Escutar o rio: como fazer&como amar | Laura Hylodes e Ribeirão das Anhumas


Laura Hylodes[1]
Ribeirão das Anhumas[2]

Introdução

Este ensaio poético propõe um passo além da contemplação: abre-se a uma prática de escuta que entrelaça o pensamento humano ao ambiente de forma sensível. O resultado é o registro feito junto ao Ribeirão Anhumas, pelo convite à aventura pelos modos como a água comunica e transforma as dicotomias tradicionais entre sujeito e objeto, razão e sensibilidade para convergir em experiência, corpo e linguagem. Na história dos povos do mundo, a poesia, as mitologias e os contos fantásticos narram encontros com os entes da natureza, histórias passadas de geração em geração e transmitidas oralmente, que são uma forma de organização da experiência sensível em que montanhas, rios e animais são dotados de interesses, vozes, e compartilham conhecimento sobre o mundo com os humanos.

São mundos inteiros dissolvidos nas águas, vozes que falam sem necessidade de tradução e em uma paisagem que não é apenas cenário. Na adoção de uma perspectiva cosmológica, a relação com os elementos naturais deixa de ser simbólica e passa a ter valor ontológico e espiritual para a coletividade. “Nós pescamos no rio apenas o necessário porque confiamos no rio. Não temos medo do rio, sabemos que o rio vai dar peixe sempre” (Santos, 2023, p. 14) – Nego Bispo, quando usa a expressão confiar no rio, reafirma que confiança é um ato que transborda do humano para as águas na vida das comunidades quilombolas. Os rios também são retratados na cosmovisão de alguns povos indígenas, como explicado por Ailton Krenak (2019), que afirma que “os rios têm direito a sonhar”. Ele ressalta que a natureza tem uma dinâmica existencial própria e independente da perspectiva humana, e que a degradação dos rios impede que eles se realizem em plenitude, sufocando, por consequência, os sonhos coletivos de comunidades de diferentes espécies que vivem em sua presença. Na passagem a seguir, o autor resgata que a separação do humano e do meio destrói a familiaridade antiga que se tinha com a natureza e desmancha a singularidade dos elementos naturais ao desfazer a ideia de “personalidade”, cheia de sentidos da natureza:

Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos (Krenak, 2019, p. 33).

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

[1] Laura Hylodes, Universidade de São Paulo, mestranda em Mudança Social e Participação Política (PROMUSPP – EACH USP). E-mail: escrevaparalaura@gmail.com
[2] Ribeirão das Anhumas e seus rios e córregos da Bacia Hidrográfica Ribeirão das Anhumas

Escutar o rio: como fazer&como amar

 

RESUMO: A experiência de escutar o rio revela um diálogo em que o ruído branco da água se transforma em linguagem e conhecimento, questionando a separação entre natureza e cultura. Este ensaio poético, coescrito com o Ribeirão Anhumas, busca descrever como a água se comunica e ressignifica as dicotomias entre sujeito e objeto, razão e sensibilidade. Conclui-se que a água e o ser humano, por meio da inteligência sensível, são capazes de construir e compartilhar um conhecimento que incorpora afeto e experiência, promovendo uma relação mais profunda entre seres humanos e não humanos.

PALAVRAS-CHAVE: Água. Escuta. Natureza. Cosmovisão. Conhecimento sensível.


Listening to the river: on doing and loving

 

ABSTRACT: The experience of listening to the river reveals a dialogue in which the white noise of water transforms into language and knowledge, challenging the separation between nature and culture. This poetic essay, co-written with the Ribeirão Anhumas, explores how water communicates and redefines the dichotomies between subject and object, reason and sensitivity. It concludes that water and humans, through sensitive intelligence, can build and share knowledge that incorporates affection and experience, fostering a deeper relationship between human and non-human beings.

KEYWORDS:Water. Listening. Nature. Worldview. Sensitive knowledge.


HYLODES, Laura. ANHUMAS, Ribeirão das. Escutar o rio: como fazer&como amar [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/escutar-o-rio/