Explodindo antigas ontologias da deficiência | Adriana Dias
Adriana Dias [1]
Diniz, Debora. O que é deficiência. 1ª edição. São Paulo: Brasiliense, 2007. 96 p. (Coleção Primeiros Passos).
Nutro afeto intelectual e gratidão acadêmica pela obra O que é deficiência, escrita pela antropóloga Debora Diniz para a Coleção Primeiros Passos da editora Brasiliense, publicada em 2007. Sensação que passa pela coroação que sempre foi (e espero sempre será) a amizade da autora em minha própria trajetória. Pensando na provocação de Diniz, entendo o trabalho como um convite à uma virada ontológica da deficiência. Ou, nas palavras de Arryanne Queiroz (2007, p. 827), trata-se de “uma provocação à compreensão biomédica da deficiência como desvantagem biológica”.
Como mulher com deficiência, pertenço à denominada “maior minoria do mundo”, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Uma minoria que sempre foi categorizada, sistematizada, oprimida para encaixar-se nos modos de pensá-la que a humilhavam e segregavam. Diniz problematiza a questão dos poderes biopolíticos, em especial dos modelos médicos que abordam a deficiência como lesão. Trata-se de um debate incinerador dos movimentos das pessoas com deficiência a partir da década de 1970, e que nos oferece a intrigante jornada de transformações conceituais que as humanidades podem exercer sobre um conceito que anteriormente “pertencia” aos campos de estudo de saúde mais pragmáticos.
Com sua habilidade técnica, Diniz nos revela uma descoberta: “deficiência é um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente” (p. 10-11). As barreiras estão no social, na formação histórica como o corpo deficiente é visto, em como a deficiência é vista. E valendo-se de Jorge Luís Borges, escritor argentino cego, ela lembra: “…ser cego é apenas uma das muitas formas corporais de estar no mundo…” (p. 2-3). Compreender/Atentar/Apreender a cegueira como modo de vida, como uma das possibilidades da diversidade humana, rompe o aprisionamento, estoura a análise, torna a deficiência “boa para pensar”. Afinal, quando um grupo social apreende a deficiência à sua maneira, elabora também a relação entre corpo e mundo, assim como sobre o que nos faz pessoas humanas, mais completas ou incompletas.
O livro trata de temas importantes: modelo social da deficiência; os estudos sobre deficiência; a revisão do modelo médico; e deficiência, feminismo e cuidado. Diniz se apoia mais nos fundadores do movimento social do Reino Unido[2], que emerge de uma proposta de intelectuais das Ciências Sociais, muitos deles de linha marxista e muito influenciada por aspectos linguísticos e sociológicos, olhando por todos os modos pensáveis a questão da opressão. Ela conta como Paul Hunt, sociólogo com deficiência física, foi um dos precursores do modelo social da deficiência no Reino Unido e o impacto que sua carta ao The Guardian, em 20 de setembro de 1972, provocou na comunidade dos intelectuais com deficiência (leia a resenha completa em pdf).
Recebido em 26/11/2020
Aceito em 30/11/2020
[1] Doutora em Antropologia Social (IFCH/Unicamp). E-mail: dias.adriana@gmail.com
[2] Reino Unido e EUA tiveram movimentos sociais e intelectuais com propostas um tanto quanto diversas. Nos EUA o movimento absolveu mais o culturalismo que o marxismo expresso nos intelectuais do movimento do Reno Unido.
Explodindo antigas ontologias da deficiência
Diniz, Debora. O que é deficiência. 1ª edição. São Paulo: Brasiliense, 2007. 96 p. (Coleção Primeiros Passos).
DIAS, Adriana. Explodindo antigas ontologias da deficiência ClimaCom – Epidemiologias [online], Campinas, ano.7, n.19, Dez. 2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/explodindo-antigas-ontologias/