Rastros de uma educação química menor | Bruna Fary, Fernanda Rigue e Roberto Oliveira
Bruna Adriane Fary [1]
Fernanda Monteiro Rigue [2]
Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira [3]
Estranheza de alguns encontros
Após nadar por alguns quilômetros, algumas tartarugas-verdes (Chelonia mydas) encontram na Ilha de Trindade, uma ilha vulcânica localizada no oceano atlântico e cerca de 1200 km a leste de Vitória – ES, um local para desova. O encontro da Tartaruga com a Ilha permite o florescimento da vida. Em um dia comum, as rochas encontram a água do mar ao mesmo tempo que a água do mar se encontra com as rochas. As rochas e a água promovem um encontro que há muitos anos mobilizam pensamentos filosóficos e, mais recentemente, o pensamento daqueles (as) intitulados (as) Geólogos (as). As rochas, para esse grupo de pessoas, são uma associação natural de minerais em proporções definidas. Já os minerais são entendidos como sólidos, também naturais com arranjos atômicos ordenados e composições homogêneas e definidas. Tais conceituações, que dão ênfase no aspecto natural dessas categorias, rocha e mineral (Nickel, 1995; Branco, 2015), são tracionadas quando, por exemplo, Santos et. al. (2022) questionam se as rochas podem ser formadas por fontes consideradas não-naturais. Assim, seriam rochas, se formadas por plástico? O motivo de tal questionamento está no encontro da água do mar com uma série de aparentes rochas na ilha de Trindade. Segundo um grupo de pesquisadores(as) da Universidade Federal do Paraná, os plásticos compõem algumas das rochas encontradas na ilha. O artigo se tornou notícia e ampliou as reflexões sobre essa categoria de polímeros sintéticos e sobre a ciência Química, bem como sua implicação na indústria. O artigo em questão nos apresenta e conduz a outros textos que relatam o plástico em ambiente costeiro, ilhas remotas, montanhas, superfície da água, regiões polares, na profundidade dos oceanos, entre outros espaços. A relação com os plásticos pode nos tocar em alguns aspectos. O encontro, um tanto estranho, ou estrangeiro, da tartaruga com o as rochas, que passam a incorporar o plástico em sua estrutura, até então mineral e, consequentemente, natural, é um exemplo de como a ação humana interfere na geo-história desse espaço comum que chamamos de planeta Terra. O que diria tal tartaruga em seus registros Therolinguísticos (Despret, 2021)? “Tive evidências de Gaia atuando, transformando em rocha aquilo que mata meus parentes – mais um dos produtos daqueles que se intitulam humanos”. O plástico, como um hiperobjeto (Morton, 2013), está para além de uma compreensão espacial e temporal de sua existência, visto a necessidade de estimados 450 anos para que sua decomposição ocorra na natureza. Responsáveis diretos pelos fins de mundo, como escreve Ailton Krenak (2019), tais hiperobjetos são produtos/efeitos de modos de vida e visões de mundo capitalista-colonilistas.
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Recebido em: 25/04/2023
Aceito em: 15/05/2023
[1] Universidade Federal de Pelotas. E-mail: fary.bruna@gmail.com
[2] Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: fernandarigue@ufu.br
[3] Universidade Federal do Paraná. E-mail: robertodalmo7@gmail.com
Rastros de uma educação química menor
RESUMO: A estruturação da Química como ‘Ciência da Natureza’, com ênfase em um projeto de modernidade e constituída a partir de fundamentos capitalista-colonialistas, pode ser entendida como parâmetro para aferir o momento histórico que conhecemos como Antropoceno. Nosso objetivo nessa escrita-oficina consiste em apresentar e discutir a posição da Ciência Química na geografia do saber, bem como propor a teorização de um campo educacional para se pensar em estratégias éticas, estéticas e políticas que mobilizem os saberes relacionados à transformação das substâncias e que criem desvios dos modos dominantes de pensar e agir no Antropoceno. Para tanto, elaboramos três tomo-vacúolos de pensamento: i) o território da Química moderna/colonialista; ii) habitar as ruínas do Antropoceno; iii) rastros de uma educação química menor. Emerge, então, uma educação química menor como potência para a cocriação de um pensamento químico a partir da nossa relação no/com/pelo mundo. Por intermédio de rastros, cultivamos vestígios moleculares que permitem esperançar possíveis em educação química. Rastros como pistas para um presente coletivo que desterritorialize práticas científicas capturadas e exploradas pelo discurso totalizador, homogeneizante, do progresso e desenvolvimento, que torna insustentável um mundo mais que humano.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofias da Diferença. Escrita-oficina. Hiperobjetos. Escolarização. Antropoceno.
Tracks of a Minor Chemistry Education
ABSTRACT: The framing of Chemistry, as a ‘Science of Nature’, with emphasis on a project of modernity and built on capitalist-colonialist foundations, can be understood as a parameter to assess the historical moment that we know as the Anthropocene. Our objective in this writing-workshop is to present and discuss the position of Chemical Science in the geography of knowledge, as well as to propose theorization of an educational field to think about ethical, aesthetic and political strategies that mobilize the knowledge related to the transformation of substances and that create deviations from dominant ways of thinking and acting in the Anthropocene. To do so, we elaborate three tomo-vacuoles of thought: i) the territory of modern/colonialist Chemistry; ii) inhabit the ruins of the Anthropocene; iii) traces of a minor chemistry education. Then, a minor chemistry education emerges as a power for the co-creation of a chemical thought based on our relationship in/with/throughout the world. Through traces, we cultivate molecular traces that allow us to hope for possibilities in chemistry education. Traces as clues to a collective present that deterritorialize scientific practices captured and explored by the totalizing, homogenizing discourse of progress and development, which makes a more than human world unsustainable.
KEYWORDS: Philosophies of Difference. Writing-workshop. Hyperobjects. Schooling. Anthropocene.
FARY, Bruna; RIGUE, Fernanda; OLIVEIRA, Roberto. Rastros de uma educação química menor. ClimaCom – Ciência.Vida.Educação [online], Campinas, ano 10, n. 24., mai. 2023. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/rastros-de-uma-educacao-quimica-menor/