Encontros com potências frágeis

Título: Encontros com potências frágeis


Resumo: Como lidar com nossa impotência diante da desordem climática, das desigualdades sociais, das investidas poderosas no progresso, da incessante circulação de imagens-palavras-sons limitados demais e que não nos afetam? Se a impotência é parte do problema, como diz a filósofa Isabelle Stengers, buscaremos, nestes encontros, torná-la um problema a ser enfrentado junto com outros grupos. In-ventar outros inter-esses. Pensar a vulnerabilidade – próximo tema da Revista ClimaCom – em efetiva conexão com a vida, afirmando-a enquanto campo problemático e de combate a tudo que nos torna fracos e impotentes e, ao mesmo tempo, como campo de abertura para as potências frágeis e indeterminadas que escapam às organizações das forças dominantes. Encontrar com seres, coisas, lugares, materiais e procedimentos nos quais pulsam outros quereres, mais sutis e menos deterministas, lineares e normativos. Afirmar, assim, a divulgação científica menos como a construção de espaços-tempos de comunicação de conhecimentos já prontos e dados, e mais como potência de produzir encontros nos quais imagens, palavras, sons, conhecimentos, ciências, artes e filosofias tornam-se vulneráveis a novas visitações, manipulações e composições. Um dizer sim à divulgação como o desastre afirmativo do encontro, que nos impede de seguir com os mesmos olhos, mãos, cabeças, corpos, que nos força a criar um novo corpo-leitor-escritor-pensador que se move e vibra mais junto da Terra.


Mãos-dar, meditar vidas

compondo espécies, ecossistemas e modos de dizer frágeis com o chão e o vento

Há uma fragilidade constitutiva das coisas-seres do mundo. Fragilidade como condição necessária para sua constante transmutação e composição. Somos frágeis, pois nossas formas são sempre formas em constante deformação. Tudo no mundo é metaestável. Dizer-se movimento afirmativo é dispor-se sempre ao encontro com uma certa instabilidade. Violência amorosa do outro que nos força a mudar. Uma semente cai de uma árvore, abre-se no chão e se torna uma casa abandonada. Um pequeno gesto pode fazer dela uma composição. Um corpo que se agacha, uma mão que a pega, coleta, insere numa série de relações. Gesto frágil – de se deixar afetar pelas coisas-seres do mundo e entrar em relação de composição com elas, em relação de material com elas. Uma semente, um resto no chão, na mão, uma potência de criação. Passagem sempre frágil de dar consistência, de fazer brotar forças no material. Operação só possível pela busca insistente de uma eficácia de um medir. Precisão do encontro, isto é, precisão da escuta que, deixando-se afetar, leva os materiais à sua máxima expressão, como recortes sempre precisos em que, entre suas frestas, chovem forças, chovem alegria de estar junto. Uma mão, num gesto frágil, exercendo uma certa ciência imprecisa de composição. Ex-semente, casa abandonada, agora mais uma vez fértil entre outras pequenas matérias do mundo, por exemplo, compondo uma nova espécie. Espécies inorgânicas ganhando anima num mãos-dar. Insetos de outros mundos emergindo em exsicatas. Biodiversidade, coleção e aglomerados de vida reunidos e visíveis num gesto de medição-composição, de fixação, de dar consistência entre folhas, galhos, linhas, sementes… Constelação de vidas frágeis, que resistem à extinção que as mudanças climáticas impõem. Multiplicação manual, criação de ecossistemas que se meditam em mandalas, embaladas pelo pensamento de Stengers “Não somos impotentes, fomos reduzidos à impotência”. Restos, materiais abrindo um cosmos no chão, um ecossistema improvável. Mandalar, medir em propensão com o acaso, compor de regras curvadas ao imprevisível do vento, das folhas, sementes, galhos. Mudanças climáticas que se efetuam, ao mesmo tempo, como plano de fundo e força que coage nossos corpos; em sua face empobrecida, propagam um cansaço, uma fadiga nas imagens e palavras que delas algo tentam dizer – uma certa extinção dos processos criativos por insistência desta fadiga e estagnação. Resistir com potências frágeis. Medir, meditar as mudanças climáticas como quem cozinha nuvens em fogo lento, como quem embaralha fundo e forma num mesmo plano, em mosaicos que abrem tempos outros em que o movimento fractal é movimento de vida. O infinitamente grande, que já contém o infinitamente pequeno. Um tufão-imagem que, nas mãos de uma criança, emaranha-se com sementes-algodão, cozinha de tempos em escala de infância. Clima-oferenda-banquete, mandala-alimento de novos ecossistemas, de novos modos de estar junto com as mudanças climáticas, longe de empobrecimentos ou cansaços já dados. De nossa fragilidade e de dispor-se frágil, dizer-se pura potência. Deixar-se afetar pela plasticidade das palavras, abri-las, decompô-las, fazer delas restos, destroços de mosaicos, possibilidade de um reencontro outro. Sílabas soltas, sílabas inorgânicas. Criação de novas espécies-palavras ao vento. Um livro-ao-vento aberto. Um dizer que ganha vitalidade fugindo com o vento de qualquer dicionário, ou léxico já dado, já cansado demais. As mudanças climáticas podem aparecer como nosso plano de fundo, como aquilo que nos circunda e oprime numa incomensurabilidade que faz com que a percepção se desvaneça antes de acontecer afetivamente. Crença num falso determinismo, pelo qual somos reduzidos à impotência, na qual uma imobilidade (negação da fragilidade e metaestabilidade como potência de vida) se impõe e qualquer vontade de dar lugar a uma etho-ecologia é abortada. Mãos-dar, fazer do fundo mais uma superfície que nos pode afetar, enrolar-se com ele, tornar sua incomensurabilidade uma provocação infindável que reativa as potências criativas. Fazer das mudanças climáticas a matéria constituinte de nossa mesa de trabalho. Mãos-dar, entre novas vidas/espécies e suas relações, seus ecossistemas e novas formas de se deixar afetar, desenrolar mesas de trabalho como laboratórios de potências frágeis, como laboratórios de cosmopolíticas que, diante do já dado, abrem a disputa inesgotável. Um convite a se dispor ao encontro de se deixar afetar e afetar no gesto manual, em mãos-dar, que medem, meditam, experimentam vidas, populações de vidas frágeis.


Concepção: Sebastian Wiedemann, Susana Dias e Fernanda Pestana (Grupo multiTÃO)

Fotografia: Susana Dias, Fernanda Pestana, Oscar Guarin

Produção audiovisual: Sebastian Wiedemann

Colaboração: Ludmila Oze


 

Esta publicação é uma contribuição da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais financiado pelos projetos do CNPq Processo 550022/2014-7, CNPq No. 458257/2013-3 e FINEP Processo 01.13.0353.00