aprofundar gás ou petróleo ou queimar bastante carvão para matar milhares através de doenças pulmonares aceleradas causadas pela emissão de partículas em suspensão”. A proposta deles é enfatizar a importância de decisões reconhecidas socialmente, públicas e privadas, conscientes e inconscientes, assim “não limitando o alcance da autoridade para a tomada de decisões formais e a resolução de disputas (SOVACOOL, BENJAMIN K.; DWORKIN, 2015)” (SOVACOOL, BENJAMIN K.; BROWN, 2015).

 

 

 

Futuros energéticos no Antropoceno: trazendo as dimensões sociais para o debate

 

RESUMO: O objetivo desse artigo é refletir conceitualmente a relação entre o Antropoceno e futuros energéticos a partir de ideias ainda pouco exploradas no debate acadêmico e político brasileiro quanto o tema energia, dando visibilidade a conflitos, controvérsias e incertezas que podem ser (se já não estão sendo) potencializadas com/pelas/nas transformações climáticas e ambientais decorrentes do impacto do homem na natureza. A dimensão social é o eixo de conexão entre esses elementos. Em todas as seções do texto, busca-se evidenciar como questões relacionadas à produção, consumo e expectativas energéticas não são definidas somente por critérios econômicos, tecnológicos, ou naturais, mas também, e em muitos casos principalmente, por dimensões culturais, políticas, ou seja, pelo contexto mais amplo no qual energia e sociedade se coproduzem. Por meio dos conceitos de justiça energética, sistemas sócio-energéticos e imaginários sociotécnicos, argumenta-se que falar de futuro energético implica não apenas considerar as fontes de energia potencialmente disponíveis no médio e longo prazos a fim de atender as demandas crescentes de energia, mas, principalmente, incluir aspectos sociais (atrelados a dinâmicas culturais, políticas, de poder, e tecnológicas), em mútua influência, a partir da compreensão de que todo sistema elétrico é, por sua vez, um sistema sociotécnico.

PALAVRAS-CHAVE: Futuro energético. Justiça Energética. Sistemas energéticos.

 


Energy futures in the Anthropocene: bringing the social dimensions to the debate

 

ABSTRACT: The objective of this article is to conceptually reflect the relationship between the anthropocene and energy futures building on ideas little explored in the Brazilian academic and political debate regarding energy. By doing this, we give visibility to conflicts, controversies and uncertainties that may be potentialized with / by the climatic and environmental transformations resulting from the impact of men on nature. The social dimension is the axis of connection between these elements. In all sections of the text, it is sought to highlight how issues related to production, consumption and energy expectations are defined not only by economic, technological, or natural criteria, but also, and in many cases, mainly by cultural, political, or either by the broader context in which energy and society are co-produced. Through the concepts of energy justice, socio-energy systems and socio-technical imaginaries, it is argued that addressing energy future discussions implies not only considering the sources of energy potentially available in the medium and long terms in order to meet the increasing energy demands, but mainly to include social aspects (linked to cultural, political, power, and technological dynamics), in mutual influence, understanding that every electrical system is, in turn, a sociotechnical system.

 

KEYWORDS: Energy future. Energy Justice. Energy systems.


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CAMELO, Ana Paula. Futuros energéticos no Antropoceno: trazendo as dimensões sociais para o debate. ClimaCom – Diálogos do Antropoceno [Online], Campinas, ano 5,  n. 12,  ago.  2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=9296